Então lá, boa noite a todos, serão bem-vindos. Eu queria aproveitar a oportunidade desta mensagem do Martin Pagnan que eu e me fui repassada pelo Felipe Martins, embora a mensagem seja de 2007, no qual ele diz que eu sou um dos poucos estudios no mundo que estão levando avante o que o Eric Vögeling entendia por ciência política. Então aproveitando esta ocasião, que é muito minha alegra, que alguém tenha compreendido tão bem o sentido do que eu estou tentando fazer, eu gostaria de expor algumas ideias sobre o que eu entendo por ciência política e que creio eu, embora não coincidem inteiramente com o projeto do Eric Vögeling, é bastante harmônico com a concepção dele. Eu de fato não procurei fazer nada que fosse parecido com o que ele estava fazendo, mas procurei, na medida do possível, pesquisar certos pontos específicos que de algum modo reforçassem esse trabalho dele, como quem colocasse mais um tijolinho embaixo para tornar a construção mais sólida. Eu nunca tive a ambição de fazer uma construção larga como ele fez, mas sempre procurei trabalhar numa linha que fosse coerente com o que ele estava tentando, que me parece o esforço mais sério de uma ciência política no século XX. Com a ciência política acontece uma coisa muito peculiar que creio eu, poucos estudiosos chegaram a notar. Você vê que nas ciências naturais todas elas começaram pela coleta de fatos. Já no tempo de Aristóteles, Aristóteles descreveu meticulosamente pelo menos 200 espécies de animais e ao mesmo tempo tentou fazer um esforço semelhante na área da política, colecionando e classificando as constituições de dezenas de países em torno. Mas as ciências naturais elas progrediram durante milênios, dois milênios na verdade, na base da coleta e classificação. Na verdade você não vê nenhum grande esforço de classificação antes do tempo do Buffon e do Balon qui Vie, os primeiros que tentaram uma classificação geral das espécies animais. Então são dois mil anos de coleta de fatos antes de tentar sequer uma classificação geral. Em seguida vieram as teorias gerais mais ambiciosas como o evolucionário de Charles Darring e outros. Nas ciências humanas aconteceu o contrário, o esforço inicial de Aristóteles foi totalmente abandonado, quer dizer, a coleta de fatos políticos. E as grandes filosofias sociais e teorias políticas do Ocidente já estavam todas prontas antes que começasse qualquer coleta significativa de fatos. Na verdade essa coleta você só observa a partir do século 19 com a Constituição da Ciência Histórica com o Leopold von Ranken. E mais tarde, vamos dizer, com esforços antropológicos e etnográficos etc., com isso a massa de fatos foi se evoluindo muito desde então. Porém, você ver, o liberalismo do John Locke, a teoria do Hobbes, o positivismo, as ideias dos iluministas e o marxismo já estavam todos prontos antes dos fatos. Então não é de espantar que todas essas teorias tenham adquirido mais o valor de slogans e de símbolos e unificadores de movimentos e estimulantes para várias militâncias. Umas melhores, outras piores, mas no fim das contas essas teorias todas serviram mais para isso do que para fins de uma explicação científica. Então, e eu me lembro também de que Eric Wegelen, quando foi para Alemanha e deu um curso sobre o nome de ciência política, o pessoal achou muito estranho porque ele não tocava nos temas tradicionais da filosofia política, não falava de legitimidade, nem de constituição, nem de todas essas coisas que são o arroz com feijão do que se chama a teoria política. E ele mesmo, ele sempre dizia, vocês não estudam filosofia, vocês estudam a realidade. Então, essa frase tem um impacto muito grande para mim. Eu acho que é bastante fácil você lidar com ideias gerais, com concepções abstratas e sobretudo deduzir delas aquilo que você acha que deve ser feito para ser parte de valores universais e vai deduzindo até situações particulares. Mas o fato é o seguinte, você está compreendendo as situações particulares? Então, me pareceu que o grande problema da ciência política não era o esforço de generalização, mas sim o esforço de compreender as situações particulares, uma por uma, de modo que, algum dia, quando se procedesse a uma generalização, se tivesse, quando tem uma base factual suficiente. Então, eu comecei a dar muito mais importância à análise de situações particulares. Acontece que essa análise, por sua vez, ela tem que se basear, vamos dizer, numa grade de conceitos descritivos. Você parte, então, de um conjunto de conceitos descritivos, que são apriorísticos, que são definidos apenas em termos de possibilidade e impossibilidade e depois, à medida que você vai testando, descrever as situações com base nesses conceitos, você vai corrigindo os próprios conceitos, corrigindo a perfeição, modificando, etc., etc., e é exatamente o que eu tenho tentado fazer. Então, por exemplo, um conceito muito usado é o conceito de ideologia, mas existem 50 definições diferentes de ideologia e, sobretudo, eu não vejo por que confundir o que seria uma batalha ideológica com uma batalha política propriamente dita. Então, o primeiro serviço seria definir mais ou menos, abstrátamente e de maneira aprioristicamente, o que seria o campo do que nós entendemos como política. Então, você vê que não existe nenhuma manifestação política que não esteja ligada de algum modo à conquista e exercício de um poder. Então, a descrição do fenômeno do poder foi uma das minhas primeiras preocupações. E sobretudo, eu entendi que nunca se pode, ao descrever esses fenômenos, nunca se pode partir do estado atual deles, ou seja, daquilo que é designado por esse nome nas discussões correntes, na mídia e até no mundo acadêmico. Mas você tem que partir para, vamos dizer, as bases fundamentais a aquilo que, na situação do ser humano na Terra, permite que aquele fenômeno exista. Então, normalmente quando se fala de poder, o pessoal já se refere ao estado de alguma maneira e usa a palavra poder para designar o acesso dos indivíduos aos cargos nesse estado. Basta um pouco de observação para você perceber que nem sempre as pessoas que dispõem de verdadeiro poder, sobre o que é pessoas que determinam melhor o curso das coisas, são aquelas que ocupam os cargos nominalmente importantes. Então, por isso, significa que estrutura do estado é uma coisa, o poder é outro. Então, você pode partir com uma análise do poder que fosse baseada na condição mais geral e mais universal do ser humano sobre a Terra, independentemente de qual é a sociedade onde ele está, qual o estado presente da política, qual é a constituição vigente, etc. Então, na sua maneira mais elementar, claro, que o poder é uma possibilidade concreta de ação, possibilidade de abstração, etc. Todo mundo tem, mas essa possibilidade concreta é a possibilidade que um indivíduo dispõe numa situação determinada. E, mais ainda, só podemos falar de um poder político quando este poder de ação se exerce sobre outras pessoas. Então, evidentemente, o poder está ligado a que fenômeno da obediência. Se ninguém obedece os reis, ele não tem poder nenhum, embora possa ter, individualmente, muito poder, pode fazer uma força física extraordinária, ou possa ser um gênio, etc. Então, todo este poder pessoal que ele tenha não significa nada politicamente, se não houver, vamos dizer, a concomitância da obediência. E logo, eu entendi que havia três e apenas três motivos para a obediência, que seria, andei para o primeiro lugar, o medo de um dano que o sorrindo pode infringir a você, e, em segundo lugar, a expectativa de um benefício que você espera que ele dê. Em terceiro lugar, vamos dizer, a persuasão, isto é a influência psicológica que ele exerce sobre você. Só existem esses três motivos para a obediência. Então, isso quer dizer que em qualquer situação determinada, o ideal seria você pegar personagem por personagem, e ver como é que ele obteve a obediência dos seus seguidores ou súditos ou do cidadão em geral, como quer que seja. Esse processo pode ser descrito, embora ele dê muito trabalho, para você saber como é que uma liderança começou a ser criada, como é que ela se propagou. É claro que você pode falar, por exemplo, de uma influência pessoal num círculo de convivência imediato. Por exemplo, imagina o Lula no começo da sua vida sindical. É claro que havia outros líderes sindicais, outros militantes em volta, e de algum modo ele conseguiu a obediência, a lealdade deles. Isso aí, até um certo ponto, poderíamos resolver isso na esfera puramente biográfica, dos contatos pessoais. Mas depois de um certo ponto, a ação começa a ser indireta. Está certo? Então, o indivíduo começa a ser obedecido por pessoas que jamais o viram, que jamais tiveram um contato pessoal com ele, e que só o conhecem através de uma imagem pública criada por terceiros. Então, nós termos que dividir esse estudo em dois pedaços, primeiro da influência pessoal e, segundo, da propagação da imagem. Uma vez que tivéssemos compreendido mais ou menos esse processo, teríamos que tentar entender o curso da ação que o indivíduo pretendeu empreender. O que ele estava buscando fazer e quais instrumentos que usou, quais os meios de ação disponíveis. Esse problema dos meios de ação é uma coisa que é frequentemente negligenciada pelos estudiosos da política. Por exemplo, eu vejo historiadores que fizeram investigações sobre a criação da imagem do rei, por exemplo, na era clássica, a imagem de Luís Catoris, etc., etc., esquecendo que na época de Luís Catoris você não tinha televisão, você não tinha rádio, você não tinha agência de propaganda, não tinha nada, e que a própria ideia de construção de uma imagem é um pouco exagerada. Claro que havia uma imagem, mas essa imagem, certamente, não foi planejada. Não houve um círculo de técnicos dizendo o que é que nós, qual a imagem do rei que nós queremos transmitir e como vamos impor essa imagem a todo mundo. Não, o processo foi muito mais natural e muito menos controlado do que poderia ser hoje. Já com o advento do rádio, você vê o recorrado, foi o grande instrumento usado por Stalin, Hitler, Mussolini, etc., etc., favorecendo então um contato quase direto do líder com a sua militância. Mas quando nós vamos investigar não só a formação da liderança, mas o curso e os objetivos da ação, aí a coisa se complica formidavelmente, porque em primeiro lugar raros personagens têm o curso da ação deles é coerente do começo até o fim, eles mudam ao longo do tempo. Em segundo lugar, nós nunca podemos ter certeza de que o indivíduo tinha uma consciência clara do que ele queria fazer, porque ali se mesclaram várias motivações diferentes, o problema da motivação é outra coisa que tem que ser investigada muito metrículógica, meticulosamente. Então existem, por exemplo, motivações que nós dizemos ideológicas, existe um discurso ideológico já em circulação, o indivíduo recebe o impacto desse discurso ideológico e ele o assume até certo ponto e decide personificá-lo. Mas em que medida esse discurso ideológico coincide com o curso real da ação que ele vai empreender? Aí a coisa é enormemente complicada, porque se você assume uma ideologia, assume a ideologia socialista, ela parte da concepção de um estado ideal, será alcançado dentro de alguns anos ou séculos e elabora uma estratégia para você chegar lá. E o curso da execução dessa estratégia é tão recheado de desvios e atenuações e adaptações etc. Isso é que muitas vezes o curso da ação vai parecer contrário ao do objetivo ideológico proposto. Também temos de levar em conta que entre as teorias que adquiriu uma importância no mundo moderno, o marxismo sempre sobre levar em conta essas contradições e jogar com as contradições. Então em certos casos a conexão entre discurso ideológico e estratégia e tática é um negócio enormemente complicado que tem que ser descrito caso por caso. E quando você entra nesse tipo de estudos, onde você quer usar a expressão Leopold von Ranker, compreender as coisas como elas realmente aconteceram. Então aí todo o conjunto de conceitos criado pela ciência política ao longo do tempo, ele servirá de muito pouco, porque desde o início houve uma tendência muito grande a discutir o que seria a política ideal e a fornecer soluções universais para problemas locais. Por exemplo toda a teoria de Hobbes é feita na base do terror que ele sentiu dentro das guerras de religião no seu tempo. Então ele pareceu que era necessário criar um estado tirânico que controlasse esses vários grupos religiosos. Então nós podemos dizer que isso foi uma solução que ele encontrou para uma situação determinada. Porém este modelo em seguida é transposto para outras situações. Então você fala de uma política hobesiana fora do contexto de guerras de religião. Hoje em dia não faz mais sentido você falar nem de guerras de religião, nem no caso eslâmico cabe muito isso, mas é evidente que nós não temos uma guerra de religião hoje, há bastante tempo não temos. Mas o modelo hobesiano continua nas mentes influenciando e encantando umas pessoas, horrorizando outras etc etc. Então nós temos aqui que criar conceitos novos. Esses conceitos alguns podem ser tirados da psicologia e da psicopatologia na medida em que nós estamos tentando explicar a atuação de personagens individuais concretos. É claro que por mais que nós falhamos de tendência gerais, de correntes históricas etc etc, a ação efetivamente é sempre empreendida pela decisão de um ou dois ou três um pequeno grupo de agentes concretos. E nós temos que entender exatamente o que eles estavam tentando fazer, quais os meios de ação que dispunham e como tentaram realizar ou aquilo que declaravam ou algum outro objetivo que permaneceu por assim dizer escondido no íntimo da sua consciência. Em muitos casos se torna quase impossível você discernir os motivos ideológicos alegados e os motivos psicológicos reais. Você vê o prêmio, você estudava a biografia de Stalin, você vê que uma série de ações que ele empreendeu foram baseadas exclusivamente no medo que ele sentiu de determinadas pessoas e não no fato de que existisse uma oposição ideológica real. Então esse elemento psicológico ele tem que ser levado em conta porque ele se entremescla com a corrente ideológica de uma maneira enormemente confusa. Em todo caso, eu sempre achei que é importante você levar em conta o que os próprios personagens proclamaram como sendo o seu objetivo, mas não aquilo que proclamo necessariamente em público. O discurso público tem uma finalidade ideológica no sentido de encobrir com um manto de ideias, uma ação concreta, uma luta concreta pelo poder. Então muitas vezes o discurso ideológico é puramente pretestual, ou em nome de que eu vou fazer isso aquilo, o que não quer dizer que esta coisa em nome da coisa está agindo seja efetivamente o seu objetivo, o que também não quer dizer que o indivíduo esteja mentindo e propósito. Você vê que a análise dessas negócios pode ser o nível de distinção que essas coisas vivem, caso por caso, chega a ser alucinante, mas sem isso nós jamais teremos uma ciência política. Mas ainda é característico, deve dizer, da ciência política o fato de que ela não pode chegar, dificilmente poderá chegar a generalizações quanto ao futuro. Nós podemos entender o passado e parcialmente o presente, porque o futuro depende do desenvolvimento dos meios de ação, sobretudo meios tecnológicos de ação cujo progresso é absolutamente imprevisível e que hoje em dia é tão acelerado que do dia para a noite as coisas podem se modificar. Por exemplo, ainda há dez anos atrás seria o tópico você imaginar um governo que fiscalizasse todas as ligações telefônicas e soubesse tudo o que todo mundo está falando e hoje isso já é perfeitamente possível. Quer dizer que as coisas que pareciam tópicas de repente se tornam perfeitamente reais. O hipótese de um governo mundial, se você falasse de um governo mundial no tempo de Napoleão ele mesmo ia dizer que você estava maluco. Eu me lembro, por exemplo, de ter escrito para editor Abril um estudo sobre quais eram os planos estratégicos de Hitler e você ver que a ideia de que Hitler pretendia dominar o mundo é apenas uma hiperbole, é uma fibra de linguagem. Ele tinha um plano muito determinado, no qual haveria uma espécie de partilha de poder no mundo onde a Alemanha dominaria desde a Europa ocidental até a Rússia e uma parte da China mais deixaria, uma parte do Oriente sob o encargo dos japoneses. Em princípio não tocaria no Império Britânico nem na América. Essa era mais ou menos a ideia. Claro que podemos dizer uma parte das pessoas e imagina mais o plano de Hitler baseado na cena do Charlie Chaplin, brincando com o mundo como se fosse uma bola. É uma figura, é um símbolo. É uma hiperbole, para dizer que era uma ambição tão grande que parecia dominar o mundo. Também nós usamos frequentemente a imagem de que essas pessoas, grandes governantes querem ser deuses, querem imitar deuses ou tomar o lugar de deuses. O que me parece também uma hiperbole inaceitável, porque é monstruosamente exagerada. É o mais certo se lhes dizer que eles gostariam de competir com o diabo, como o príncipe deste mundo, mas não o príncipe do universo, não o rei do universo. Quer dizer, o ser que governa que tem poder quase ilimitado sob uma fração do universo. Eu acho que mesmo o indivíduo mais ambicioso que já possa existir no planeta nunca pretendeu nada além disto. Essas imagens, as figuras de linguagem que o pessoal usa na descrição das situações, acaba atrapalhando tudo de tal maneira que você não entende, coisa nenhuma. Então, eu acho, por exemplo, espantoso que até hoje pouquíssimos estudiosos têm nos dado conta daquele fenômeno que eu assinalei no debate com o professor Dugin, de que existem três esquemas globalistas em concorrência. E três é só três, não há mais de três. Eu vou se ver aqui um pouco antes, o Malachi Martin, no livro The Keys of this Blood, as chaves deste sangue, havia considerado a igreja católica como um desses blocos. Então, ele via que havia um... ele via então três blocos, não levava em conta o Islam, e via a igreja católica uma cunha entre esses sistemas, que na época era o sistema comunista e o sistema ocidental. Esse diagnóstico perdeu validade muito rapidamente na medida em que o Islam entrou no cenário de uma maneira avassaladora e o projeto comunista se modificou de tal maneira, não posso dizer que ele foi totalmente extinto, mas ele se modificou de tal maneira, que hoje você não pode falar mais de nenhuma unidade ideológica no bloco russo-chines e nem no antigo movimento comunista, mas você ainda pode falar de uma comunidade estratégica. Então, todas essas coisas que ser também analisadas há luz de distinção entre os três tipos de poderes, três tipos de influência, porque eles não são tipos puros. É evidente, por exemplo, que um governante que tem o poder de atemorizar a população mediante a ameaça de castigos corporais ou da morte, é evidente que ele também usa, vamos dizer, o estímulo e a sedução, pelo menos para ganhar uma parte do seu apoio, quer dizer, os seus colaboradores mais imediatos não podem ser controlados só na base do medo, eles têm que ter um sistema de recompensas também e ao mesmo tempo ele também vai ter que usar o poder de influência intelectual ou psicológico para criar o discurso ideológico em torno. Então, esses três elementos estão sempre mezclados e é muito importante distinguir como está sendo usado cada um. Você verá, por exemplo, que no caso brasileiro nós vimos a farta distribuição de vantagens, por exemplo, o caso do mensalão, quer dizer, nós oferecemos certas vantagens listas ou ilistas para que determinadas pessoas colaborem conosco, ao mesmo tempo existe um discurso ideológico dos direitos humanos, da igualdade, dos movimentos sociais, etc. E existe também, vamos dizer, a vaga ameaça, não da morte física, eles não partiram para isso ainda, se bem que de vez em quando mataram uma pessoa outra, mas não usam esta ameaça de maneira explícita, mas existe a ameaça do dano social, quer dizer, de você marginalizar o indivíduo, você terá um emprego dele, isolar o do seu circo de amigos, etc. Então, em cada momento da situação, o uso dessas três formas de poder se mescla com uma dosagem específica e com uma fórmula específica, e isso é muito importante distinguir isso aí. Também, quando nós falamos do discurso ideológico, nunca o discurso ideológico pode ser aceito nos termos em que ele se coloca, ele pode dar certos nomes às coisas que não correspondem à realidade deles. Por exemplo, no caso brasileiro, eu tenho, faz tempo que eu estou interessado neste ponto, que é o privilégio concedido ao lumpo emproletarado, desde os anos 60. Você não vai ver nenhum discurso oficial dizendo isso, eles não falaram do povo trabalhador, dos sem terra, dos coitadinhos, etc., mas, quando você articula o discurso ideológico com as medidas reais, você vê que quando um portavói do petismo está falando do povo, na verdade ele está se referindo a marginais, bandidos, delinqüentes, prostitutas, drogados, etc., etc. Esta é, refatei, a menina dos olhos desse partido. E é curioso que esta era a proposta de Herbert Marcuse nos anos 60, e hoje em dia praticamente ninguém mais lê Herbert Marcuse, e provavelmente a liderança inteira do PT jamais lê uma linha dele, mas esta ideia que entrou nos anos 60, ela criou raízes. E se nós perguntamos por que isso criou raízes tão fundas no Brasil? Em mais parte alguma isso aconteceu. Então você vai ter que estudar, vamos dizer, a situação dessa militância esquerdista antes dos anos 60, e você vai verificar que o grande drama da intelectualidade esquerdista até os anos 60 era o seu isolamento da população. O pessoal estava falando em nome de um povo que os desprezáveis ignoravam, na maior parte dos casos. Quando você vê, por exemplo, no caso das guerrilhas, no caso das guerrilhas aqueles caissaras denunciando os guerrilheiros para o exército. Então você veria como isso devia doer no coração desses militantes, que acreditavam ser os defensores, pelo menos imaginámos ser os defensores da população pobre, ver essa própria população pobre os entregando à repressão. Então este isolamento foi durante muito tempo um ponto dolorido na militância esquerdista brasileira. Quando apareceu o Lula, o Lula foi na verdade a primeira liderança proletária que apareceu na história da esquerda nacional. Até então a esquerda era constituída praticamente de estudantes intelectuais. De repente abriu uma brecha para o proletariado, então de certo modo o conteúdo do discurso proletário adquiriu alguma materialidade graças à figura do Lula e sem a menor sobredúvida este foi o motivo de ter aplaudido tanto o Lula e dar tanta apoio para ele, porque ele simbolizava finalmente o proletariado que saiu do armário e começou a participar das lutas. Porém antes deste contato proletário você já tinha toda a mitologia do lumpo em proletariado. Se você ler livros por exemplo como Capitães de Areia do Jorge Amado que é um livro dos anos 40, você derá que o Jorge Amado se anticipou muito ao Heber Marcusa, quer dizer a ideia do potencial revolucionário de bandidinhos de ruas de pequenos delinquentes, estava ali cara de algum modo. Se você assistir aos filmes do chamado Cinema Novo você vai ver que o proletariado está ausente dali, mas o lumpo proletariado está presente sempre. Então de algum modo por inexistência de um proletariado militante até os anos 60, na verdade 70, o lumpo proletariado entra como um símbolo condensador do espírito revolucionário na mente da esquerda brasileira já antes do advento do Heber Marcusa. Então as teorias do Marcusa vieram a pena legitimar uma coisa que no Brasil já estava sendo praticada antes e é uma coisa que diferencia muito a militância brasileira de todos os outros países. Eu não conheço nenhum outro caso. E quando você vê hoje a medida que cresce o poder dessa militância, a influência da mentalidade proletária cresce também ao ponto de você ver fenômenos como esse xereca satânica que mostram já a loucura total, quer dizer, a revolta contra tudo. E essas coisas começam a acontecer umas atrás das outras. Você vê essas manifestações de rebelião sexual aberta, assim, umas atrás das outras, com uma repercussão muito maior do que ter em qualquer outro país. Aqui, quando acontece essas coisas, são fenômenos locais. Mas no Brasil não, isso ocupa manchetes, por um ornal nacional, todo mundo fica sabendo. E se torna uma força política efetiva. Então nós vemos que a medida, por exemplo, que as reivindicações abortistas, gaysistas, feministas, etc., se tornaram o centro da atividade ideológica da esquerda nacional. Então, é claro que a história da esquerda nacional não pode ser escrita nos termos que foi escrita a história da esquerda francesa, italiana, ou coisa assim, realmente não é possível. Então, temos que usar outros instrumentos descritivos. Instrumentos descritivos que a própria esquerda desconhece, porque ela está vivendo essa apologia do lumpo e proletarado, mas ela não se descreve assim, ela não sabe que ela é assim. Então, você tem um caso, vamos dizer, de dupla consciência. O jeito está fazendo uma coisa e está usando um discurso completamente diferente. Talvez porque se ele usasse um discurso realista para descrever o que ele efetivamente está fazendo, ele iria desistir de fazer. Então, o curioso é que você vê que ainda estão vivos muitos militantes comunistas da década 60, 70, que foram formados na mentalidade estalinista, do velho comunista patriarcal, moralista, e que essas pessoas ainda estão, coesistem ao mesmo tempo com militantes geisistas, poraloquistas, etc. Então, fomos um amalgama extremamente confuso. Então, você vê que para mim, no meu entender, quer dizer, você conseguiu descrever o que está acontecendo ali, você discernir as várias linhas de força, as várias ações, várias coisas. É uma coisa muito mais interessante, muito mais importante do que você ficar teorizando sobre regímes, constituições, etc. Então, é claro que, por exemplo, o pessoal que vem da área do direito dá muita importância, está a estrutura legal das coisas, como se ela fosse a estrutura real, mas também isso aí você tem uma área de tensão entre o que está na letra da lei e o que está se fazendo realmente. Quer dizer, hoje, por exemplo, você observa nos Estados Unidos, que a partir do momento em que aceitar um baraco domo como presidente, que é um sujeito que ninguém sabe de onde veio, ninguém sabe nem quem é o pai dele, tem uma história de vida toda repleta de mistérios e coisas suspeitas, uma longa história de associações com terroristas e gangsters e que não apresentam um único documento verdadeiro, embora apresentasse três falsos. Então, você vê que, de repente, parece que o povo americano aceitou a ideia de que ele tem que ser aceitar, ser governado sem saber por quem. E que se fizer pergunta, então ele é um maldito, um racista, etc. Então criou uma inibição psicológica tremenda. A partir da hora que se aceitou isso, também foi preciso aceitar toda a série de crimes e ilegalidades que o Obama começou a fazer sem que ninguém reclamasse muito, pelo menos. Claro que sempre existe aquela parte que reclama, conservadores, T-part, etc. Mas você vê, a população em geral e a grande mídia que, em princípio, forma a sua realidade. Aceita as coisas, vamos dizer, com um pouco de desgosto, mas não com uma revolta equivalente, o proporcional, a gravidade das coisas, como por exemplo, esse episódio de Benghazen, que o governo recusa proteção a um embaixador e depois ainda inventa uma historinha ridícula para cobertar o seu crime ou uma série, quer dizer, a lista dos crimes do Obama, um negócio impressionante, não dá para comparar com nenhum outro. E você vê que no fim aparece gente como Donald Trump dizendo assim em público, isso já é um palhaço, é uma homem tiroso que eu conheci na minha vida. Então você não tem mais respeito pelo presidente, mas você continua obedecendo. Obedecendo o quê? Qual é a lei? Então, se o que ele está fazendo é totalmente contra a letra da lei, então a quem, a população está obedecendo? A resposta é o seguinte, está obedecendo à mídia e grupos de pressão. Então você tem um novo sistema legal, não escrito, que é o que realmente está em vigor. E a lei escrita simplesmente já não vale mais. Então, para descrever a situação dos Estados Unidos, você teria que interpretar, vamos dizer, esse discurso da mídia, o discurso de blindagem do Obama, teria que ver qual é a estrutura lógica das exigências que ele impõe e dizer, bom, a lei que está sendo seguida é realmente esta, embora na constituição e nas leis que ele já escrito outra coisa. Tá certo? Então, deu uma situação desta para quem foi formado na teoria política tradicional ou no sistema jurídico tradicional. É um desafio tremendo. Não foram treinados para descrever a realidade no máximo, onde vem que a realidade se afasta tanto da norma escrita ou da norma tradicional, eles ficam chocados e revoltados e dizem, bom, o que é que há dentro? Você fica chocado, revoltado e não tem ver nada. Se eu ler uma porrada, é bom eu saber de onde a porrada veio, não adeta, eu ficar revoltado, se a gente me bateu, quem bateu? Você não sei. Aí você não pode fazer nada, você está apenas expressando a sua impotência. É bom você saber de onde veio a porrada e por que o sujeito bateu e o que você pode fazer a respeito. Então, nessa situação melhor seria você justamente manter a cabeça fria e tentar descrever com a maior precisão possível o que está acontecendo. Só que a sua tentativa de descrever, ela também entra no jogo político e ela é interpretada pelos personagens e ação como se isso fosse uma ação política por si mesma. Então, em toda a interpretação de um estado de coisas, faz parte também do estado de coisas. Então, eu ver que por uma série de artigos em que eu fui descrevendo as coisas que se passavam no Brasil e descrevendo, cá entre nós, com uma precisão tão grande que me permitia prever sempre o próximo passo com acerto de quase 100%, coisa que ninguém fazia no Brasil. Isso é, então, interpretado como se fosse a formação de uma liderança conservadora ou liberal, ou tucana, e, evidentemente, esta interpretação que alguns indivíduos fazem tem que entrar também na descrição do jogo de forças que existe. É claro que o estudioso tem que saber muito bem qual é a sua posição no cenário para não tentar descrever a coisa como se ele fosse um observador da estrela Sirius, mas ele tem que estar consciente de como os outros estão interpretando o que ele disse, e como eles vão reagir a isso. Então, este conjunto de fatores, na verdade, é a descrição da vida humana e isso nunca é simples. Você vê que, às vezes, para você descrever um simples sentimento, o sentimento do siumen, você vê que quando o Shakespeare escreveu o hotel, você vê o número imenso de sutilezas, de pequenos sinais que ele tem que captar, aprender para entender como é que o siumen vai funcionando, como é que ele é acionado e como é intensificado. Então, para você descrever um simples sentimento dominante, você já tem essa dificuldade toda. Para descrever um quadro enorme desse, mesmo que você chegue a uma compreensão de suficientemente ampla da coisa, é difícil você articular isso numa descrição única. Então, o que eu faço? Eu vou dando uma dica aqui, outra ali, outra ali, outra ali, esperando que o leitor seja suficientemente inteligente para captar mais ou menos a unidade do quadro que eu estou tentando descrever e consiga relacioná-lo com os conceitos descritivos que eu coloquei naquela apostila Problemas de Métodos nas Cienas Humanas e em outros artigos nos quais, de vez em quando, eu fui explicando os conceitos que estava usando. É claro que esse trabalho, eu acho que ele mal começou. Por quê? Porque nós não temos a base factual suficiente. Por exemplo, a história das relações da esquerda nacional com o Lumpa Improletarado. Eu sei que isso existiu, eu observo isso há tempos, há mais de 20 anos eu publiquei aquele artigo bandido de letrados, mas aquilo não é uma história, eu estou apenas dando uma dica. Cadê a história disso aí? Cadê a história do imaginário esquerdista onde ele consagra o Lumpa Improletarado como o herói da história e pior ainda, qual é a relação que existe entre esta tradição por assim dizer da esquerda nacional e o ingresso das ideias de Herbert Marcusi nos anos 60 e 70? E como foi possível que esse autor que foi esquecido quanto mais sendo tão influente sem que ninguém se desce de se contar da coisa? Então, esta é uma história que está para ser escrita. Você vê nos meus artigos e nos livros, eu coloco sempre um monte de notinhas marginais sugerindo estudos que têm que ser feitos para que nós tenhamos a base factual necessária para compreender o que está acontecendo. Mas os estudos faltantes aí, no meu entender, são mais de mil e você vê as universidades brasileiras, elas não vão empreender isso aí, elas não querem conhecer a realidade, elas estão em voltas, estão, para ser dizer, obsediadas e hipnotizadas por uma paixão, da utopia sexual libertária, está certo? Que já se apostou completamente deles, eles estão loucos mesmo. Então, você vê que são centenas de instituições dedicadas então a dar cursos de sexo oral, essa coisa toda, mas eles já ficaram loucos. Neste outro dia eu vi um estudo de que o sujeito observar constantemente pornografia pela internet baixa o neve do seu que ia, sua capacidade de atenção, capacidade de abstração, etc. É claro que acontece isso, está certo? Quando você vê a população universitária quase inteira obcecada por essa coisa, fala, esse pessoal não está capacitado para entender coisíssima nenhuma, eles só podem expressar a sua paixão, o seu ódio, etc. E ao mesmo tempo podem encobrilo com o discurso ideológico que engana eles mesmos. Então, a coisa se torna muito difícil de descrever porque você já está descrevendo uma psicopatologia onde você tem, onde há uma conduta real que não tem absolutamente nada a ver com o discurso que é encobre. Quer dizer, quando o maluco diz para você que ele é Napoleão Bonaparte, certamente as ações dele não correspondem a Napoleão Bonaparte, mas a fantasia exerce uma função específica dentro do quadro geral da patologia. Então, quanto mais nós a situação social, se aproxima do nível psicopatológico, o mais difícil ela é de descrever e mais a falta, a carência desses estudos factuais ao longo de 60 ou 70 anos se torna um fator a mais na confusão reinante. Você vê, quando você faz uma psicanálise, o que que o psicanalista faz? Ele tenta fazer você lembrar sua história. Naquela negócio, na base do Dr. Miller, a neurose é uma mentira esquecida na qual você ainda acredita. Então, é preciso primeiro desencavar essa mentira antiga, ver como é que você esquecer, fazer com que você se lembre dela e que você perceba que é mentira e você desmantela então esse sistema de racionalização que está encobrindo uma conduta doente. Então, se não houver esse conjunto de estudos, a memória nacional ela vai ser sempre a memória doente que é feita para encobrir as motivações reais e para adorná-las com falsas motivações, motivações pretestuais e essa coisa vai se agravar, agravar, agravar. Agora, é uma coisa lamentável que dizem tantas universidades que são subsidiadas com o dinheiro público e que os seus depórteras da minha vida de história e de ciências humanas só sirvam por uma coisa, para ficar fazendo choradeira dos guerrilheiros dos anos 60. E não se faça nenhum estudo sério para saber realmente a questão da história das mentalidades, como é que se cria a história da mentalidade atualmente dominante? Ninguém sabe. Então, esclarecer essas coisas, esclarecer o processo real, é muito mais importante do que você desenvolver a teoria geral. Claro que você precisa de uma teoria geral, mas num sentido metodológico, você tem que criar os conceitos descritivos e depois ajustá-los à situação concreta que você está tentando escrever, mas você não pode ter uma teoria geral explicativa a priori, como você tem, o próprio Marx, se não a teoria a priori, nós sabemos que a base factual usada por Marx era mínima e que, además, ele fosse ficuma para os dados. De conta, então, nem se fala, porque aqui na lei dos três estados, que é que já tem uma explicação dos fatos, e a mesma coisa se aplica a Hobbes, a mesma coisa se aplica a John Locke e a todos os iluministas, etc. Quer dizer que a teoria política dos últimos séculos, ela só vale como documento da história das mentalidades, ela não tem valor científico, ela tem valor documental, quer dizer, em certa época as pessoas foram loucas no suficiente para imaginar isso ou aquilo. Mas eu creio mesmo que uma verdadeira ciência política só começa a aparecer no século XX, e sobretudo, acho que o maior dos méritos do Eric Fugger, quer dizer, ele sabe articular uma coisa com outra ideia, com a motivação real, como, vamos dizer, com a percepção real das situações, embora ele tenha o problema de que ele mesmo diz que ele só usa documentos escritos, onde a percepção que as pessoas têm da realidade já se exteriorizou verbalmente, fica mais fácil interpretá-lo, mas eu acho que isso não é possível, você se manter só com isso aí, pronto, se você procurar, a história da mentalidade da esquerda nacional, só com documentos escritos, você vai ter uma ideia muito errada, você vai ter que apelar para a música popular, para o cinema, para o teatro, até para a crônica social, essa coisa toda, porque daí você tem, você vai ter que usar, em suma, eu penso assim, usar o método do Eric Fugger, com as técnicas do Gilberto Freire, ele usava tudo quanto é tipo de documento, cartinha de namorado, fotografia, e é claro que eu nunca tentei fazer isso de uma maneira abrangente, nem o tempo e nem a condição para isso, mas o que eu posso fazer é o que eu tenho feito, quer dizer, documentar certos pontos na esperança de que os leitores, sobretudo, que são meus alunos, consigam articular uma coisa com a outra, e ver que existe uma perspectiva geral por trás de tudo, é isso que eu tenho tentado fazer, e eu fico muito feliz que o Pagnan tenha entendido, geralmente, no Brasil, pelo menos no Brasil, o que é que você faça, as pessoas atribuem para você uma motivação que você não tem, isso é uma motivação que representa uma função dentro da vida dela, da mente dela, mas que não está absolutamente nada a ver com você. Então, hoje eu sinto muito, mas não vamos fazer intervalo e não vamos ter a segunda parte, porque é aniversário da minha esposa, Oshane, e nós vamos ter que fazer uma festinha para elas, vocês me desculpem, e fica assim, até a semana que vem, muito obrigado a todos.