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Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula 253

21 de junho de 2014

Hoje eu vou dar mais algumas explicações suplementares sobre a questão das 12 Camadas da Personalidade. Mas para isso é preciso voltar um pouco e falar sobre os elementos da Psicologia do Destino de Lipot Szondi, que foram, por assim dizer, incorporados a essa teoria. Eu estudei Szondi durante muito tempo, não apenas com o dr. Müller, mas com outros conhecedores da matéria, como Claude van Reeth, Pedro Balázs e muitos outros que freqüentavam o círculo de estudos szondianos que o dr. Müller criou em seu consultório.

Essa psicologia se baseava essencialmente numa Teoria das Pulsões -- impulsos que todo ser humano tem, que se manifestam e se combinam em formas variáveis. Conforme Szondi, há quatro pulsões básicas: a pulsão do sexo, denominada por ele de paroxismal, que é acumular e descarregar; a pulsão do ego; a da auto-afirmação; e a pulsão de contato social, o convívio. Cada uma dessas pulsões tinha dois vetores, um positivo e um negativo, e se combinava diferentemente, formando uma variedade de formatos de personalidade possíveis.

Szondi trabalhou durante um tempo num instituto de genealogia de Budapeste, e acabou verificando que havia uma recorrência de doenças e de profissões dentro das mesmas famílias. Um dia ele teve uma intuição genial, de que essas pulsões se expressavam em simpatias e antipatias que as pessoas tinham pelos seus semelhantes, então coletou 48 fotografias de pacientes, nos quais uma dessas pulsões se manifestava de maneira exagerada e mórbida, e criou o famoso Teste de Szondi. Mas é claro que o teste por si não funciona sem um enorme conhecimento da teoria, não é um teste que pode ser aplicado de maneira mecânica. Há na internet sites em que se pode fazer o teste e obter um resultado. Apesar de não ser inexato, o resultado é muito genérico e esquemático, porque o teste de Szondi precisa ser feito várias vezes, no mínimo dez, para um diagnóstico correto.

Szondi organizou um quadro das pulsões e um esquema em pirâmide dos elementos da personalidade. Na primeira faixa estavam os impulsos básicos; na segunda, o meio social; na terceira, o meio cultural; na quarta, o ego; e no topo do ego, o espírito. Dizia ele que a função do ego era articular essas várias pulsões, para que pudessem se manifestar de determinada maneira: primeiro socializada e depois humanizada. Quer dizer, primeiro você canaliza as pulsões de uma forma socialmente aceitável, e depois, com base nisso, vai transformando esses impulsos em virtudes e qualidades. E, para fazer isso, o ego evidentemente tem de ser orientado pelo espírito. Ele vai sozinho até certo ponto, mas depois precisa ter uma espécie de inspiração superior, que é exatamente o que Szondi chamava de espírito.

Durante muito tempo, eu meditei sobre isso. Szondi comparava essas pulsões a um palco giratório: o palco vai girando, aparece uma pulsão, depois outra, conforme a situação que se está vivendo, e normalmente o palco gira de modo que todas as pulsões possam encontrar a sua expressão devida e ser, por assim dizer, contrabalançadas ou neutralizadas pelas outras, conforme a situação. E ele comparava a doença mental a um palco giratório que quebrou, e então a mesma pulsão ficava forçando obsessivamente a conduta num determinado sentido. É extraordinário Szondi ter descoberto tudo isso muito antes de o ADN ter sido descrito. Em 1910, 1920, ele já tinha essa idéia toda, e descobriu que essas quebras do palco giratório são determinadas por pulsões hereditárias em que, comparava ele, os nossos antepassados continuam vivendo em nossa mente e alma, como personagens que exigem que repitamos a vida deles. Então é por isso que a pessoa tem esses sintomas recorrentes ao longo do tempo. E a função do ego é usar esse material hereditário, combinando-o de maneira mais ou menos criativa, para que a conduta se torne mais ou menos aceitável e então um canal de manifestação de algumas virtudes e qualidades.

Esse problema de como lidar com as pulsões me ocupou durante muito tempo porque todo o problema da maturidade é esse. Temos basicamente os mesmos impulsos, e a conquista da maturidade depende de um conhecimento efetivo das próprias pulsões, que são desejos que às vezes aparecem sob a forma direta e às vezes sob a forma da sua rejeição. Por exemplo, Szondi diz que a pulsão sexual se manifesta de duas maneiras, ativa e passiva, e podem por sua vez ser afirmadas ou negadas, de modo que a negação, quando é extrema, mostra a presença e a força dessa pulsão. Por exemplo, alguém com vida sexual completamente nula. Essa pessoa é aparentemente assexuada, mas, quando se aplica o teste, aparece uma tensão enorme na área sexual. Então aquele impulso rejeitado é o que está determinando efetivamente a conduta. E assim acontece com as outras pulsões também. Um sujeito que se retira, um misantropo, que não quer falar com ninguém, muitas vezes tem o vetor Contato exacerbado, ele está ansiando por contato humano, e essa ânsia é tão forte que ele tem de negá-la porque não consegue satisfazê-la.

Eu observei essas coisas em mim mesmo e em pessoas que conheço (eu apliquei o teste de Szondi em centenas de pessoas que eu conhecia muito bem, não para fins clínicos, evidentemente, apenas para meu estudo). Acredito que a psicologia do Szondi foi a primeira corrente de pensamento cuja veracidade eu pude confirmar na prática. Eu via que aquilo era exatamente assim. Testei de várias formas, e vi que Szondi tinha razão. Na época do Szondi, a idéia de que as doenças mentais eram hereditárias foi muito subscrita pelo pessoal favorável à eutanásia, sobretudo os nazistas. E criou-se aí uma situação muito estranha, porque o Szondi não só era judeu como foi prisioneiro de um campo de concentração, do qual ele conseguiu sair com suborno (ele entregou aos nazistas uma quantia equivalente ao valor da compra de um tanque de guerra, e isso era muito dinheiro na época). Szondi ficou com uma espécie de batata quente, ninguém queria mexer nisso. Porém, com os estudos sobre o ADN, foi constatado que não dava mais para negar, as pulsões eram um fato, então o interesse pelo Szondi aumentou muito nas últimas décadas. Há uma infinidade de livros sobre o Szondi agora, ele sem dúvida foi um dos maiores gênios da psicologia e da psiquiatria de todos os tempos.

O problema das pulsões me chamava atenção justamente porque as pulsões que são negadas são ignoradas. A pessoa esconde aquilo não dos outros, mas de si mesma: não quer pensar a respeito, mas é justamente aquilo que está sendo o fator determinante de sua conduta. O indivíduo está se vendo de uma maneira inversa e não se conhece efetivamente. Embora o ego seja apenas uma das pulsões, orientado também de duas maneiras, no sentido da [0:10] expansão do ego ou da sua contração e enrijecimento, a função do ego era se sobrepor ao universo das pulsões justamente através das conexões e check and balances que ele estabelecia entre uma e outra. E daí a função que Szondi chamava de Ego Pontifex: o ego é o construtor de pontes entre as várias pulsões. Quando a ponte cai, uma coisa se desliga da outra, e pedaços inteiros da alma passam a se ignorar. E justamente aquele que corresponde à seção do palco que paralisou e que está na frente da platéia é o que a pessoa mais ignora.

Então eu vi que esse problema do autoconhecimento é algo muito mais complicado do que eu poderia ter imaginado e do que tinha tido acesso em outras escolas de psicologia e, sobretudo, de psicanálise. Quer dizer, além de ter estudado muita coisa, eu fiz muitas análises, mais para efeito de conhecimento mesmo, e vi que todas elas, comparadas ao Szondi, eram muito pobres, somente o Szondi tinha um plano geral da coisa e sabia integrar isso dentro do conjunto da história, da cultura e do espírito. Em dado momento, eu notei que o Szondi deu um mapa do problema. Mas esse mapa ainda é estático, ele está falando apenas das pulsões permanentes no ser humano, que se combinam e recombinam a cada momento de uma maneira diferente. Conforme as atitudes tomadas na vida, os problemas que se tem etc., as pulsões vão se modificando às vezes.

Szondi também pensava que o ego operava através das escolhas conscientes, cujas principais eram o casamento (o parceiro escolhido), o círculo de amigos e o trabalho ou a profissão. Então criou algo que chamou de ergoterapia -- que é algo diferente da laborterapia. É justamente a orientação do indivíduo para uma ou outra profissão que permite uma montagem melhor do seu esquema pulsional. Szondi tinha começado essa verificação da coincidência entre profissões e doenças mentais na história das famílias, e culmina seu trabalho numa série de procedimentos psicoterapêuticos, entre os quais a escolha de um trabalho definitivo ou temporário para curar o indivíduo, porque naquele trabalho ele é obrigado a articular seus impulsos de uma maneira diferente do que fazia antes.

Mas eu vi que faltava no Szondi uma psicologia do desenvolvimento humano. Ele tinha o quadro, o processo diagnóstico para cada momento da vida e o procedimento terapêutico, porém faltava o aspecto biográfico, o desenvolvimento de uma vida inteira. Então eu me dei conta de que tinha de começar a procurar isso, e um acontecimento muito me ajudou: eu conheci Boris Cristoff, um astrólogo búlgaro que residia no Uruguai, um homem muito engraçado e espirituoso, um gênio sob certos aspectos, que tinha umas realizações fantásticas no campo da astrologia, entre as quais o fato de prestar serviços à polícia uruguaia para localizar pessoas desaparecidas. Quando houve aquele caso do avião que caiu nos Andes, e as pessoas começaram até a praticar antropofagia, ele ajudou a localizá-las por métodos astrológicos. Essa parte dos métodos astrológicos eu não conhecia direito, não conheço até hoje, na verdade. Em astrologia, há uma multidão de métodos de previsão, alguns enormemente complicados, como as chamadas direções primárias, que requerem altos cálculos de trigonometria esférica, outros mais simples, e eu nunca levei a sério nenhum desses métodos. Até hoje, a única coisa que eu acho mais ou menos válida na astrologia é o aspecto estrutural e permanente, se é que isso existe.

Mas, entre outras técnicas que usava, Boris Cristoff tinha inventado uma muito simples. Ele partiu do fato de que um giro completo do planeta Urano, que é de 84 anos, representa o esquema de uma vida inteira: a duração esquemática ideal, por assim dizer, da vida humana. Partindo disso, ele pegava cada uma das casas do horóscopo e as dividia em sete, determinando que cada pedaço corresponderia a um ano da vida da pessoa. Até hoje eu não sei se isso funciona. Cristoff chamava esse método de proluna. Ele fez a minha proluna, algumas ele acertou, outras, errou.

Na época, eu pensei que era impossível essa duração esquemática ideal da vida humana de 84 anos corresponder à vida de qualquer pessoa em particular, porque as pessoas não vivem 84 anos: umas vivem 20, outras, 30, outras, 120, e assim por diante. Entre um esquema ideal, um esquema, por assim dizer, arquetípico, e a vida real de cada um deve haver um hiato, de modo que, pelo esquema ideal, é impossível discernir a situação real. No entanto, a idéia de um esquema ideal, de um esquema arquetípico, pareceu-me em si muito justa, contanto que você não o aplicasse literalmente ou materialmente à vida de um indivíduo. Então é claro que, se a vida humana é um transcurso no tempo, e esse transcurso é acompanhado naturalmente de crescimento, desenvolvimento, decadência e morte -- e isso acontece para todo mundo --, a idéia de um circuito ideal faz muito sentido em si mesma, desde que você não use esse circuito ideal (os 84 anos) como medida matemática.

Foi aí que me surgiu a idéia de usar esses doze signos ou casas do zodíaco como etapas de um desenvolvimento. Quando fiz isso, também realizei centenas de diagnósticos de pessoas que eu conhecia muitíssimo bem, assim como de personagens históricos. E esse desenvolvimento ideal era marcado por mudanças absolutamente necessárias e incontornáveis. Decidi levar em conta somente aqueles fatores cuja presença é absolutamente necessária, que não podem ser casuais de maneira alguma. Por exemplo, logo que nasce, a primeira coisa que uma criança faz é tomar posse de seu corpo, a criança está eminentemente interessada no próprio corpo. A visão que ela tem do mundo é totalmente subjetiva, do ponto de vista físico, corporal, e somente aos poucos, apenas quando ela tem alguma capacidade de movimento, começa a explorar o ambiente físico em torno. Todas as crianças são assim.

Um bebê sempre está muito interessado no próprio pé. Ele fica examinando o pé, chupando o dedinho, chupando o pé, e assim por diante. Mais tarde, ele começa a remexer objetos. Essa ordem não pode ser invertida, é impossível que o garoto comece a tomar conhecimento do ambiente físico em torno antes de tomar posse do próprio corpo. Então aí se tem uma passagem nítida, que não pode ser assinalada com uma cronologia exata. Não é possível definir o dia que a pessoa mudou. Mas a passagem tem de acontecer de qualquer maneira.

Existe, em seguida, uma terceira passagem, que é quando o indivíduo começa a se comunicar não apenas [0:20] com o ambiente físico, mas com o ambiente verbal em torno. Ele aprende os signos, a linguagem, e começa a ter um meio de ação que não tinha antes. Essa passagem também é nítida, não há possibilidade de confundir. Um bebê que está apenas engatinhando e explorando coisas em torno como um bebê, um pouco mais tarde já é capaz de se explicar de alguma maneira. Essa passagem também não corresponde a uma data exata, a uma cronologia exata, mas é, por assim dizer, conceptualmente inconfundível, não há como confundir uma coisa com a outra.

Então foi a partir disso que me surgiu a idéia das 12 Camadas da Personalidade. Essas camadas eram marcadas por duas coisas: (1) a busca de um objetivo dominante e (2) o aparecimento de um tipo de sofrimento também dominante, durante uma certa fase. Logo que nasce, a primeira coisa de que uma criança se ocupa é tomar posse do próprio corpo, e a coisa que mais a faz sofrer é seu próprio corpo: a criança chora quando está com sono, com fome, com dor. Ela não tem, por assim dizer, problemas humanos: não chora porque a namorada a largou, porque perdeu o emprego, e sim porque a barriga dói, porque quer mamar, algo desse tipo.

Num segundo momento, quando começa a exploração do ambiente físico, ela pode ter frustações que vêm do ambiente físico. Por exemplo, quando pega um objeto e o pai ou a mãe lhe toma, ela começa a chorar. Isso é muito diferente de chorar porque está com fome ou com dor. Nesse segundo momento, a criança tem a possibilidade de ser frustrada no seu empenho de dominar o ambiente físico, e não apenas frustrada no funcionamento normal de seu organismo, como era na primeira fase.

Na terceira fase, quando aprende a falar, a criança evidentemente quer compreender e ser compreendida, e quando falha numa dessas duas coisas, sofre muito mais por isso do que por motivos referentes às duas fases anteriores, embora esses motivos continuem (apenas saem do primeiro plano). Uma criança que já sabe falar também pode sofrer porque está com dor ou com fome, ou porque o brinquedo que queria pegar lhe caiu da mão. Eu me lembro de que sofri horrivelmente quando um brinquedinho meu caiu dentro da privada. Foi naquele momento que eu entendi o que significa nunca mais, pois me dei conta de que o brinquedo não voltaria. Foi uma tragédia. Depois compraram para mim outro brinquedo igual, e tudo voltou ao normal, mas a privada surgiu como uma espécie de símbolo de um buraco negro, a porta para o nada.

Então a pessoa continua com essas motivações das fases anteriores, só que elas saem do primeiro plano e são integradas a um círculo maior, por assim dizer. Essas passagens marcam a vida de qualquer pessoa. Não há uma cronologia exata, isso pode acontecer em princípio a qualquer instante. Há crianças que passam de uma fase para outra mais rápido, outras, menos, mas um dia vão ter de passar. E a mudança de comportamento é notável. Agora mesmo estamos vendo o Jack aprendendo a engatinhar. O mundo físico adquiriu para ele uma importância muito maior. Antes era apenas uma tela nublada ao fundo, agora é o cenário da sua vida. Quando vai aprendendo a falar, a comunicação humana se torna enormemente mais importante do que qualquer outra coisa. Por exemplo, a manipulação do ambiente físico agora é feita através da linguagem: ele tem como pedir as coisas, como se explicar. A comunicação verbal abrange, encobre e contém as duas fases anteriores.

O desenvolvimento podia ser descrito de uma forma esquemática que corresponderia aos famosos 84 anos, sem precisar durar 84 anos. Algumas pessoas podiam percorrer aquilo muito mais rapidamente, mas nenhuma dava saltos. Isso é importante. A atividade de uma das fases requer, por assim dizer, o domínio da fase anterior. Por exemplo, um bebê ainda incapaz de manipular seu ambiente físico não aprenderá a falar. Suponha o caso de uma criança paralítica: ainda assim, ela terá pelo menos o domínio ideal desse ambiente físico, ela é capaz de se orientar nesse ambiente, diferentemente de quando era recém-nascida.

Então uma fase tem de ser abrangida, contida, para poder ser superada, e essa superação não a elimina, mas a contém. É superação no sentido alemão aufhebung, quer dizer, aquilo é elevado a outro patamar. Cada patamar é assinalado por uma atividade predominante, pela busca de um objetivo predominante e também pelo surgimento de uma forma específica de sofrimento que não existia na fase anterior, quando a busca desse objetivo é frustrada.

Na quarta fase, o indivíduo já cresceu bastante, e dominou de tal modo o ambiente verbal em torno, todo o campo das comunicações, que pode avaliar a sua vida do ponto de vista emocional e ver se, como um todo, está feliz ou infeliz. Um bebê pequeno só está feliz ou infeliz num certo momento. Então chega uma época em que você tem um fundo emocional de felicidade ou infelicidade, e avalia se gostam de você, se é aceito, se é desprezado, se obtém ou não as satisfações que quer da vida. Essa fase corresponde mais ou menos à adolescência, e significa a busca da satisfação na vida como um todo, a busca da felicidade, por assim dizer. E a felicidade implica então aceitação, afeição etc.

É justamente nessa fase que surgem os problemas com a família, porque o adolescente sente que não é amado o suficiente, com ou sem razão, ou começa a buscar uma namoradinha, a ter uma relação mais afetiva com o círculo de amigos. É então que a sua satisfação ou insatisfação se condensa em julgamentos mais ou menos permanentes que ele faz sobre as pessoas: eu gosto do fulano, eu não gosto do fulano, este é meu amigo, aquele é meu inimigo. Coisa que uma criança pequena não tem ainda. Uma criança pequena pode até bater em outra criança e, no instante seguinte, as duas estão brincando como se nada tivesse acontecido. Mas chega um dia em que a coisa vai se condensando numa espécie de mundo emocional pessoal, de autobiografia emocional, e num julgamento sobre o seu coeficiente de felicidade ou infelicidade e das razões pelas quais você está feliz ou infeliz. Então essa fase é marcada evidentemente pela busca da aprovação, pela busca da afeição e pela escolha das afeições ou repulsas.

Logo em seguida, o indivíduo entra numa fase em que já não lhe basta ser gostado ou ter o coeficiente de felicidade necessário. Ele começa a se testar aos próprios olhos [0:30] para ver se ele gosta dele mesmo ou não, se ele tem motivos ou não. Então ele começa a se testar e buscar desafios, não para provar algo para os outros, e sim para si mesmo. Provar para os outros é importante na quarta fase, quer dizer, o sujeito fazer coisas que lhe trarão aplauso, afeição etc. Mas chega uma hora em que ele quer provar as próprias forças, quer saber até onde é capaz de ir. Aí começa a buscar desafios não de olho na platéia, mas na própria segurança interior, quer dizer, a conquista de uma confiança, de uma segurança interior que não dependa do julgamento alheio, apenas de ele saber quem é e do que é capaz. Por exemplo, se os garotos entram numa briga, importa a cada um deles vencer a briga, mesmo que não haja platéia alguma; ao fazer um exercício, o indivíduo precisa se superar de alguma maneira. A busca da auto-superação é a constante.

É claro que a necessidade do aplauso e da aprovação ainda existe, mas já não é o foco principal. Por exemplo, se o indivíduo fracassa, mas é aplaudido por afeição ou por paternalismo, ele se sente profundamente humilhado, isso não o satisfaz mais. Um garoto que está na quarta fase e apanhou na rua, se for consolado pela mãe ele ficará feliz, porque tudo o que ele quer é isso; mas se ele está na quinta, a afeição materna começa a ser uma vergonha para ele. É aí que os garotos fogem da mãe, a rejeição à mãe é característica nessa época, quer dizer, eu não quero ser carregado no colo, eu quero ser como o Alberto Roberto: "Eu se fiz por si mesmo". A camada 5 é uma fase em que o indivíduo se impõe desafios. Absolutamente todo mundo passa por isso, só que tem alguns casos em que o sujeito pára.

Quando a pessoa já tem aquele mínimo de confiança em si mesmo, que lhe permite atuar na sociedade, tem de passar para uma outra fase, em que colocar-se em teste já não é o suficiente, é preciso agora ter uma eficiência real. Quando essa pessoa arruma um emprego, por exemplo, o patrão não quer saber se ela tem ou não autoconfiança, ele quer que o trabalho seja bem-feito. Então o desafio deixa de ser um meio de auto-avaliação e passa a ser um meio de ação efetiva na sociedade, pois o que interessa não é mais a busca da segurança, e sim a busca da eficiência. É impossível passar para essa camada se não transpôs a anterior. Se você não tem aquele mínimo de autoconfiança necessária para saber quem é, o que pode, é impossível avaliar se está sendo ou não eficiente.

Quando o indivíduo passou por essa fase, chega à maturidade. Maturidade significa que o indivíduo sabe quem é, se está feliz ou infeliz, conhece mais ou menos o seu círculo de capacidades, sabe quais são os seus direitos e deveres na sociedade e sabe que deve julgar os outros mais ou menos pelos mesmos critérios. Então adquire um senso de justiça, de cidadania. A camada 7 é a camada do homem normal de toda sociedade. É preciso saber quem você é, onde está, quais são os seus direitos, quais são os seus deveres e como julgar o próximo de acordo mais ou menos com a mesma tabela de direitos e deveres. O que lhe permite então uma convivência objetiva, normal e saudável com outras pessoas.

O desenvolvimento humano não pára aí. Pode haver uma oitava camada em que o indivíduo adulto coloca toda a sua vida em questão: já obteve o que queria, está casado, é pai de família, é capaz, tem dinheiro, tem emprego, está tudo certo, mas ele se questiona para que serve tudo isso, o que está fazendo aqui e quem ele é, em última instância. Então essa é uma etapa de crise. A crise da maturidade. Algumas pessoas sofrem a crise da maturidade aos 40, 50, 60, outras sofrem isso aos 20 e poucos, dependendo da velocidade do desenvolvimento.

Todos os seres humanos devem chegar necessariamente à camada 7, isso é uma condição para a vida social. Se as pessoas estacionam nas camadas anteriores, a sociedade simplesmente não funciona. O Brasil é um exemplo disso. O número de pessoas que param na camada 4 é impressionante. E aqueles que estão na camada 4, lutando para passar para a 5, mas sem assumir inteiramente a responsabilidade do desafio, portanto ainda na 4, e ainda necessitando muito de aprovação, do aplauso do grupo, de apoio exterior, não podem jamais agir objetivamente porque tudo o que estão fazendo é para adquirir uma satisfação, uma gratificação subjetiva, no fim das contas. E, no entanto, embora estejam na camada 4, eles podem socialmente desempenhar papéis que correspondam às camadas seguintes: o sujeito pode estar casado, ter filhos, ter um emprego etc., e mesmo assim agir com a motivação básica de camada 4: buscando aceitação, felicidade subjetiva etc.

É claro que uma sociedade composta por pessoas assim não pode funcionar, porque as ações do indivíduo sempre terão uma motivação aparente, que é aquela que corresponde à sua função na sociedade, e uma motivação interior efetiva que é muito mais primitiva, por assim dizer. O indivíduo parece estar tentando fazer eficientemente um trabalho, mas não é esse o foco do seu interesse. O seu interesse é receber um agrado, definir qual é o grupo de amigos, o de inimigos, e assim por diante.

Aluno: Pode-se chamar isso de pulsão?

Olavo: Eu não uso a palavra "pulsão" porque o Szondi já a usou num outro sentido, mas é uma pulsão, evidentemente, é sem dúvida um impulso, um impulso predominante. Mas eu não uso esse termo porque prefiro reservá-lo para aquelas quatro pulsões fundamentais que o Szondi define.

A partir do momento em que o desenvolvimento interior estaciona numa camada, mas o desenvolvimento social do indivíduo continua, ou seja, ele começa a ocupar lugares na sociedade que correspondem a etapas mais elevadas, então a conduta se torna dúplice: parece que ele está querendo uma coisa, mas na verdade está fazendo outra. E na convivência entre pessoas que são assim, você tem a mentira duplicada e elevada à enésima potência porque, no fim das contas, é tudo fingimento. Se o indivíduo fosse capaz de admitir que está pouco ligando para ser eficiente no trabalho e confessasse que o que ele quer mesmo é que gostem dele, que quer se sentir ligado aos amigos e ser hostil aos inimigos, talvez começasse a passar para a fase seguinte, porque ele se daria conta de que aquilo tudo é uma chatice, não basta para ele. Mas, quando acontece essa defasagem entre o desenvolvimento interior e o desenvolvimento social, então se entra na falsificação da vida social. Por exemplo, nos debates no nosso Parlamento ou mesmo nos debates de mídia, o coeficiente de discussão objetiva é baixo. Se fosse alto, os debates corresponderiam à gravidade objetiva dos problemas reais.

Muitas vezes também as exigências de uma etapa ou camada mais primitiva se camuflam, não há apenas uma camuflagem, mas a camuflagem da camuflagem. Por exemplo, a busca da aceitação pode ser camuflada sob uma aparente eficiência exterior, que, por ser justamente uma ineficiência, se [0:40] camufla em esperteza maquiavélica. Eu lhes dou um exemplo: quando comecei a trabalhar no jornalismo, freqüentemente precisávamos viajar, e as despesas eram pagas pelo jornal. Entre os jornalistas se considerava uma obrigação superfaturar as despesas. Quem cobrava da empresa apenas aquilo que gastou, era considerado um puxa-saco do patrão, era patronal. Então, para ser aceito, tinha de superfaturar, ou seja, a eficiência tinha de baixar em nome de uma motivação de camada 4, que era ser aceito pelos amigos. E isso por sua vez se camuflava de uma afetação de esperteza maquiavélica: nós somos os espertos, somos mais desenvolvidos que aqueles que simplesmente trabalham de maneira honesta e eficiente. Então há aqui uma dupla camuflagem.

É essa superposição de funções que não correspondem às camadas, mas são efetivamente exercidas na prática, que pode tornar a convivência numa sociedade uma confusão enorme, pois ninguém sabe por que o outro está fazendo alguma coisa. E a confusão naturalmente cria insegurança, que se traduz, sobretudo, na instabilidade das relações, na volubilidade, em que o indivíduo passa a odiar o outro por alguma frescura, uma bobagem de momento, e essas bobagens determinam o curso inteiro da vida dele. Isso acontece com muita freqüência e é um sintoma de mau desenvolvimento humano.

Se o indivíduo estaciona na camada 4 é porque algo lhe faltou em termos de educação doméstica, a educação doméstica foi ruim. O número de pessoas que têm filhos, mas odeiam ter filhos, é muito grande. São pessoas que não se tornaram pais e mães por vocação, e sim simplesmente por uma fatalidade da natureza: o espermatozóide chegou na hora errada, a camisinha estourou, alguma coisa assim, então o sujeito vê o filho como uma fatalidade que lhe caiu na cabeça, e vai tentar se vingar desse filho de qualquer maneira, ou da mulher que lhe deu o filho, ou algo desse tipo. É claro que uma criança criada nessas circunstâncias não vai obter o carinho e a atenção necessários, que são as coisas mais importantes para se desenvolver normalmente.

Durante as três fases anteriores, é absolutamente necessário que os pais garantam o coeficiente de afeição, para que, ao chegar à camada 4, a criança não empaque e o palco giratório não estacione ali mesmo. Senão as necessidades afetivas continuarão sendo o centro da vida do sujeito pelo resto da vida, sem que ele possa confessá-lo para si mesmo. Então começa a camuflagem perante os outros e perante si mesmo. E é claro que a convivência se torna um jogo de erros, um sistema de erros, como dizia o Carlos Drummond de Andrade. É impossível que uma sociedade assim tenha uma política organizada, uma administração eficiente, uma imprensa que funcione, uma educação maravilhosa.

Um grande problema é que as pessoas começam a dar opiniões sobre a sociedade com base num aprendizado especializado que tiveram na faculdade. O sujeito estudou economia, então analisa tudo economicamente, estudou ciência política, sociologia etc., e não entende que em ciências humanas só o que vale é a articulação de todos os pontos de vista.

O primeiro historiador que conseguiu juntar todos os pontos de vista -- o fator econômico, sociológico, político, psicológico, religioso, espiritual etc. -- foi Ibn Khaldun, um grande historiador tunisino, no livro que foi publicado no Brasil em três volumes: Os Prolegômenos ou Filosofia Social. É o prefácio de um livro de história, em 40 volumes, de autoria de Khaldun, que não tem tradução. Mas apenas esse prefácio é uma monstruosidade de 1.500 páginas. E aquilo é uma maravilha porque o indivíduo levava em conta tudo, ele tinha noção da vida concreta, e não da vida humana seccionada de acordo com preceitos metodológicos limitados.

No caso de um indivíduo que estuda filosofia hoje em dia, o que acontece? O ensino de filosofia no Brasil se divide em três coisas: (1) propaganda, modelagem cerebral gramsciana -- a mais vulgar; (2) o indivíduo aprende a ler alguns textos clássicos, na melhor das hipóteses, analisá-los de alguma maneira e discutir questões abstratas, hipotéticas, por exemplo, determinismo e livre-arbítrio, coisas desse tipo. Então discute tudo no plano conceptual abstrato, mas acontece que a discussão de conceitos genéricos abstratos é apenas uma discussão de possíveis, não tem nada a ver com a realidade. Esses esquemas explicativos abstratos só valem como prefácio metodológico a um estudo da realidade, não significam nada em si mesmos. Por isso eu fiquei chocado quando li no livro do Dummett que: "A filosofia é para pessoas que gostam de discussões abstratas". Sócrates não fazia isso. Sócrates estava falando de coisas que aconteciam na realidade, no meio social dele. Sócrates começou com questões de filosofia moral e política que estão ali presentes. Do mesmo modo, Aristóteles, antes de fazer uma discussão abstrata sobre qualquer coisa, fazia uma coleção de fatos enorme. Por exemplo, antes de fazer a filosofia política, ele colecionou as constituições de todas as cidades-estados em torno, para saber o que estava acontecendo, e leu todas as narrativas históricas que havia, então estava com a cabeça cheia de fatos, e não de idéias ou discussões abstratas. E o indivíduo que tem formação "filosófica" acha que está qualificado para discutir tudo porque domina a esquemática abstrata, quando na realidade o sujeito está nas nuvens, não sabe de coisa nenhuma, é um extraterrestre que acabou de descer aqui.

E, por fim, (3) o que se chama de filosofia no Brasil são estudos técnicos de lógica, especialmente de lógica matemática, muitos deles absolutamente admiráveis, mas que não são filosofia de maneira alguma, pela mesma razão que a gramática não é literatura. O sujeito pode saber toda a gramática e não saber escrever, é o caso, por exemplo, do Antônio Houaiss. Millôr Fernandes dizia que Houaiss conhecia todas as palavras da língua portuguesa, só não sabia juntá-las. Existem excelentes escritores que não dominam completamente a gramática, um deles é o Lima Barreto, que comete erros de gramática sem perceber, mas ainda assim tem força de expressão. Então a lógica, como dizia Eric Weil, definitivamente não é filosofia. Essas pessoas não são filósofos, são quase matemáticos. Com essa formação, ninguém está habilitado a analisar filosoficamente questão alguma, a não ser genéricas e abstratas questões escolares. Eu acho que esse é um dos piores produtos que a universidade lança no mercado.

Aluno: Qual é a divisão do ensino da filosofia no Brasil?

Olavo: (1) modelagem gramsciana; (2) lidar com questões abstratas ou ler alguns clássicos; e (3) questões de lógica, questões técnicas de lógica. O curioso é que no Brasil há grandes lógicos, algumas das glórias intelectuais do Brasil é o pessoal da lógica-matemática. Mas isso não é filosofia, é mais matemática do que qualquer outra coisa.

Voltando às camadas. Chegar à camada 7 é, por assim dizer, obrigatório, isso faz parte da normalidade social. Se essa normalidade não é alcançada, nada na sociedade vai funcionar. Mesmo porque, se um sujeito age objetivamente no trabalho e está realmente atuando como um homem de camada 6 ou 7, ele vai ferir e magoar muitas pessoas em torno porque vai agir de maneira impessoal, segundo um critério de eficiência, e não se importar se o colega está ou não feliz. Muitas vezes, quando eu trabalhava no jornal, vi pessoas eficientes e corretas serem odiadas pelos colegas porque estavam ali para obter um resultado objetivo, e não para fortalecer o espírito de grupo, fazer as pessoas se sentirem bem etc.

É claro que há aí uma situação dupla. Um chefe [0:50] (um chefe de redação, um chefe de escritório, um gerente administrativo, algo assim) pode pautar a própria conduta pela sua eficiência objetiva -- por exemplo, se é uma fábrica de sabonete, a intenção é vender sabonete; se é um jornal, a intenção é vender jornal --, ou pela administração de recursos humanos e fazer todo mundo se sentir bem, embora a coisa como um todo não funcione. Evidentemente, nesse segundo caso, o indivíduo será tido como um excelente chefe, porque ele faz todo mundo se sentir bem. Fazer as pessoas se sentirem bem não resulta necessariamente em eficiência, às vezes, ao contrário, pode consumir todo o esforço do indivíduo.

Conforme Alexander Zinoviev, em toda e qualquer organização existem dois tipos de conhecimentos que você precisa ter: (1) aqueles que servem para atender aos objetivos da organização e (2) aqueles que são necessários para sobreviver e subir dentro da organização. São dois tipos de conhecimentos complemente diferentes. E é evidente que as pessoas que sobem mais facilmente são as que dominam esse segundo tipo de tecnologia, e não aqueles que são as finalidades da organização.

Numa sociedade em que muitas pessoas estão estacionadas na camada 4, vai ser muito grande o número de pessoas que vão subir porque sabem subir na vida e porque a sua única tecnologia é subir na vida, exceto por isso, não sabem fazer mais nada. Os nossos dois últimos presidentes da República -- Lula e Dilma -- são exatamente isso, não sabem fazer nada. Mas o Lula pelo menos tinha a técnica de agradar a todos, e assim subir na vida. Eu já falei muitas vezes que o Lula ascendeu no partido porque não tinha inimigos, ele não fazia questão de ter opinião pessoal, não se impunha, deixava o pessoal tomar as decisões e, em seguida, incorporava a decisão da maioria e falava em nome dela, deixando assim todo mundo contente. Essa é a única técnica que ele tem. Mas é suficiente para subir na vida, e muito. A palavra "eficiência" nesse caso acaba adquirindo duplo sentido: é eficiência em alcançar os objetivos proclamados da organização ou é eficiência em subir na vida? A partir daí, o simples julgamento da conduta das pessoas se torna problemático: você nunca sabe direito do que está falando e em que terreno está pisando.

Eu estava falando do Ibn Khaldun. Para tentar alguma análise da sociedade, é preciso fazer um esforço monstruoso para conseguir ver as pessoas na sua situação concreta. Isso significa que o número de conhecimentos e de experiências pessoais que você precisa ter para isso é praticamente ilimitado, porque a somatória de todas as ciências humanas não forma um ser humano concreto. Além de estudar economia, sociologia, política, antropologia etc., você precisa ter algo que Ortega Y Gasset chamava "experiência da vida", que é transmissível até certo ponto, porque não existe um tratado de experiência da vida. É algo que precisa ser acumulado e só vale se essa busca for muito sincera e verdadeira, e se o indivíduo colocar para si mesmo o problema: querer entender o que está acontecendo mesmo, em vez de querer mostrar que é um bom economista, um bom sociólogo, que é bom nisso ou é aquilo, não estar interessado em tirar boas notas na faculdade, querer chegar, na máxima medida possível, ao conhecimento da verdade objetiva sobre a questão de que está tratando. Se o indivíduo não está firmemente decidido a isso, então não vai descobrir coisa nenhuma, mas vai falar um monte de besteiras pelo caminho. A formação dada nas faculdades brasileiras é de fato uma deformação. Sobretudo a educação filosófica, em que o indivíduo, por saber discutir questões abstratas, acha que sabe discutir questões reais. Às vezes, essas coisas são até antagônicas.

Chegar à camada 7 é o normal do ser humano, e algumas pessoas, depois que chegam à essa fase, entram em crise. Isso pode acontecer aos 40, 50 ou 20 anos, dependendo da velocidade do desenvolvimento do indivíduo. É uma fase em que toda a vida se torna problemática para o indivíduo, não porque tenha fracassado, ou porque não foi amado, esteja sem dinheiro, seja um incapaz, mas, supondo que deu tudo certo, ainda assim está errado: a vida lhe apresenta uma falta de fundamento. E o indivíduo transcende a esfera da mera sociedade para se confrontar pela primeira vez com a condição humana real, universal, por assim dizer. Nós todos estamos aqui, vamos morrer, não sabemos o que estamos fazendo aqui, e surge a pergunta: a morte tira o sentido de tudo, tudo isso é uma absurdidade? Então começam as questões filosóficas, não no sentido escolar, mas no sentido real.

O homem que não chegou a essa etapa de crise não está apto a estudar filosofia, porque ele só vai pegar da filosofia os esquemas gerais abstratos, não vai ter substância vivida naquilo, então realmente não sabe do que a filosofia está falando. Por exemplo, determinismo e livre-arbítrio: é uma bela questão, podemos mostrar muito habilidade lidando com isso. Mas e se for o determinismo e livre-arbítrio da minha vida? Aí eu começo a sentir o drama mesmo, eu sei do que estão falando. A questão, por exemplo, da vida após a morte: podemos ler a doutrina da Igreja, os filósofos etc. e chegar a uma série de conclusões. Mas e se for a minha morte? Eu posso morrer agora. Quem percebe isso não apenas como hipótese abstrata, mas como um risco eminente, por exemplo, tem a crise.

Apenas a partir dessa crise é possível desenvolver uma camada 9, que eu chamo de a personalidade intelectual. Nessa fase, as idéias e crenças a respeito da vida começam a ser o centro da sua vida, e não um enfeite. Então, as crenças que o indivíduo subscreve, as idéias que defende etc. têm um valor existencial para ele que antes não tinham. Antes podiam ser um meio de brilhar na sociedade, de conseguir afeição, de desempenhar eficientemente as funções de professor, escritor ou jornalista, ou o simples exercício de dever de cidadão. Mas agora, não, agora elas são o centro, aquilo em que o indivíduo acredita mesmo, aquilo que o indivíduo pensa mesmo começa a ser importante.

Obviamente, apenas nessa fase é possível ser um filósofo. Antes disso, a pessoa está imitando, está brincando de filósofo. Só é filósofo quem acredita que morrer pelas próprias idéias é uma alternativa perfeitamente viável, como foi para Sócrates; ou fazer imensos sacrifícios, como as pessoas que levam vida monástica, submetidos a uma disciplina duríssima, ou os jesuítas, que eram enviados para outro continente para serem comidos vivos pelos índios etc. Aí você prova que as suas opiniões são realmente a orientação da sua vida, e não apenas um enfeite ou subterfúgio. São apenas essas pessoas que estão falando seriamente. Os outros, não, estão apenas brincando. O leitor que está por sua vez nas camadas 4, 5 ou 6 não percebe muita diferença, talvez perceba ao longo de muito tempo. Essas pessoas, ao lerem uma coisa bonitinha, pensam que o autor é um filósofo, mas, depois de uma longa experiência, percebem que não é bem assim.

Supondo que o indivíduo tenha chegado à camada 9, ele agora sabe o que pensa e, por assim dizer, paga a conta das suas idéias. A pessoa que está nessa camada começa a se colocar acima da sociedade, como alguém que não é mais determinado por ela, mas que busca determiná-la. Ele está apto para exercer um poder. Se você estudar a vida de grandes governantes, independentemente se bons ou maus, um Lenin ou um Napoleão Bonaparte, por exemplo, vai verificar que eles estavam persuadidos de que a sua vontade e visão das coisas se sobrepunham à sociedade, a ponto de eles poderem determinar o que ia acontecer na sociedade. [1:00] Apenas uma pessoa assim está apta a ser um governante, embora qualquer pessoa de camada 4 possa ser colocada numa posição dessas. Evidentemente, a conduta do sujeito vai ser praticamente ininterpretável, e quanto mais confusa, mais as pessoas podem considerá-lo um personagem fascinante, porque não estão entendendo nada. Mas ele é fascinante não por excesso, e sim por falta, como é o caso do Lula. Ninguém o entende porque não há o que entender, e não porque a mente dele seja complexa e abrangente, com planos que ninguém compreende.

Napoleão Bonaparte era um sujeito que ninguém compreendia. Ele chegava ao campo de batalha e traçava planos que contrariavam tudo o que os militares tinham aprendido na academia. Ele dizia o que era para fazer, porém, como a ordem era o contrário do que estava no manual, eles ficavam em dúvida. Napoleão garantia que daria certo, e dava. Quando Lenin acreditou que era possível haver uma revolução proletária num país sem proletariado, estava contestando não só a organização vigente, mas a própria teoria na qual se baseava. Lenin superou o marxismo clássico e inventou uma outra coisa: a revolução proletária sem proletariado. Ele pensou que isso era possível, e era, tanto que foi feito. A conduta desse sujeito não é mais determinada pelo meio social, pelas influências, mas por uma iniciativa dele: ele se torna uma força social plasmante. Isso é camada 10.

O indivíduo que está na camada 11 vai muito além disso porque não apenas se sobrepõe à sociedade, mas ao seu momento histórico. O governante que citei antes, por exemplo, é alguém que se sobrepõe à sociedade presente e exerce sobre ela um poder efetivo --- mas não um poder nominal, não é porque o sujeito é presidente da República que exerce poder efetivo, há quem nunca tenha exercido cargo nenhum e fez isso. O espião soviético Harry Hopkins, por exemplo, era apenas um assessor do Roosevelt, mas mandava muito mais do que o Roosevelt, pois era ele quem tomava as decisões. Ele sabia o que estava fazendo, então evidentemente é um homem de camada 10.

Na camada 11, o indivíduo superpõe não só a sociedade, mas seu momento histórico: há uma capacidade de previsão histórica, a pessoa sabe para onde as coisas estão indo e como empurrá-las em certa direção para produzir resultados de longo prazo. Até a camada 11, o indivíduo ainda se vê como centro agente. Mas pode chegar um momento que ele vê acima de si outro centro decisório atuando através dele. E então pela primeira vez ele sabe o que está falando quando diz a palavra "Deus". É possível, desde as camadas anteriores, vislumbrar isso. Um governante, um homem de camada 10, pode dizer que está agindo em nome de Deus, mas ele não sabe. Hitler dizia isso. Muitos disseram isso ao longo do tempo. Outros não dizem "em nome de Deus", mas acreditam que é uma força transcendente, como o próprio Lenin achava que eram as leis imanentes de história que o dirigiam. Na verdade, não eram, era apenas a cabeça dele.

É possível ter um vislumbre disso, mas existem pessoas que estão em contato permanente com essa fonte. Um santo como o Padre Pio sabe quando é ele que está agindo por conta própria e quando alguém está agindo por meio dele, para fazer coisas que ele não conseguiria fazer. É quando o próprio Deus coloca a força d'Ele na sua mão, mas você sabe que a força não é sua. É claro que a sua possibilidade de ação transcende não somente a sociedade e a história, mas até o mundo físico que o rodeia: você é capaz de fazer impossibilidades físicas.

É normal, inclusive obrigatório, as pessoas chegarem até a camada 7. Muito se fala atualmente sobre cidadania, mas ninguém sabe o que é isso. Quem não transcendeu as camadas 4, 5 e 6, obviamente não chegará à 7, e não será um cidadão, apenas um menino inseguro buscando um grupo para se auto-afirmar como membro; ou um guerreiro permanente, querendo provar a si mesmo as próprias capacidades; ou apenas um bom funcionário, subalterno, evidentemente, mas não um cidadão ainda. Para alcançar a cidadania, é necessário desenvolvimento humano. Sem isso, é tudo uma farsa. Então você vai ter objetivos de camada 4 ou, no máximo, 5 camuflados em exercício da cidadania, como tanto se vê atualmente.

Muitos perguntam qual é o método para diagnosticar em que camada a pessoa está. Não existe um teste, evidentemente, nem poderia existir, porque se trata de uma psicologia biográfica, do desenvolvimento, e um teste só pode avaliar o estado presente do indivíduo, não pode colocá-lo dentro de uma linha de desenvolvimento. Mas, ao observar a biografia das pessoas, é possível fazer duas perguntas: (1) O que a pessoa busca de maneira mais permanente? (Não precisa ser consciente, pois você não vê isso a partir do que a pessoa diz, pela auto-explicação, mas por sua conduta real); (2) Pelo que ela sofre? Um sujeito tentando se integrar a um grupo, por exemplo, alguém que entrou para a faculdade e quer ser aceito pelos colegas, professores etc., e sofre se fracassar; não fica bem se não for tido como membro do grupo, como uma boa pessoa, um bom rapaz, um cara legal. De outra forma, um sujeito sozinho em casa treinando halterofilismo, tentando levantar 200 quilos. Ninguém o está vendo, mas ele quer fazer aquilo, e, se fracassar, não interessa se alguém vai saber ou não, ele vai sofrer do mesmo jeito.

Por observações desse tipo, é possível saber mais ou menos em que camada a pessoa está. Sobretudo pela conduta que a pessoa adota nos momentos decisivos da vida. Por isso que não pode haver um teste, um questionário simples. Esse é um problema de análise biográfica, e, para fazer análise biográfica, é preciso ter estudado muitas vidas e muitas biografias, não apenas biografias escritas, mas a vida das pessoas que o rodeiam. Peça à sua mãe ou aos seus amigos que lhe contem suas vidas. Quando você souber a vida de muita gente, começa aprender a comparar. E isso faz parte da cultura, muito mais do que estudar questões abstratas de filosofia. É claro que a inspiração primeira da idéia eu devo ao Boris Cristoff, mas o resultado a que cheguei foi muito diferente daquele a que ele chegou, e o esquema das Camadas da Personalidade é perfeitamente compreensível sem qualquer referência a ele. De qualquer modo, é uma dívida que tenho com Cristoff. Ele não sabe disso, mas me deu um empurrão.

Então está contada a história e exposta esquematicamente a teoria das Camadas da Personalidade. Nós podemos voltar a esse assunto com mais detalhes depois. Para as pessoas que estudam astrologia, a primeira advertência: pelo mapa astrológico, jamais se saberá em que camada o sujeito está. O mapa astrológico não diz respeito a isso, porque é o mesmo durante a vida inteira da pessoa. O caráter constitui-se daqueles fatores absolutamente permanentes que ficam imutáveis na passagem de camada a camada. Se o horóscopo corresponde a alguma coisa que ainda está para ser [1:10] averiguada, ele só pode corresponder aos fatores permanentes. Mesmo as progressões e os trânsitos planetários só fazem sentido quando referidos à figura estática do horóscopo originário, portanto são apenas um desdobramento matemático inteiramente previsível; e se são inteiramente previsíveis, não podem ter nada a ver com a passagem de uma camada para outra.

Aluno: Eu assisti à aula 40 do COF e gostaria de perguntar se o senhor pode disponibilizar a apostila "O que é o dinheiro", e também se ainda pretende publicar o livro Ser e Poder*.*

Olavo: Sem dúvida, eu posso colocar essa apostila à sua disposição, até achei que já estava no Seminário. É um fragmento de um conjunto que eu denominei "Ser e Poder", para o qual eu já tenho todos os materiais, que são várias notas que tomei mais os dois cursos de Teoria do Estado que dei no Paraná. É um material que tem entre 800 a 1.000 páginas, e eu jamais conseguirei organizar isso sozinho, preciso da ajuda de um redator muito bom. Alguém profissional, um escritor. O Rodrigo Gurgel está me ajudando com alguns cursos, mas não chegamos a este ainda. Se aparecer alguém do nível dele, contratamos a pessoa profissionalmente para fazer isso.

Aluno: A verdade, a sabedoria é algo muito desejado, porém de difícil alcance. Será dado a conhecer por Deus quando morremos e adentramos a eternidade? Se sim, um intervalo de tempo tão curto, como é o tempo de uma vida, se passado na busca de tal fim, tornando esse tempo não tão curto assim, considerando a salvação para ambos -- aquele que busca a sabedoria e o ingênuo --, qual é o lucro, se, no fim, a ambos for revelado a verdade?

Olavo: A verdade nem sempre é uma coisa agradável. Depende de você amá-la ou odiá-la. Se você a odeia, vai ter a verdade do mesmo jeito, só que ela vai corresponder à sua danação, no fim das contas. Essa é a diferença. O lucro é: ou você obtém o que quer ou precisamente o que nunca quis.

Aluno: Como associar uma camada geral da população de um país conforme a análise do que vem impresso nas cédulas monetárias? Textos como "Deus seja louvado", as figuras históricas e personalidades teriam representação superior à dos micos, onças, carpas e beija-flores do Brasil?

Olavo: Eu acho que uma das dificuldades no Brasil são exemplos de personagens históricos, de verdadeiros heróis, santos ou gênios criadores que possam servir de modelo à população. Por exemplo, as figuras que eu via nas cédulas quando era criança não me diziam nada, e hoje, que estou com 67 anos, continuam não me dizendo absolutamente nada. O que pode significar o Marechal Deodoro, um monarquista que foi tirado da cama e apenas disse: "Viva a República", mas cinco minutos depois já não queria mais? É um personagem absolutamente insignificante. Não com o objetivo de corrigir isso, mas de preparar um novo panteão de pseudo-heróis, que são os heróis da esquerda -- os Marighellas, os Lamarcas etc. --, foi feito um mandato-tampão, estampando onças, beija-flores, sapos, urubus etc. nas cédulas. Só serviu para isso. Mas eu acho que é um sintoma altamente significativo.

Aqui, quando alguém vê numa nota a figura de Abraham Lincoln ou Andrew Jackson, sabe o que essas pessoas foram, o que significaram e o que representam pelos seus erros e acertos. Aqui todo mundo sabe isso. No Brasil, aquelas figuras são inócuas, e nada de importante se dizia a respeito delas. Não lembro se existiu uma nota com Dom João VI, o fundador do país. Apesar de ter sido o fundador do país, o único filme feito sobre Dom João VI foi um filme de gozação. O país todo já está retratado nisso. O sujeito cometeu o pecado de fundar o Brasil, e o país lhe retribuiu com gozação.

Aluno: A minha preocupação aos 24 anos é buscar um esvaziamento de mim mesmo para que Deus se manifeste. Dito de outra maneira, eu me preocupo em ser o vetor de Deus no mundo, o rio por onde flui a vontade do Senhor. As questões do dia-a-dia são secundárias, o tempo inteiro penso em agregar conhecimento para corroborar a verdade que já sei que se encontra no Senhor. Em última instância, o meu critério de satisfação é saber se o que fiz, disse ou coloquei está de acordo com o que Deus me pede. Passando por esse critério, o resto que se dane. Em linhas gerais é isso. Em qual camada eu poderia estar?

Olavo: Em qualquer uma delas, porque essa preocupação em si pode estar presente ao longo de toda a vida. O que eu disse que caracteriza a camada 12 é que o indivíduo já é um instrumento consciente da ação de Deus, e não apenas que ele quer ser isso. Às vezes nem quer, simplesmente acontece. Então é um profeta, um santo, uma pessoa desse tipo. Existem indivíduos que, por terem sido agraciados com esse carisma, já têm isso desde pequenos, mas esses são casos excepcionais. Ainda assim, o indivíduo vai ter de passar por todas as camadas de desenvolvimento, sem que elas afetem esse núcleo espiritual essencial. Pelo fato de você buscar isso, significa que é uma escolha moral sua, é algo que ainda não está incorporado à sua personalidade, como uma realidade presente. Eu disse que as pessoas que estão na camada 12 realmente conversam com Deus. É diferente. Nós falamos com Deus, mas, quando Ele fala conosco, não ouvimos, não entendemos, só rarissimamente. Mas ter Deus como uma força atuante, que decide a sua conduta imediatamente, é algo que pouquíssimas pessoas têm.

Aluno: Se Hitler, Lenin etc. atingiram camadas mais elevadas da personalidade, então posso concluir que essas camadas não estão necessariamente correlacionadas a maiores virtudes ou sabedoria?

Olavo: Não, de fato não estão. E, se estivessem, seria o absurdo dos absurdos, porque reduziria a moralidade a uma questão de desenvolvimento psicológico. O desenvolvimento psicológico é em si mesmo um fator moralmente neutro, como o desenvolvimento físico. O desenvolvimento moral da pessoa é outra coisa, eu estou falando do desenvolvimento da consciência no sentido de saber o que está acontecendo, não no sentido das escolhas morais.

Aluno: O senhor disse que é muito comum no Brasil as pessoas não passarem da camada 4. É verdade, vemos isso todos os dias, inclusive os governantes. O senhor acha que políticos como Lula e Dilma estão na camada 4? (...)

Olavo: Sem sombra de dúvida. A aprovação da patota é tudo para essas pessoas, eles não são nada fora disso.

Aluno: (...) A que ponto esses líderes contribuem para aumentar o número de pessoas que permanecem nessa camada?

Olavo: Contribui muito. Em primeiro lugar, porque a simples presença deles na vida pública já introduz aquele elemento de duplicidade. O sujeito finge que está fazendo uma coisa, mas está buscando outra completamente diferente. Fica difícil interpretar a conduta dele, pois vai parecer ambígua e incompreensível. E o pior é que muitas pessoas vão achar que isso é alguma profundidade, algum mistério que existe na cabeça deles. E não é. É justamente a sua insuficiência, o fato de que o indivíduo está representando um papel que está muito acima daquilo que ele pode compreender.

Aluno: Um sujeito de 40 anos que está na camada 4 tem como se auto-educar e ultrapassar essa fase?

Olavo: Sim. É só você passar por uma fase de desafios, colocados por você a si mesmo, sem platéia, sem que ninguém saiba, e vencê-los. Eu me lembro quando passei por essa fase, eu devia ter 13-14 anos. Quando eu tinha medo de uma coisa, era exatamente aquilo o que eu ia fazer para perder o medo. Ninguém sabia, não tinha ninguém vendo, mas eu tentava ser a fonte da minha própria segurança. A partir do momento que você é a fonte da própria segurança, vai precisar ainda da aprovação dos outros, vai precisar disso a vida inteira, é normal no ser humano, mas isso não vai ser o fator determinante da sua conduta.

Para sair da camada 4, tem de passar para a 5. E a camada 5 exige esforço e coragem. É basicamente um teste de coragem e de capacidade. É tudo aquilo que você faz perante si mesmo com o objetivo de se tornar a fonte de sua segurança psicológica. Você, nunca os outros e nunca o meio. É muito fácil a pessoa dizer que pensa com a própria cabeça, mas isso simplesmente não é verdade, as pessoas não estão fazendo isso. A motivação delas ainda é o apoio do grupo, serem aceitas numa determinada comunidade, pois elas não têm autonomia. A fase 5 é a fase do risco.

Um bom treinamento militar é bom para isso. Claro, você vai querer ser aceito pelos companheiros de turma, isso é normal, só que não vai decidir o problema. A hora em que for preciso colocar uma mochila de 50 quilos nas costas e andar no meio da lama durante dois dias sem parar, sem dormir, você vai ter de fazer isso, vai ter de vencer por si, o apoio dos outros não vai adiantar. Então, coloque desafios para si mesmo, até o máximo limite da sua capacidade.

Aluno: Eu gostaria de saber tudo o que há para saber sobre o tema do simbolismo natural (aquele assunto sobre o qual o senhor falou com o Gugu no Hangout). Deve levar uns bons anos e dar um trabalhão (...)

Olavo: Na verdade, a bibliografia é pequena. Além do Guénon, há vários livros do Titus Burckhardt que tratam disso de maneira brilhante; também o livro L'Imagination Symbolique, do Gilbert Durand, e o livro da antropóloga Mary Douglas, Símbolos Naturais (Natural Symbols), que aborda isso sob um ângulo completamente diferente. Eu acho que isso é tudo, além daquilo que eu disse neste curso, que você encontrará nas apostilas.

Aluno: Esta semana, eu procurei o senhor no Facebook para lhe perguntar sobre aconselhamento de grupos de estudos. O senhor pediu que o procurasse durante o curso, para que pudéssemos agendar uma audiência.

Olavo: Eu acho isso ótimo porque faz parte da minha rotina normal. Quando as pessoas formam grupos de estudos sobre algum tema, elas marcam uma conversa pelo Skype, e conversamos periodicamente, não com muita freqüência, porque não é possível, mas sempre que dá. Se você tem Skype, acrescente o meu Skype (olavodecarvalho) e me mande uma solicitação para que eu o adicione na lista. Então, pelo próprio Skype, nós marcamos.

Aluno: O senhor já presenciou alguém que, aos 30, 40 anos, superou a camada 4 depois de ter empacado nela? Nessa idade, a maioria das pessoas acha que não precisa mudar mais nada.

Olavo: Sim, já vi. Às vezes, forçado pelas circunstâncias. Muitas pessoas são carentes afetivas, estão sempre buscando a aprovação do grupo, tudo o que fazem é para se mostrar para o grupinho, para ser aceito. As escolas, nesse sentido, sobretudo as faculdades, são elementos altamente corruptores, porque lhe julgam não exatamente pela sua capacidade, mas pela sua semelhança com os demais. Você tem de se tornar semelhante ao professor, ao grupo --- leia o que escrevi sobre isso com bastante detalhes no Digesto Econômico. Isso fixa a pessoa na camada 4. Quando o sujeito vai fazer uma dissertação de mestrado, o objetivo é escrever uma dissertação que agrade à banca, que agrade à platéia, ele não vai fazer algo que está acima da capacidade dela. Eu vi um caso desses. Um amigo meu, o Antônio Donato, fazendo mestrado em educação, escreveu uma dissertação de mil páginas, era uma tese de doutorado, algo absolutamente arrasador, com uma bibliografia imensa, tudo muito bem explicado, de uma erudição extraordinária. Ele acabou aterrorizando a banca, e recebeu nota 10. A banca deve ter dito: "Vamos lhe dar 10 para não termos de ler esse texto, porque não vamos entender nada mesmo". Esse é um caso raro. Ele fez algo pela própria capacidade, e não para se mostrar para ninguém, porque ele sabia que os caras não iam entender coisa nenhuma. Ele estava fazendo o que a sua consciência mandou fazer. Mas isso é um caso raríssimo, em geral, as pessoas cortejam a banca.

Um aluno meu melhorou muito quando, há mais de 10 anos, me escreveu dizendo que havia coisas que ele não poderia dizer na universidade, senão um determinado professor prejudicaria a sua carreira. Eu lhe respondi com três pedras na mão, dizendo que saísse então do meu curso e fosse puxar o saco daquela gente, porque eu não queria aluno desse tipo, e sim estudantes sérios. Se ele precisava parecer bonzinho e aceitar aquele jogo, nunca seria nada. Filósofo ele nunca seria. O rapaz se corrigiu, e isso fez muito bem a ele. Mas há pessoas que ficariam ofendidíssimas se ouvissem isso, me acusariam de autoritário, vaidoso, interpretando tudo na base projetiva de camada 4.

O meu problema de camada 4 eu já resolvi na adolescência. A partir daí, entendi que sou muito mais amado do que mereço, não preciso de mais afetividade, não quero que mais ninguém goste de mim. Eu estou aqui como o Pedro, que uma vez chegou para mim, quando era pequenininho, e disse que daria os brinquedinhos usados para os meninos pobres; eu o incentivei: "Muito bem, meu filho", mas logo ele volta e fala: "Mudei de idéia, não vou dar, não", "Por quê?", "Porque depois eles vão querer ser meus amigos e vão me encher o saco". Eu já estou nessa faz muito tempo. Se a pessoa gosta de mim, ótimo, é sinal de que tem bom gosto. Se não gosta, não me amole. Quer falar mal de mim? Fale nas suas páginas, nos seus blogs, onde quiser. Por que você quer a minha atenção para o que pensa contra mim? Eu não sou obrigado a prestar atenção nisso.

Mas eu já vi pessoas pularem da camada 4 para a 5 forçadas pelas circunstâncias. O sujeito é espremido numa situação em que é inútil querer afetividade ou apoio, ele vai ter de resolver sozinho e se virar. Situações de perigo. Eu estava lendo o livro Ataques de Ursos, no qual um médico que tratou de várias vítimas de ataques de ursos relata existir o fenômeno chamado "coragem impregnada". O indivíduo vê uma pessoa numa situação difícil, e surge nele uma coragem que nunca teve. Por exemplo, se o seu amigo está sendo comido por um urso, você, que antes era capaz de fugir de um cachorrinho, dá uma facada no animal. Isso acontece muitas vezes na vida. Às vezes, o ruim é bom.

Aluno: O sr. Ricardo da Costa envia-lhe um abraço.

Olavo: Mande outro para ele. O sr. Ricardo da Costa é uma pessoa digna do maior respeito, tem feito um belo trabalho na área de história. Outro dia alguém comentou comigo que o Ricardo da Costa lhe ofereceu um mestrado para pesquisar com ele, eu incentivei que aceitasse prontamente, porque conviver com um homem como o Ricardo lhe fará um bem para o resto da vida.

Um aluno pergunta sobre esse caso dos alunos que estão reclamando e falando mal de mim. Eu não quero discutir isso agora, não é assunto para a aula, depois discutimos no Facebook. Eu só digo o seguinte: faz 30 anos que dou aula e faz 30 anos que de vez em quando acontece um auto-expurgo periódico. As pessoas esbravejam, fazem uma barulheira e depois desaparecem. Depois de 10, 20 anos, elas começam a cercar de novo, pedindo um lugarzinho ao sol, não para mim diretamente, mas para alunos ou amigos. [1:30]

Aluno: Tenho uma dúvida sobre pessoas pertencentes à última camada, a 12. Algumas, acredito que até mesmo alguns santos, não possuem oportunidade para influenciar o curso da história no meio político imediato. Como é caracterizada a progressão do patamar nesses casos? (...)

Olavo: Os santos têm influência histórica, que transcende muito a esfera imediata e vai se prolongando pelos séculos. O simples fato de o corpo de muitos desses santos permanecer intacto durante séculos ou milênios depois de sua morte já está mudando tudo. Quem viu isso uma vez não será mais o mesmo. E mesmo que não tenha visto, o corpo está lá, é uma possibilidade permanente. Isso é o que se chama, no mundo exotérico, "ação de presença": está mudando a coisa pelo simples fato de estar ali.

Aluno: (...) O critério para a identificação dessa posição real de santidade normalmente é confundido com a concessão de privilégios e poderes de ordem miraculosa.

Olavo: Esses poderes de ordem miraculosa existem de qualquer maneira se o sujeito é santo. Ele vai agir. Deus não vai fazer um sujeito santo só para ajudá-Lo, a ação dele vai irradiar em torno, mesmo que ninguém saiba. Neste momento, há muitas monjas reclusas que estão orando por nós, e sem as quais estaríamos completamente perdidos, é uma ação de uma força imensa. É que as pessoas evidentemente não se impressionam com o que não lhes acontece, mas eu já vivi o bastante para entender que às vezes aquilo que não acontece é até mais importante do que o que acontece. Hoje, inclusive, alguém comentou que a minha vida é cheia de perigos, de perigos de morte. Sim, é mesmo, mas eu sempre escapei deles, porque há alguma monja rezando por mim, e eu nunca saberei o nome dela. Há uns 20 anos, eu me correspondia com uma monja aqui dos EUA, que se chama Jaqueline Carvalho, mas depois ela teve que parar de escrever, porque viraria reclusa. Não sei nem como é o nome dela no convento. Ela está rezando por mim até hoje.

Aluno: Existe alguma relação entre as Camadas da Personalidade e as chamadas "Moradas", conforme ensinou Santa Teresa D'Ávila?

Olavo: Acredito que não. Eu não fiz um estudo específico sobre isso, mas gostaria de fazer. Acho que a psicologia da santidade não está ao alcance da minha compreensão ainda. Eu posso ter uma compreensão, por assim dizer, livresca da coisa, ou meramente doutrinal. Há quem, quando obtém isso, já ache que sabe tudo, mas eu sei que não é assim. Você só compreende até aquela camada em que está, a seguinte, você vislumbra. Por exemplo, eu vislumbro coisas dos santos, mas eu não sei o que eles estão fazendo, e eu não me considero qualificado para fazer uma psicologia da vida espiritual, de jeito nenhum. Eu posso fazer uma psicologia da vida histórica, da vida cultural etc., até onde eu posso entender, mas daí para cima, não.

É curioso que a consciência da limitação que a camada onde o indivíduo está dá a ele só aparece quando ele está nas camadas mais superiores, a partir da 8. Antes disso, não se tem muito essa visão, e a pessoa ingenuamente acha que pode julgar tudo, mas os seus julgamentos serão todos projetivos. Por exemplo, o pessoal que diz que eu imponho, que não deixo os alunos discordarem, está evidentemente projetando: isso é o que eles sentem interiormente, o que fariam se estivessem no meu lugar. E eles ainda acham que estou precisando disso. Vocês acham que, se eu quisesse parecer bonitinho, altamente respeitável e ser amado por todo mundo, eu não saberia fazer isso? Saberia facilmente, mas não faço justamente porque isso atrai um monte de pessoas que depois só vão me criar problemas. Mesmo eu colocando na porta uns palavrões para espantar os chatos, eles acabam entrando e criando esses problemas. Se eu não fizesse isso, os Nogys e Razzos seriam milhares. Com os políticos é assim. O político parece bonzinho para todo mundo e se cerca de milhões de cobras, que depois acabam com ele. Então eu já faço cara de mau e de louco de propósito, para exorcizar, para deixar claro que eu não quero que gostem de mim. Eu só quero que gostem de mim pessoas leais e sérias. Para mim, essa é amizade para a vida inteira. Mesmo que um amigo faça uma cachorrada comigo, eu não vou lhe negar minha amizade jamais. Se ele voltar e pedir perdão, sempre o terá. Todos sempre tiveram.

Amizade para mim é algo que nunca acaba, é para a vida inteira. É como casamento ou ser pai. Ninguém nunca é pai temporário: sou seu pai até segunda-feira. É para o resto da vida. Mesmo depois de morrer, o sujeito ainda é pai. Casamento, amizade, paternidade, compromisso, essas coisas são para a vida inteira. Eu quero essas pessoas. Vamos supor que o sujeito é um gênio, e daqui a 10 anos ele está sabendo quarenta vezes mais do que eu, por amor, ele vai continuar tirando o chapéu para mim. Como eu tiro o chapéu para o dr. Juan Alfredo Cesar Müller, para o Padre Ladusãns, para o Paulo Mercadante, embora, em alguns setores, eu tenha ficado sabendo muito mais do que eles, mas isso aconteceu porque eu vim depois deles, eles me empurraram. Então tudo o que eles me ensinaram, não apenas intelectualmente, mas pelo exemplo, por aquilo que eram, incorpora-se em mim como um aspecto da minha personalidade, e se eu paro de amar essas pessoas, eu paro de amar a mim mesmo, estaria me voltando contra mim mesmo. Seria o mesmo que amaldiçoar pai e mãe: é cuspir para cima. Não se pode fazer isso. O mandamento "honrar pai e mãe" se aplica a todas as pessoas que exerceram função paterna ou materna para você, que o ajudaram, o protegeram. Não precisa ser pai e mãe biológicos, pode ser até um professor. Se você cuspir neles, está cuspindo em si mesmo, está cuspindo em algo que já se incorporou à sua alma.

Mas tudo isso de que estou falando não são elementos... Uma vez eu escrevi um livretinho com um título altamente presunçoso: Elementos de psicologia espiritual. É um título ridículo, graças a Deus nunca o publiquei. É um livro sobre a teoria das castas, e não sobre psicologia espiritual, isso é uma sociologia apenas. Mas na época me pareceu bonito escrever psicologia espiritual, então o denominei assim. Se eu publicá-lo algum dia, vou mudar o título, evidentemente. Mas a verdadeira psicologia espiritual, como ensina Santa Teresa, é uma coisa que eu consigo mais ou menos vislumbrar. Eu estou aqui como uma criança pequena vendo o amor do pai e da mãe: a criança não entende aquilo. Às vezes, até uma conversa simples. Eu me lembro de que meu pai e meu tio conversavam sobre futebol e eu não entendia nada, aquilo para mim era esotérico. Não que eu não entendesse nada, eu entendia alguma coisa, o suficiente para saber que não estava entendendo nada. Então a psicologia da santidade é a mesma coisa.

Sobre todos os pedidos de listas de livros, eu vou dar um jeito de responder por escrito, no site. Eu preciso selecionar, pensar um pouco, fazer uma listinha, e isso não sai na hora. Às vezes, são obras que eu li há 30 ou 40 anos, e preciso rastreá-las e ver como é que é. Já existe na internet uma lista enorme de livros que recomendei, mas ainda faltam muitos sobre pontos específicos sobre os quais as pessoas perguntam. Prometo que vou encontrar uma forma de resolver isso.

Por hoje é só. Muito obrigado a todos, até semana que vem.

Transcrição: Jussara Reis de Abreu

Revisão: Elisabete Franczak Branco