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Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula 217

24 de agosto de 2013

Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.

Hoje vamos interromper um pouco a análise do texto do Jean Brun e comentar este trabalho que o Ronald Robson publicou no site Ad Hominem com o título "Elementos da filosofia de Olavo de Carvalho". Em primeiro lugar, a coisa que mais salta aos olhos é que nenhum desses elementos foi jamais citado por qualquer uma das pessoas que tenham escrito a respeito na mídia, na internet, etc. Significa que o mundo está repleto de especialistas que emitem julgamentos de conjunto sobre a obra do Olavo de Carvalho, sem conhecer nenhum dos itens que a compõem --- isso é um verdadeiro milagre brasileiro, só pode acontecer no Brasil. Este resumo feito pelo Ronald Robson está muito bom. Não quer dizer que ele tenha todos os itens necessários para se colocar num índice, mas acho que o principal está aqui. Vou ler e comentar alguns pedaços.

I. A obra de Olavo de Carvalho possui uma intuição fundamental: a de que só a consciência individual é capaz de conhecimento1. O que a afirmação possa ter de banal, em aparência, se esvai se notarmos que aí se fala de "consciência individual", não se tratando tão somente de "sujeito", o vocábulo descarnado de uso corrente na metafísica dos últimos séculos. Uma coisa é sujeito enquanto meramente contraposto a objeto em teoria do conhecimento; outra coisa é a modalidade de existência histórica de um ser dotado de consciência, que por definição só pode ser individual. (...)

Hoje em dia se usa a palavra "conhecimento" num sentido genérico e vazio, quando se fala, por exemplo, no progresso do conhecimento humano. Por mais que o conhecimento "progrida", o fato é que cada nova geração de seres humanos que nasce tem de aprender tudo por conta própria; o conhecimento não se transmite por herança biológica. Essa é a coisa mais notória que existe. Realmente é um fato banal, mas em geral não se tira dele as conseqüências necessárias.

A primeira é a seguinte: o que progride não é o conhecimento, mas sim o número de registros de conhecimento, o material acumulado em bibliotecas, arquivos, internet etc., ou seja, o material que está à disposição das pessoas para que se transforme em conhecimento. O conhecimento realmente só se efetiva no instante em que é apropriado por alguém. É a mesmo que o sujeito ter uma multidão de livros, dos quais não leu nenhum: se ele não leu nenhum, não adianta nada ter os livros. Do mesmo modo, os registros não servem para absolutamente nada se ninguém se apropria deles.

O que é este "apropriar-se"? É fazer com que esse material, o conjunto das informações adquiridas, esteja presente e vivo na visão que o indivíduo tem dos próximos passos dele no avanço do conhecimento. Dito de outro modo, podemos definir o conhecimento, neste sentido, como idêntico à consciência: aquilo que não está na consciência e que não pode ser efetivado, não pode ser ativado pela consciência num momento dado, não é conhecimento de maneira alguma. É claro que o círculo da consciência a cada momento só abrange uma zona pequena, o resto está no inconsciente, por assim dizer.

Porém, este inconsciente é ativável a qualquer momento. Ou seja, você é capaz de lembrar-se do que sabe. Nem tudo está diante de você como numa tela, de modo que o conhecimento não se identifica nesse sentido como uma visão, mas como um poder que você tem de reativar conhecimentos já adquiridos e que estão na sua memória, e fazer deles instrumentos para a compreensão de novas situações, fatos, etc. Aqui temos de definir como Maurice Pradine: "A consciência é uma memória preparada para o futuro". Na medida em que, ao enfrentar uma situação nova, ao tentar compreender alguma coisa que você não compreendia antes, você é capaz de ativar determinados conhecimentos depositados na sua memória, este é o seu círculo de conhecimento.

É claro que este círculo pode diferir enormemente de pessoa a pessoa. Se você dá um fato histórico para um sujeito que não ouviu falar nada a respeito e dá o mesmo para um historiador treinado, a um Ranke, um Taine, um Jacob Burckhardt, o número de associações que este faz instantaneamente é muito maior do que a do outro. Isto significa o seguinte: ele tem mais conhecimento. Não podemos identificar totalmente conhecimento e consciência porque geralmente se usa a palavra "consciência" para designar só aquilo que está ativado num determinado momento. E neste sentido, pode-se falar também de "horizonte de consciência", que é um conceito fundamental da minha filosofia. O horizonte de consciência é a capacidade de o indivíduo relacionar um dado com outros dados anteriores e de articulá-los de algum modo. Essa capacidade é imensamente variada de pessoa a pessoa.

Por exemplo, quando você lê um livro, é claro que terá de ler uma palavra atrás da outra, e que o sujeito também teve de escrever uma palavra depois da outra. Porém você percebe que, dentro daquele assunto do qual ele está falando, o sujeito abrange aquilo de uma maneira simultânea; o autor conhece o conteúdo inteiro do seu livro a cada momento em que ele o está escrevendo. É claro que cada nova palavra adicionada ao texto, pelo simples fato de ela ter sido escrita, jamais modifica esse horizonte, mas inclui nele um novo elemento e extrai outros, e assim por diante. O horizonte de consciência é uma coisa móvel, mas nem por ser móvel deixa de ser mensurável. Quando se lê um livro --- Maquiavel ou Marx ---, você pode delimitar até onde o sujeito enxerga e onde ele não está enxergando, de maneira alguma. Não é difícil fazer isto. Então o horizonte de consciência não é aquilo que está na consciência do indivíduo num determinado momento, mas é aquilo que ele tem a capacidade de ativar.

E se nós analisarmos as coisas por esse prisma, veremos que a idéia de progresso do conhecimento é uma idéia autocontraditória. Haveria progresso se cada geração nascesse sabendo mais do que a anterior. Isso de fato não acontece. Cada geração nasce com mais dificuldade de assimilação porque o número de registros aumentou e se complicou formidavelmente, e nem sempre os métodos pedagógicos usados para treiná-la na aquisição desse material melhoraram na mesma proporção, ao contrário: às vezes pioram.

Outra coisa eu você observa é que toda e qualquer descoberta --- toda e qualquer criação, seja em ciência, na filosofia, na arte etc. --- é sempre obra de um indivíduo, e não da coletividade. Não é que a coletividade inteira descobriu e depois aquele indivíduo ficou sabendo, não: ele ficou sabendo antes dos outros. O simples intervalo --- intervalo, delay, como se diz hoje --- entre o que um indivíduo preparado descobre e o instante em que o resto da comunidade fica sabendo disso já é a prova mais óbvia de que o único portador do conhecimento é a consciência individual, então não é uma coisa que deva ser discutida. Mas, na verdade, o preconceito sociológico que se tem de que o conhecimento é patrimônio da sociedade não quer dizer nada, é uma frase absolutamente oca.

Também a idéia do intelectual coletivo: "o processo do conhecimento é um processo coletivo." É claro que é um processo coletivo, mas qual é o sujeito agente? É a coletividade que descobre as coisas e ensina para o indivíduo ou é o indivíduo que descobre e conta para a coletividade? Por exemplo, imagine uma tribo de macacos: tem aqui um que descobriu um lugar onde tem umas bananas que o restante não sabia; primeiro ele vai lá sozinho, cata as bananas e come, só depois os outros acabam descobrindo. Em qualquer comunidade animal acontece assim. O fenômeno do investigador, descobridor, pioneiro, que é um fenômeno constante na história humana; tudo isso nos mostra que de fato o sujeito ativo é o agente individual da coisa, não a sociedade.

Também é importante o que ele observa aqui que, quando eu falo que é o sujeito individual, pelo amor de Deus, não é para entender a palavra "sujeito" no sentido que isso teve na filosofia clássica e entre, digamos, Descartes e o século XX. Como o sentido que tem, por exemplo, em Kant, que é o sujeito enquanto oposto a um objeto. Eu estou me referindo aqui ao sujeito humano inteiro, por assim dizer. O ente ao mesmo tempo biológico, histórico e sociológico que é o criador das suas ações [0:10] e o portador dos seus próprios conhecimentos, pouco importando quais são as relações e quais são os problemas que surgem entre sujeito e objeto.

Por exemplo, quando Kant diz que conhecemos somente os fenômenos ou as aparências que nos são oferecidas e nada sabemos da coisa em si; essa é uma teoria sobre as relações entre sujeito e objeto. Estou fazendo abstração de tudo isso, não é disso que estou falando, não é o sujeito no sentido subjetivo da coisa, estou usando num sentido muito mais amplo. Diz ele:

(...) De um ponto de vista biográfico, a substância atualiza essa sua propriedade em um trauma de emergência da razão2 (...),

No que consiste trauma de emergência da razão? Todos os seres humanos em princípio têm a capacidade racional. O que é a capacidade racional? Na verdade, as pessoas em geral confundem a razão com o simples raciocínio, com a capacidade de coerência do discurso, mas ela é muito mais do que isso. Porque, se você observar todas as manifestações da razão, elas já aparecem na escala da simples percepção, já existe um elemento racional ali embutido;e a maneira mais correta de definir a razão seria o senso da relação entre todo e parte: você é capaz de conceber um todo e é capaz de conceber as suas partes. O simples raciocínio lógico não é nada mais do que um exemplo disto. Quando você fala "coerência do discurso" significa que cada uma das afirmações do discurso é sustentada pelo conjunto, e o conjunto por sua vez se sustenta nesses seus vários elementos distintos.

Nós todos nascemos com essa capacidade, nós a temos. Porém não dispomos dela plenamente a cada momento da nossa existência. Porque, para ela funcionar, ela necessita de um elemento fundamental que é a linguagem. Então, sem a linguagem, sem o signo, sem a possibilidade de você se referir compactamente a fenômenos complexos por meio, digamos, de um signo, a razão empaca. Um bebê que nasceu evidentemente tem a razão, mas ele a tem virtualmente, ele tem em potência; para que ele possa tomar posse dela necessita de uma série de contribuições que receberá de outra de pessoas: da sua mãe, do seu pai, dos professores etc.

Claro que você pode afirmar sobre todas essas pessoas que elas recebem da comunidade. Não, recebem de agentes individuais desta comunidade. A comunidade por si não pode ensinar nada para ninguém se não tem o agente que o faça em nome dela. Por exemplo, como é que você vai aprender a linguagem? O espírito da comunidade vai impregnar magicamente na sua cabeça e ensinar você a falar? Não, alguém tem de falar com você. Quando nos referimos à "comunidade" queremos dizer apenas que todos esses agentes agem de uma maneira parecida. Por exemplo, a comunidade ensina para você a língua portuguesa: isto significa que a pessoa que está ensinando para você a língua portuguesa fala essa língua mais ou menos como os outros também falam. A noção de comunidade nesse caso vem apenas como um conjunto de relações de igualdade e diferença, não constitui um agente efetivo.

Acontece que, se a apropriação dos instrumentos da razão é uma coisa progressiva e problemática, o fato é que as situações da vida, os fatos, exigem de você o uso pleno da razão desde o primeiro momento. Por exemplo, se uma criança que ainda nem fala é afetada por uma determinada doença que é conhecida da medicina ambiente; bom, essa doença não é conhecida dela. Ela não sabe o que fazer, então alguém tem de fazer para ela. Portanto é a razão que está em jogo, mas a razão nesse caso é usada de uma maneira delegada, vicária, é usada por outras pessoas em nome dela. Quem vai ser curado é ela, mas o aparato racional necessário para curá-la está, naquele momento, na mão de outros.

Isso significa que, durante muito tempo, os elementos racionais de que necessitamos para viver, para sobreviver, para adaptar-se ao meio etc., nos chegam através de outras pessoas que são, por assim dizer, os agentes da razão. Então você pode ter elementos antagônicos, digamos, uma doença que você sofra, um acidente que lhe suceda ou qualquer outra dificuldade representa o elemento de desorganização e de caos que está minando a sua vida e que deve ser combatido e dominado por meios racionais, por meio do conhecimento, da ciência, da técnica etc. Mas todos estes elementos racionais não estão na sua posse, você não os domina ainda, são outras pessoas que o fazem. Então essas pessoas funcionam para você como elementos organizadores da sua vida: seu pai organiza a sua vida, o médico organiza a sua vida, o diretor da escola organiza a sua vida, o guarda de trânsito organiza a sua vida. Todos esses são para você símbolos condensados da razão, do fator ordenante.

Dito de outro modo: não é você que está ordenando a sua vida, você recebe a ordenação pronta. E esses vários símbolos da razão, principalmente a figura do pai, funcionam como substitutivos temporários da razão. Isto quer dizer que a nossa apropriação da razão sempre se dá através de símbolos que a representam; e esses símbolos, por sua vez, formam uma constelação de disfarces que dificultam o acesso à razão. Por exemplo, se você está acostumado a obedecer a uma pessoa, esta obediência é evidentemente um elemento ordenador na sua vida. Porém você obedecer a essa pessoa não significa que você está se apropriando da razão, não: você está entrando dentro de um quadro racional que existia fora e que você não precisa sequer compreender. O apego a esses símbolos, que decorre da simples experiência repetida, se torna por sua vez um obstáculo, uma dificuldade no caminho da apropriação da razão pelo próprio sujeito.

Então vocês vêem que o processo de aquisição da razão é um negócio enormemente complexo e traumático. Mais traumático do que qualquer trauma sexual que você possa ter tido na sua vida. Eu acho incrível que esse pessoal da psicanálise nunca tenha parado para pensar nisto, que a aquisição dos instrumentos da razão é uma coisa muito mais problemática e traumática do que os acontecimentos de ordem emocional, sexual, etc. que possam ocorrer na sua vida. Mesmo porque esses acontecimentos só têm um efeito para você porque eles fazem parte da ordenação externa na qual você está se inserindo.

Por exemplo, uma pessoa que tenha sofrido um trauma de infância, como a menina que foi manipulada sexualmente ou o garoto que foi muito surrado, etc. De onde vem esse ataque e de onde vêm essas surras e castigos? Vêm da ordem externa que, para ele, representa o quê? A ordenação racional. Então esses símbolos criam uma série de véus entre o indivíduo e a posse da razão. Quer dizer que a razão chega a ele como uma ordenação externa coletiva, por assim dizer, através dos vários agentes que o representam. Ao longo do tempo ele próprio terá de se apropriar da sua capacidade racional para poder organizar a sua vida, para poder tomar as suas decisões e para poder compreender as situações que atravessa.

Então vamos supor que no desenvolvimento máximo, ideal, o indivíduo teria uma compreensão suficiente da sua situação para tomar as decisões adequadas e para se tornar uma pessoa relativamente independente, capaz de administrar a sua vida, capaz de adquirir conhecimento, capaz de buscar conhecimentos, etc. Porém entre esse momento ideal e o instante em que o sujeito nasceu o processo de aquisição disso é enormemente complicado e, sobretudo, é obstaculizado por esses mesmos símbolos da razão que se interpõem entre ele e o domínio da sua própria razão a cada momento da sua existência, mas sem os quais ele também não poderia adquirir a razão de maneira alguma. (*)

(...) trauma de emergência da razão que consiste no descompasso entre o crescente acúmulo de experiências do indivíduo, no decorrer do tempo, e a sua capacidade mais limitada de coerenciar e dar expressão a essa massa de fatos que, a princípio amorfa, [0:20] pode se ordenar --- à medida que o indivíduo a expressar a si mesmo --- a ponto de nela se tornar discernível uma forma. (...)

Se você pensar bem --- eu já fiz esta pergunta muitas vezes: Quantas pessoas eu conheci que tinham uma noção da forma da sua vida, do trajeto que elas estavam percorrendo? Eu não conheci praticamente ninguém que tivesse isso. Raríssimas pessoas têm uma idéia das forças causais que agiram na sua biografia e com as quais ela se defrontou. Por exemplo, a famosa pergunta: de onde você tirou tal ou qual idéia que você tem? De onde você tirou tal ou qual crença? A maior parte das pessoas não sabe nem por onde as crenças entraram, então significa que elas desconhecem a sua biografia. A biografia dela é uma forma caótica. Aliás, forma caótica é até uma expressão contraditória. Não chega a ser uma forma, é um caos, e deste caos então ela pega certos pedaços isolados e se apega àquilo como se fosse a sua vida e esquece o resto. Nem mesmo essa consciência biográfica as pessoas, em geral, conseguem ter.

(...) A cada estágio traumático corresponde um padrão de autoconsciência, um eixo central de estruturação do indivíduo, ao menos a nível psicológico, que se pode melhor compreender mediante uma teoria das doze camadas da personalidade:3 (...)

As doze camadas são dozes estágios pelos quais todo mundo passa, nem sempre percorrendo todos, e que se distinguem uns dos outros pelo foco principal que estrutura o resto; ou seja, qual é o interesse principal, aquilo que o indivíduo mais presta atenção em determinado momento e que ele usa como chave estrutura da sua existência e dos seus atos.

É fácil perceber que num primeiro momento um bebê recém-nascido, tudo o que ele tem é uma presença corporal. Nem mesmo seus próprios instintos ele conhece direito, ele vai tomar consciência desses instintos à medida que os dias vão se passando e ele sinta determinadas necessidades e possibilidades. A passagem da simples presença corporal do indivíduo ao que poderíamos chamar de "fase instintiva", em que o indivíduo vai tomando posse dos seus instintos e manifestando os seus instintos, já é uma passagem de uma camada para a camada seguinte. Por exemplo, o próprio crescimento físico do bebê nas primeiras semanas; ele vai sentir fome e vai chorar. No tempo em que ele estava na barriga da mãe, não sentia fome nem chorava. Isto já é um passo na apropriação de si mesmo: ele sente suas necessidades e sabe que são dele.

Numa terceira etapa começa a se estabelecer um jogo de signos, onde o chorar já não é uma manifestação instintiva, mas um signo que ele emite para alguém. Ele sabe que ali existe uma mãe e que a mãe vai lhe trazer uma mamadeira, então ele sabe que, chorando, a mãe lhe traz a mamadeira. Ou seja, o choro passou da clave puramente expressiva para a clave apelativa. Isso é uma passagem fundamental na nossa vida, em que não é simplesmente um corpo que se agita e chora porque está sofrendo, não: eu já não estou somente me expressando, eu estou chorando para alguém, para chamar alguém para me socorrer. E no desenvolvimento dos bebês você observa essa passagem muito claramente: quando eles estão simplesmente chorando porque o corpo dói --- algo os incomoda --- e quando eles estão chorando para chamar você. Esta terceira fase de, digamos, aquisição da linguagem é a fase de aquisição dos meios de atuar sobre os outros. E isto é uma coisa que começa na infância e pode se estender até a adolescência. Enquanto o foco principal da vida do indivíduo reside na aquisição desses meios, dizemos que ele está na 3ª camada.

Porém chega um certo momento em que a simples experiência do dia a dia, da aquisição dos meios de ação, já não é suficiente; em que o indivíduo tem, para ele mesmo, um começo de consciência biográfica, em que ele olha a sua vida e tem consciência de ter um passado e um mundo simbólico e afetivo dele. Onde ele se identifica já não somente como agente momentâneo de determinadas ações, mas como personagem, como o dono de um mundo simbólico e afetivo próprio. E, nesse instante, a palavra "eu" começa a significar para ele muito mais coisas, e assim por diante. As doze camadas são doze transferências do foco principal de atenção.

(...) pois, caracterologicamente, o desenvolvimento da psique pode ser apreciado em doze camadas distintas, umas integrativas (...)

Quando o horizonte de consciência do indivíduo se estrutura numa nova forma.

(...), outras divisivas (...)

Quando essa síntese momentânea é destruída, quebrada para abrir o indivíduo para um novo desenvolvimento.

Eu dei várias aulas sobre isso, mostrando que cada uma das escolas psicológicas enfocou a sua atenção especificamente em uma dessas camadas.

(...) A terceira camada, por exemplo, a qual em geral é objeto de escolas como a behaviorista e a Gestalt --- que equivocadamente, como fazem outras escolas, tomam uma camada da psique por sua própria substância4 (...)

O psicólogo ou psiquiatra presta uma atenção específica a fenômenos que são próprios de uma determinada camada e acredita que aquilo é a estrutura da psique inteira. Mas o fato é que a psique inteira só pode ser compreendida de modo inteiro se você observar todas as camadas, todas as etapas de desenvolvimento, senão acontece aquela tentação de explicar fenômenos de uma camada por outra camada. Por exemplo, explicar as descobertas científicas, criações artísticas etc., por elementos da 2ª camada, a camada instintiva --- ou sexual, como faz a psicanálise clássica. É claro que tudo o que acontece numa camada tem analogia com o que acontece em outra, mas analogia não é identidade.

Eu até fiz a listinha das várias escolas psicológicas e das respectivas camadas onde elas fixaram a sua atenção. Mas quando uma escola psicológica faz isso ela está negando o próprio desenvolvimento humano, ela está negando que exista um desenvolvimento humano, ela está dizendo "você está fixado nesta camada aqui, você nunca vai sair dela, você nunca vai ter outras forças motivadoras, outras forças geradoras da sua conduta, senão a desta camada".

Também aí acontece um problema terrível: em que camada está tal ou qual pessoa? Você só pode compreender até aquela camada em que você está. Se você está, por exemplo, na 4ª camada e a identificação do seu mundo simbólico, emocional, pessoal é a coisa mais importante, você vai interpretar a conduta de todos os outros nesses termos, e isso acontece com uma freqüência extraordinária. Por exemplo, pessoas que explicam toda a conduta dos outros por fatores emocionais. Como eu acredito que, numa sociedade como a brasileira, a maior parte das pessoas está na 4ª camada, não passou daí, então evidentemente elas só podem ver motivos emocionais ou de auto-afirmação, ou de medo, de desejo, etc., por trás da conduta de todo mundo.

Mas, por exemplo, quando passamos da 4ª para 5ª camada, o que em geral acontece na adolescência, o indivíduo que já tem um mundo emocional próprio, que já sabe, por assim dizer, o sentido histórico que a palavra "eu" tem quando ele a usa, ele não se contenta com isso; ele quer adquirir um poder, ele quer desenvolver uma capacidade de ação para além disto: ele não quer ser somente o paciente, o sujeito que recebe aquelas emoções e as vivencia. Ele quer se tornar um agente. Então existe uma fase em que o indivíduo se coloca em teste, ele busca desafios para conseguir fazer [0:30] uma coisa que ele não conseguia fazer antes. Por exemplo, as competições esportivas são muito importantes; ou você demonstrar capacidade na escola, mais capacidade do que os outros, ou você mostrar uma liderança. Ou seja, você está tentando descobrir as suas forças que estavam latentes.

A diferença de conduta entre o indivíduo da 5ª camada e da 4ª é monumental, porque o da 4ª é passivo. O sujeito que já passou para a 5ª está numa clave exatamente oposta. A 5ª é uma camada que se abre porque as capacidades que o sujeito tem e não sabe são justamente as que ele está querendo descobrir, então ele se põe em teste para ver até onde vai. Quando chega aí, as motivações desse indivíduo já não podem ser explicadas em termos da 4ª camada, ele não está atendendo a necessidades emocionais já existentes, ele está tentando abrir um território que não existia antes. Existe aí um certo coeficiente de arbitrariedade; significa que são ações que não podem ser explicadas pelo seu passado --- isto é fundamental.

Por que, quando se dá um desafio para uma pessoa, uma aceita aquilo de muito bom grado e muito feliz porque vai poder demonstrar a sua capacidade, e outra recua atemorizada? O cara que recua atemorizado está evidentemente na 4ª camada. Ele vivencia as suas emoções e está, por assim dizer, mergulhado dentro do seu universo de emoções, ao passo que o indivíduo que passou para a 5ª camada não está mais ligando para o que sente, ele quer expandir o seu domínio, ele está entrando para o desconhecido. E, com relação ao desconhecido, ele ainda não tem emoção alguma, ele vai ter depois conforme seu sucesso maior ou menor, seu fracasso, etc.

Essa é uma fase que todo o adolescente mostra, uma fase de auto-afirmação. Sem um certo coeficiente de auto-afirmação, ele não pode descobrir quais são as suas capacidades e quais não são. Então é evidente que este impulso de auto-afirmação não pode ser explicado pelo mundo emocional já existente, ele está abrindo um novo campo. Se uma pessoa que está na 4ª camada vê um da 5ª camada agindo assim ou assado, ele vai explicá-lo em funções de motivos da 4ª camada porque ele não conhece a seguinte.

Quando passa para a 6ª, é quando se conquista autoconfiança e consciência dos meios de ação (...) quando a auto-afirmação já não basta. Porque o indivíduo é colocado em teste agora não perante si mesmo, mas perante um padrão objetivo de medida, por exemplo, quando ele arruma um emprego. A sua capacidade de auto-afirmação já não basta, você vai ser medido por um padrão objetivo de eficiência que é dado pelo seu patrão, ou pela empresa, ou pelo empregador, e não por você mesmo. Então não interessa saber se você é gostosão, interessa apenas saber se você é capaz de fazer exatamente aquilo que estão lhe exigindo e na medida em que estão lhe exigindo. Isto quer dizer que aquele impulso de auto-afirmação e de conquista das próprias forças tem de ser substituído por uma adaptação a uma medida objetiva, a um quadro objetivo de novas exigências, que podem até ser mais modestas do que aquela da fase anterior, mas que exigem do indivíduo uma passagem da clave subjetiva (fase do ego triunfante) para um julgamento que é feito desde fora pelos outros e por um medida objetiva.

Por exemplo, se você é um vendedor, o seu patrão não quer saber se você tem desenvoltura, se você fala bem; ele quer saber quanto você vendeu. Se você for um sujeito tímido e tal, e mesmo assim conseguir vender, funciona bem. Um dos meus primeiros empregos na vida foi de arquivista da seção de vendas de uma indústria metalúrgica. Claro que eram vendas técnicas diferentes da venda popular, mas eu notava com certo espanto que os melhores vendedores, os que vendiam mais, não eram sempre pessoas desenvoltas e que falavam bem, eram pessoas simples, até tímidas, mas que conheciam bem o produto, sabiam explica-lo e sabiam as necessidades do cliente. Vejam que a medida da vitória ou derrota aí era um medida completamente diferente da fase da auto-afirmação.

Se você perguntar assim: Quantas pessoas você conhece que estão na 6ª fase? Quantas pessoas estão muito bem adaptadas às tarefas que estão desempenhando? E quantas a desempenham de maneira estritamente objetiva, não precisando mais da auto-afirmação porque já fizeram a auto-afirmação, já a tiveram e estão seguras de si, já não têm mais dúvida ao seu respeito, então elas podem fazer alguma coisa real? Quantas pessoas você conhece assim? Você vê que na sociedade brasileira elas são raras. Aqui, nos EUA, são abundantes. Quando aparece um cara que não está na 6ª camada, você acha que é um doente mental. Por exemplo, você pede para o sujeito fazer um conserto na sua casa, ele tem de tratar aquilo da maneira mais objetiva e resolver o problema da maneira mais rápida e eficiente. Todo mundo sabe que é assim. E evidentemente a sua auto-imagem não está mais em jogo, ele não está mais interessado em mostrar que sabe, ele está interessado em resolver efetivamente o problema, porque senão você não o paga. Então você vê que essas duas motivações são radicalmente diferentes. Mas, para uma pessoa que está na 5ª camada, para ela, colocar-se em teste e sair vencedora é mais importante do que resolver objetivamente o problema, e assim por diante.

É curioso que, no Brasil, a palavra "cidadania" virou moeda corrente. Mas o que é cidadania? Cidadania é a 7ª camada: o indivíduo sabe onde está na sociedade já não apenas na sua situação imediata --- no emprego, na família, etc. e etc. ---, mas na sociedade com um todo ele sabe onde ele está e o que ele pode e o que não pode. Isto quer dizer que se a pessoa não atravessou essas fases todas, ela não chega na 7ª camada. Ela não vai ser um cidadão nunca, mas pode posar. Por quê? Porque isso é emocionalmente importante para ela ou porque isso faz parte da sua auto-afirmação ou porque ela está ganhando um dinheiro com isso. Você vê que o posto que você ocupa socialmente não corresponde necessariamente à camada em que você está. Você pode chegar à presidência da República sem ter saída da 4ª camada, o que é exatamente o que acontece com o sr. Lula, onde a satisfação emocional dele é tudo.

Quando se fala em trauma de emergência da razão, a travessia das camadas é um elemento fundamental desse trauma porque a toda hora a vida nos coloca problemas que estão não somente acima dos instrumentos racionais que temos para lidar com eles, mas que estão acima das possibilidades da nossa camada. Por exemplo, o indivíduo de 4ª camada que é julgado pelas exigências da 6ª se sente oprimido e humilhado, ele acha que as pessoas estão querendo apenas humilhá-lo e lhe infligir sofrimentos, quando as pessoas apenas querem que ele seja eficiente. Vejam o número de confusões que se estabelece aí!

Você pode dizer que toda a temática, todos os conflitos da literatura universal são conflitos em que a posição real do indivíduo na sociedade, na trama das relações humanas, não corresponde à camada em que ele está. Por exemplo, ele pode até estar numa camada mais avançada, por assim dizer, mas só conviver com pessoas da camada anterior que não vão compreendê-la de maneira alguma. Por exemplo, num meio de pessoas de 4ª camada, o sujeito que está na 6ª e que pensa em eficiência vai ser visto com um sujeito frio e desumano, materialista, quando não se trata disso absolutamente.

Se vocês observarem na sua vida diária a quantidade de conflitos praticamente insolúveis que surgem aí, vocês verão o quanto é difícil e problemático o processo de apropriação da razão pelo indivíduo humano. [0:40] Quando você percebe isso, vê como é ilusória e imbecil aquela idéia, que apareceu no tempo da Revolução Francesa como no próprio Kant, de que a humanidade agora passou para uma fase onde a razão dominará. Como é possível a humanidade passar, se todos os seres humanos, cada um individualmente terá de transpor cada uma dessas fases? Não tem um jeito de girar um botão e dizer que agora todo mundo nasceu na camada 7, são todos cidadãos.

E normalmente a travessia das camadas poderia ser identificada idealmente com a idade, com as várias fases do desenvolvimento do indivíduo, mas isso de fato não acontece. A travessia da camada é uma mudança radical do eixo de interesse, do foco de atenção e do critério de julgamento com que o indivíduo se avalia. Por exemplo, a busca da felicidade e da satisfação; é um elemento de camada 4. Se você olhar, por exemplo, toda essa política gayzista, feminista etc. são tudo exigências de camada 4: eles querem o prazer, eles querem a felicidade. Tentar satisfazer necessidades de camada 4 mediante campanha política, meu Deus! Isso nunca vai dar certo, isso é impossível e, no entanto, as pessoas estão tentando.

(...) A terceira camada, por exemplo, é objeto de escolas como a behaviorista e a Gestalt --- que equivocadamente, como fazem outras escolas, tomam uma camada da psique por sua própria substância (...)

Isso evidentemente colocou o problema da natureza da psique. Quando estava estudando esse negócio das camadas, aparece esse problema: falamos, falamos, falamos de psique e não sabemos o que é. E se você procurar nos clássicos da psicologia, ou eles não dão definição nenhuma ou dão definições totalmente desencontradas, em geral identificando a psique com os elementos de uma das camadas. Aí eu recomendo para vocês uma apostila minha "O que é a psique". Ela está muito mal escrita porque é apenas uma transcrição, mas o essencial está lá.

(...) ---, compreende aquele período de esforço cognitivo concentrado para aquisição de saberes que permitam à pessoa (criança, aqui) se orientar no mundo com algum grau de independência, ao menos física; a quarta camada, divisiva e decisiva ao seu modo, que afinal foi o verdadeiro o objeto de estudo de Freud e Klein, (...)

Perfeitamente, Freud e Klein só estudaram até a 4ª camada. Todos os elementos que estão nas camadas seguintes eles reduzem a isso.

(...) abarca a história pulsional do indivíduo preocupado sobretudo com sua afetividade, com o querer e sentir-se querido; e com a quinta camada, integrativa e de individuação (Jung), (...)

O que é a psicologia inteira de Jung? Uma psicologia de 5ª camada: a formação, por assim dizer, do ego.

(...) já começa a surgir o problema objetivo de quais são os propósitos reais do indivíduo e como alcançá-los --- a questão deixa de ser de afetividade, passa a ser de poder. E assim por diante, a passar por camadas que apenas podem ser alcançadas, mas não necessariamente, como a da síntese individual (oitava), (...)

A 8ª camada é quando um cidadão adulto --- portanto já passou por todas as outras; já conquistou o seu coeficiente de satisfação afetiva necessária, não precisa de muito mais; passou a 5ª fase, então tem aquela autoconfiança necessária para se afirmar no mundo; passou pela 6ª, ou seja, adquiriu alguma habilidade que lhe permite atuar de maneira coletivamente útil na sociedade; passou pela 7ª, portanto é um cidadão, ele sabe como funciona a sociedade onde ele está, quais são os seus direitos ou deveres etc. Em suma, é o que se diria "um homem realizado". É aí que o sujeito entra numa crise. E esta crise é a 8ª camada, onde ele pode perguntar: "qual é o sentido de tudo isso, o que estou fazendo aqui?" Em geral, o pessoal identifica isso com a crise dos 40 anos.

(...) a da personalidade intelectual (nona) ou mesmo a do destino final (décima segunda).

II. A identificação de em que camada se está, o indivíduo só pode fazê-la por meio de um gesto de assentimento aos seus próprios atos e pensamentos. Essa aceitação, se vista antropologicamente, tem seu fundamento no princípio de autoria5: cada indivíduo é responsável pelos seus atos, e essa asserção é universal; não existe registro de nenhuma cultura na qual o ato de um indivíduo devesse ser atribuído a outrem (o que, para além da constatação de fato, demonstra existir a constante antropológica de que um homem é um todo, ele é seus atos, e estes não lhe podem ser alheados). (...)

Se você procurar, por exemplo, os antropólogos da escola relativista dizem que não existem normas morais universais. Isso é uma besteira. As primeiras normais morais universais são o princípio de autoria: quem fez o que você fez foi você, e não um outro. De vez em quando pode-se atribuir a responsabilidade a um outro, por exemplo, no caso de um menor de idade cujos atos são jogados sobre as costas do seu pai. Mas é jogada a responsabilidade e não a autoria. Responsabilidade é quem responde pelo ato, e não quem o cometeu. Tanto que o filho, por cujos atos o pai responde, responde por sua vez, por eles, perante o pai. O sujeito pega o carro, bate no carro do vizinho, mas como ele é menor de idade, quem vai pagar é o pai. Mas o indivíduo vai ter de responder perante o pai, pelo menos vai levar uma bronca ou umas palmadas, alguma coisa assim. Então o princípio de autoria é universal e, na verdade, é o fundamento de todas e quaisquer normas morais. Não existe normal moral sem princípio de autoria. Se ninguém é autor de coisa nenhuma, ninguém responde por nada, então não se pode cobrar nada de ninguém e, portanto não existe código moral, nem jurídico, nem coisa nenhuma.

Tem uma coisa aqui que queria comentar: "A identificação de em que camada se está, o indivíduo só pode fazê-la por meio de um gesto de assentimento aos seus próprios atos e pensamentos". Esse é outro desafio que, na passagem de camada em camada, o indivíduo terá de reconhecer quem ele é e reconhecer o seu limite; e na hora em que ele reconhece o limite, é ali que ele quer passar para um algo mais, ele começa a exigir um algo mais dele mesmo. Mas, nessa passagem, existe toda uma série de elementos que podem confundi-lo, pode impedir que ele reconheça quem ele é naquele momento e reconheça as suas limitações. A própria passagem da 4ª camada para a 5ª, eu acho que é uma das coisas mais terríveis da vida porque, até a 4ª, você está buscando a sua autosatisfação --- você quer ser amado, você quer ser paparicado, você precisa disso, precisa daquilo ---, e a frase principal é: "eu preciso disso, eu preciso daquilo." E de repente você passa para uma outra situação onde você não pode pedir nada a ninguém, onde o único autor da situação será você.

Por exemplo, digamos que você está participando de uma competição. Quando eu era jovem, participei de muitas competições de corrida. E quando você está correndo ali, pedirá ajuda para quem? É claro que tem gente fora que pode até o aplaudir e achar bonito, mas isso não vai lhe dar força para você correr. Você é autor dos seus atos. O indivíduo reconhecer-se autor dos seus atos só é possível a partir da 5ª camada, ou seja, se ele tentou praticar algum ato que dependa exclusivamente dele.

Este problema da aceitação, do assentimento, de saber que você é quem você é --- este é um desafio que vai se colocar muitas vezes para o indivíduo no decorrer da vida e em todas as passagens de uma camada a outra. Entram aí todos os elementos neuróticos, que são elementos de camada 4 para baixo, que podem obstaculizar a passagem. Por exemplo, o reconhecimento de uma limitação sua pode deixa-lo tão, tão infeliz que você o afasta, você o exorciza, e você não quer que ele entre no seu horizonte de consciência. Mas se ele não entra no seu horizonte de consciência, você não passa para a camada seguinte, você fica preso ali. Claro que [0:50] estes obstáculos não vêm só do indivíduo, eles podem ser colocados no indivíduo pelo meio externo.

(...) Mas essa aceitação tem no princípio de autoria apenas seu fundamento, não o seu meio ou método, mesmo porque tal princípio só abarca os atos individuais que são testemunhados socialmente. Para além destes, existem outros de outra ordem e de maior importância --- os atos sem testemunha6 (...).

Isto é um componente fundamental da vida humana. Qual de nós não praticou atos que ninguém viu? Teve pensamentos que não contou a ninguém? Todos nós temos um recinto secreto, e este recinto secreto é de uma importância extraordinária para nós porque é ali que está a nossa verdadeira auto-imagem, não no que os outros dizem de nós ou no que supomos que eles pensam a nosso respeito. Só aquela parte que ninguém sabe e que somente eu sei é que me permite ter uma noção da minha individualidade. Isto quer dizer que o segredo é um componente fundamental da individualidade e é irremovível. É simplesmente impossível você desvendar todos os segredos de uma outra pessoa e é impossível você não saber os seus próprios segredos. O segredo marca o limite exato entre a minha individualidade e a dos outros. E é contando para mim mesmo o meu próprio segredo e reconhecendo-o na sua própria plenitude que eu descubro qual é a forma da minha individualidade a cada momento e posso então passar para a etapa seguinte.

Por exemplo, se o indivíduo, ao passar da camada 5ª para a 6ª --- então ele está saindo da adolescência, arrumou o seu primeiro emprego, e vamos supor que ele se saiu muito bem na 5ª camada, é um indivíduo que conseguiu se auto-afirmar, venceu a timidez ---, num determinado momento ele vai ter de reconhecer que até ali ele só estava buscando a sua auto-satisfação e que agora isto não basta. Então eu provei que eu sou isso, que sou aquilo, que sou forte, que sou corajoso, que sou inteligente, etc., mas agora aqui ninguém está querendo saber se eu sou tudo isso; eles querem que eu faça determinado trabalho. Se o indivíduo não reconhece que a sua motivação até aquele momento era totalmente subjetiva e que agora ele tem de passar para uma clave objetiva, ele não vai passar para a camada 6ª, ele vai continuar sempre aquele adolescente que quer mostrar que é o gostosão, mas que não consegue fazer nada. Ora, o Brasil está repleto de gente assim. É uma população de 4ª camada, onde as pessoas de sucesso estão na 5ª.

(...) Estes são os atos de que o indivíduo só se reconhece autor por uma obrigação interior, não externa; à medida que neles se reconhece, integra a sua personalidade e, assim, fica menos à mercê de quaisquer automatismos de pensamento ou comportamento. Esta outra ordem de objeto de consciência é incorporada ao indivíduo especificamente através do método da confissão:7 (...)

A expressão método da confissão está aqui um pouco adiantada, porque se trata de confissão, primeiro. Transformar a confissão num método é muito mais tarde, quando você vai estudar filosofia. O certo seria dizer "através da confissão". Mais tarde, quando se tratar de desenvolver uma personalidade intelectual, a confissão que, até aí deve ser um hábito --- e é um hábito purificador porque, como dizia o dr. Juan Alfredo Cesar Müller, crescer e não revisar o seu passado e a sua psique é candidatar-se a uma neurose; e a neurose se dá justamente na passagem das camadas ---, então a confissão, que deveria ser um hábito, pode se transformar num método. Significa que esse elemento, que é fundamental para o desenvolvimento e a saúde da sua psique, pode ser incorporado na sua psique como um método, e este método funciona muito bem. Mais tarde vamos falar disso aí.

(...) uma vez que toda expressão social depende de uma expressão individual e interior, e uma vez que esta só se torna possível após uma condensação de significado sob a forma do juízo, este, antes de se tornar proposição --- em sentido lógico --- dotada de compreensibilidade pública, deve ser afirmado pelo indivíduo de si para si mesmo (...)

O que é juízo? Juízo é uma coisa que você pensou, acompanhado de um sim ou de um não. O juízo não é um simples pensamento, é um pensamento acompanhado de crença ou descrença, de aprovação ou de negação. Ou seja, você acredita que aquilo é verdade ou você acredita que aquilo é falso: isto é um juízo. Ora, um mesmo juízo pode ser expresso em muitas proposições diferentes. O que são proposições? São frases. Se você pega, por exemplo, aquela experiência do Heráclito do fluxo eterno, panta rei ("tudo flui"), é a mesma coisa que estar no soneto de Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o ser é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades

Isto é a mesma coisa que o Heráclito disse, mas é completamente diferente. Um mesmo juízo pode ser objeto de muitas proposições. Acontece que o juízo só existe na sua cabeça, só existe de você para você. A proposição é falada ou escrita e pode ser tornar de domínio público.

Isto aqui é outra coisa do método na qual eu insisto muito: as pessoas ficam analisando proposições, mas elas não tentam averiguar qual é o juízo que está por baixo delas. O sujeito disse tal coisa, mas o que ele pensou efetivamente quando disse isso? O juízo contém não somente o sentido externo da proposição, mas também tudo aquilo que na mente do sujeito está associado àquilo. Por exemplo, você pega uma sentença filosófica, é uma proposição, você pode analisar, discutir, etc. Mas o que o filósofo estava realmente pensando? De que ele se lembrava? Que emoções vinham à tona quando ele pensava aquilo? Isto é o juízo.

Este é o método que usei, por exemplo, para estudar o Descartes. Quando ele cria o negócio do gênio mau; na ordem das proposições filosóficas o gênio mau é apenas um elemento lógico de contraste, portanto pode ser entendido como um artifício retórico. Mas, examinando o detalhe dos fatos concretos da vida de René Descartes, você vê que o gênio mau para ele tinha existência efetiva, era um temor efetivo que ele sentia o tempo todo. Assim como Pascal tinha lá o seu temor, que era o temor do infinito, "a solidão desses espaços infinitos me apavora", dizia ele. Bom, esta é uma experiência constante em Pascal e o medo do gênio mau está estruturalmente presente em toda a obra de René Descartes. Então, na ordem das proposições, o gênio mau é apenas um artifício lógico, mas na ordem do juízo efetivo ele é o assunto do qual René Descartes está tratando em toda a sua obra. Toda a obra dele é uma disputa com o gênio mau.

(...) --- o indivíduo deve, em suma, confessar para si aquilo que ele já sabia, mas de que não estava ciente até então. (...)

Ou seja, são coisas que você já pensou, passou por elas, mas que você não as declara para si mesmo, porque se você declara, fecha uma etapa. Na hora em que você diz: "Até aqui pensei isso, é isso que eu sou", na hora em que você diz isso, você já não é mais só aquilo, você já superou, já passou para um outro patamar, por assim dizer.

(...) A esse recenseamento socrático do que se sabe e não se sabe (...)

Isso aqui é outra coisa importante; eu escrevi várias apostilas só sobre esta frase: a distinção entre o que se sabe e o que não se sabe. Aí entra, por exemplo, a questão dos graus de credibilidade. Quando eu digo que sei alguma coisa, sei com certeza absoluta, universalmente obrigatória, universalmente probante; eu sei como uma possibilidade razoável: [1:00] eu não tenho certeza absoluta, mas tudo indica que (...); eu sei como pura verossimilhança: eu acho isso, mas como todo mundo acha comigo, eu também acho que tenho razão nisso; ou sei como mera possibilidade: é uma coisa que me apareceu na cabeça. Se você não é capaz de graduar o seu conhecimento nesses quatro níveis, então você não sabe nada a respeito. Por exemplo, eu digo A=B. Mas A=B, como certeza absoluta? Como probabilidade? Como verossimilhança? Ou como mera possibilidade? "Não sei". Então você não sabe se A=B. Esta confissão implica também a gradação de certeza do que você sabe e do que você não sabe.

Se você pensar bem, todo o esforço de René Descartes não é senão uma modalidade quase que reduzida desse método. Ou seja, você reexaminar as suas crenças do ponto de vista da sua credibilidade. Esta é uma operação que você tem de estar fazendo permanentemente, não uma vez na vida como ele fez. Na verdade, ele diz que foi uma vez na vida, mas certamente não foi, certamente esse estado de dúvida voltou e voltou, voltou e voltou.

(...) A esse recenseamento socrático do que se sabe e não se sabe segue-se o processo de extrusão, pelo qual o indivíduo dá forma lingüística e simbolicamente articulável à própria experiência. (...)

De modo que essa experiência possa ser compartilhada analogicamente por outras pessoas. Quando você se submete a uma psicanálise ou qualquer outra forma de psicoterapia, o que você está fazendo? Resposta: um esforço para verbalizar pensamentos que antes passavam dentro de você sem uma forma verbal definida. Às vezes vinha sob a forma de palavras, ou de imagens, ou de sentimentos ou de reações até musculares, de imagens de sonhos etc., vinha tudo isso misturado. Enquanto você não consegue verbalizar, aquilo não tem uma forma comunicável e, portanto, você domina aquilo, portanto você é escravo daquela corrente de pensamentos. É o processo de verbalização que vai dar para você o domínio daquela coisa e libertá-lo desse fantasma.

Porém esse processo de verbalização é tão, tão, tão complicado que aqueles que conseguem vencê-los são os grandes escritores da humanidade. Eles conseguem expressar emoções que não são somente deles, mas que são vividas por muita gente e que eles dizem de uma maneira que fica nítida para todo mundo. Isto quer dizer que sem uma capacidade nítida bastante avançada, o indivíduo não consegue sequer expor as suas emoções, ele vai lhes dar os nomes errados. Os nomes errados significam as definições erradas, portanto os objetos errados. Ele não vai captar efetivamente aquilo. Note bem que vidas inteiras transcorrem às vezes na base da simples impotência de dizer o que você está sentindo e pensando. Isso pode ser um drama de vida inteira.

Quando você nota, hoje, a terrível imprecisão de linguagem em tudo quanto é lugar, no Brasil, isso é genérico; dificilmente você encontra uma pessoa que diga as coisas como está vendo. As pessoas não conseguem dizê-lo. Quando não conseguem, então elas podem se apegar a um esquema externo qualquer que elas copiam e dizem que é aquilo. Por exemplo, os motivos das suas insatisfações podem ser muito complexos, mas você pode se apegar a um texto e dizer "o que está me incomodando é (...)"; se você leu o livro da Marilena Chauí A Repressão Sexual, pode dizer "o meu problema é este". Porque ela conseguiu dizer o que se passava na cabeça dela, você não consegue dizer o que se passa na sua, então você usa a expressão dela. Ou o seu problema é a opressão capitalista, ou o seu problema é a maldita instituição da família e assim por diante... Na verdade, você não sabe. Todas essas coisas podem ser motivos de insatisfações reais.

Mas quando você observa, por exemplo, aquela assembléia em que estava a dona Marilena Chauí falando mal da classe média, para um público que era todo de classe média, e que falava mal da classe média como se fosse um elemento externo e não um componente da sua própria psique. Bom, aí a incapacidade de expressão chegou ao máximo, entrou já no ponto da auto-hipnose. Uma coisa é criticar uma classe, sabendo que ela é a sua própria classe e que classe não é uma coisa externa; classe é uma coisa que se incorpora nos seus hábitos, nos seus sentimentos, nos seus símbolos, etc., etc. Então tem de dizer: eu sou um classe média, e por isso tenho tais ou quais limitações e tenho de vencê-las de algum modo. Isto é uma coisa. Outra coisa é apontar a classe média na rua, achando que ela está lá, quando ela está em você. É um estado de alienação e, na verdade, é uma fonte de neuroses sem fim.

Esse processo eu chamo mais do que expressão, eu chamo de extrusão. Porque é como você puxar uma estrutura de dentro da outra. Isso aqui eu acho que é o grande desafio na passagem de toda camada para a camada seguinte.

Você vê que este texto aqui está muito bem feito. Este rapaz estudou a coisa profundamente. Agora pergunto eu: todos esses especialistas, essas pessoas sapientíssimas que escreveram coisas ao meu respeito, como Emir Sader, Carlos Nelson Coutinho, Breno Altman, qual deles falou alguma coisa disso aqui? Nada, eles não têm a menor idéia que escrevi isso aqui, que ensinei isso aqui, nada, nada, nada, nada. Então eles vão pegar uma palavrinha aqui, outra palavrinha lá e julgar tudo por isso. É claro que isso é um sintoma de doença mental, muito sério, porque é tudo projetivo. O indivíduo concebeu na cabeça dele a imagem de um inimigo e, quando ele vê uma palavrinha que se parece com que ele imagina que o inimigo diria, ele já cria uma totalidade, uma imagem de totalidade e passa a combater aquilo.

É o que alguém disse no Facebook: "Todos esses seus críticos são autoderrotantes, eles tropeçam na própria língua". Mas é claro, porque estão numa fase expressiva infantil, pueril. Só que essa fase pueril, como ela é geral, como todo mundo está nela, então parece normal para as pessoas que estão dentro disso.

III. O trauma de emergência da razão reproduz na escala privada um problema central de qualquer filosofia da cultura: as mediações entre indivíduo e sociedade; ou, se se quiser dizer de outro modo, entre expressão particular e símbolos disseminados socialmente. (...)

Este é outro problema. Aquilo que você sente, aquilo que se passa dentro da sua alma é um fenômeno individual: só se passa dentro de você, o vizinho está com outro problema completamente diferente. Acontece que os símbolos com os quais você vai expressar isso não foram feitos para você; eles são os mesmos para toda a sociedade, a língua é uma só para todo mundo. E pior: a cota de conhecimento lingüístico que chega até você é mínima e é geralmente é a mesma de que a sua comunidade dispõe. Então você vê que a possibilidade de erro aí, a possibilidade de o indivíduo sentir uma coisa e dizer outra completamente diferente é enorme.

(...) A esse desenvolvimento psicológico do indivíduo corresponde, é evidente, um desenvolvimento epistemológico, que pode ser apreendido não apenas nessa escala, a individual, mas também na escala social. A teoria dos quatro discursos8, assim, tenta descrever em amplitude histórica e pessoal --- uma filosofia da cultura e uma pedagogia, portanto --- a unidade dos quatro tipos de discurso estudados por Aristóteles (o poético, o retórico, o dialético, o analítico), ao mesmo tempo intentando rever a interpretação do corpus lógico deste: (...)

Esse negócio tem vários níveis. O primeiro nível é um estudo sobre a Lógica de Aristóteles. Você pega lá os tratados lógicos de Aristóteles, o Organum, incorpora neles a Poética e Retórica, seguindo o conselho de Avicena e S. Tomás de Aquino, e vê o que dá. O que dá é o que eu expliquei ali no livro, que Aristóteles tem uma concepção integral a respeito do discurso e, portanto, essas várias ciências --- a Poética, a Retórica, a Dialética e a Lógica --- constituem no fundo uma ciência só: uma sustenta a outra, a outra sustenta a uma. Isso é um nível da coisa.

O outro nível é um nível antropológico. Você percebe que historicamente, em todas as sociedades humanas, a primeira forma de discurso que existe é o discurso poético. [1:10] Isso é universal. E quando se chega ao ponto do discurso retórico, do que se trata? O que é o discurso retórico? É um discurso em que o indivíduo, sabendo o que os outros pensam e, portanto, sendo capaz de utilizar a linguagem deles, os tenta induzir no sentido desta ou daquela ação que ele acha a melhor. Quando o discurso retórico se torna dominante você já tem uma civilização urbana altamente complexa, como por exemplo, durante a fase da chamada sofística, o discurso retórico era dominante, ele era a cultura; em seguida, com Sócrates, aparece o discurso dialético, que é a comparação científica dos vários discursos retóricos; e, por fim, com Aristóteles aparece a lógica. Ela aparece com Aristóteles, mas note bem, ela é uma promessa não cumprida porque Aristóteles formula os princípios da ciência da lógica, mas eles só serão desenvolvidos 1.300 anos mais tarde n a Escolástica. É a mesma coisa que dizer que a sociedade ainda não estava madura para incorporar o discurso lógico. Isto significa que os quatro discursos de Aristóteles não são só quatro camadas de persuasão, eles são também fases do desenvolvimento das culturas. Então você tem ali uma tipologia das culturas embutidas na teoria de Aristóteles.

(...) ao mesmo tempo intentando rever a interpretação do corpus lógico deste: o discurso humano, diz a teoria, é uma potência única que se atualiza de quatro formas --- expressando estruturas gerais de possibilidade (poética), estruturas gerais de verossimilhança (retórica), estruturas gerais de probabilidade (dialética) e estruturas gerais de certeza (lógica ou analítica). As mediações entre o indivíduo e o conhecimento, sobretudo o difundido socialmente, podem, então, dar-se através desses quatro níveis --- de um pólo estritamente mais simbólico, o primeiro, até um pólo, por oposição, mais analiticamente discernível. Estão em jogo aí diferentes níveis de credibilidade do discurso humano; mas estão, também, as diferentes formas de reivindicação indevida de credibilidade, o que requer estudo tanto da erística [que é uma falsa retórica]9 quanto das condições epistemológicas do saber científico, ou seja, uma filosofia da ciência.10 Há que se considerar ainda, todavia, as formas próprias que o discurso adquire, umas sendo mais adequadas ou menos a discursos neste ou naquele nível --- e então há de se atentar aos fundamentos metafísicos dos gêneros literários11 (...),

O Robson pegou exatamente o elo de necessidade que foi me levando de uma questão a outra. Para você resolver esta questão (...), você tenta resolver, mas aparece outra no caminho. É o negócio de Descartes: você tem um problema grande, você tem de subdividir em problemas pequenos. Antes de resolver aquele problema, tem de resolve este. Foi exatamente assim que as coisas se passaram. Com a ressalva de que, às vezes, alguns desses problemas intermediários me apareceram antes dos problemas gerais que dependem deles para a sua solução --- isso às vezes acontece. Você pega um problema solto, isolado, que lhe chamou atenção, e mais tarde você percebe que dele dependia a solução de um problema que se colocou depois.

(...) cuja teoria, grosso modo, ao levar em conta a modalidade de existência espaço-temporal da linguagem e do ser humano que se serve dela, aplica ao discurso distinções espaciais, temporais e numéricas (de número em acepção antiga: discreto ou contínuo), delas extraindo os princípios da "narração" (tempo), "exposição" (espaço) e da "prosa" e do "verso" (número). (...)

Além de ter a distinção entre os vários tipos de discursos conforme o seu grau de credibilidade --- poético, retórico, analítico --- ainda tem o seguinte problema: na hora em que você vai completar a extrusão --- você vai expressar isso verbalmente --- você só pode expressar de acordo com os gêneros literários existentes. Dos gêneros ninguém escapa, e eles têm as suas limitações próprias. Por exemplo, se você quer reproduzir a sua experiência interior de modo que ela possa mais facilmente ser imitada analogicamente por outra pessoa, então é evidente que você vai usar o discurso poético: você vai colocar ali todas as sensações, percepções, etc. Só que, quando você faz isso, você abdica do nível de generalidade; você está falando de uma experiência específica --- esta experiência, é claro, pode se repetir em muitos lugares. Mas o gênero poético somente expõe uma experiência, ele nada afirma universalmente, então você não pode tirar conclusão nenhuma dele. Então tudo tem sua limitação. Se você diz "não quero fazer isso, quero provar e demonstrar o que estou dizendo", então você vai ter de usar um discurso dialético no qual a reprodução da sua experiência será menos concreta e bem mais genérica, distante e alusiva. Você não tem como escapar disso.

IV. Se o discurso é o meio eminente pelo qual o indivíduo se apossa do saber, a finalidade deste, enquanto ser dotado de consciência, não é se limitar ao mero domínio discursivo do saber. É chegar ao próprio saber, o que é ademais verificar suas próprias condições de existência. É, numa palavra, chegar à base metafísica primeira, à investigação daquela faixa da realidade que Platão visava em sua "segunda navegação", para além das "idéias" e rumo ao mundo dos princípios12 que as regem, (...)

Ou seja, em última análise tudo isso vai desembocar na questão metafísica fundamental: o que é o ser, qual é o fundamento da realidade, o que é o essencial e o que é o acessório em tudo isso. Sempre vamos ter de fazer essa pergunta de algum modo.

(...) Tudo o que existe é na medida em que tem possibilidade de sê-lo, de modo que as atualizações das notas de cada ente têm seu esteio em uma estrutura de possibilidades preexistente (...)

Estrutura da possibilidade é uma noção fundamental. Ela corresponde então àquilo que em religião se chama "onipotência". Este é um conceito que vou pegar eminentemente de Leibniz, embora tenha gente que seja burra o suficiente para acreditar que esse é um conceito inventado e exposto pela primeira vez por René Guénon, quando tal idéia foi exposta no século XVIII, por Leibniz.

Existem duas maneiras de conceber a possibilidade. A primeira é como um pensamento que você teve: você acha que certas coisas são possíveis ou não. Mas existe a possibilidade num sentido objetivo, que é determinada pelas limitações próprias dos vários objetos e pela coexistência desses objetos, criando a situação que Leibniz chamava dos compossíveis: há coisas que são possíveis e que não são possíveis ao mesmo tempo ou no mesmo lugar. A estrutura da possibilidade evidentemente se estreita à medida que os objetos vão se especificando e vão se individualizando.

(...) --- por exemplo, a própria possibilidade ontológica (da qual a lógica é só expressão discursiva) de que algo seja a atualização de uma potência. (...)

Ou seja, aquilo que acontece, acontece porque já era possível antes de acontecer. E dentro da articulação dos compossíveis se formou uma situação na qual a emergência daquela potência, a sua transformação em ato, foi possível.

(...) A possibilidade da possibilidade conduz a inteligência à investigação do que de mais substantivo e duradouro possa ter um ente. (...)

Vocês vêem que tudo isso partiu de uma investigação psicológica e vai terminar numa metafísica, não porque eu queira, não porque eu disse que queria fazer uma metafísica. Não, você acaba esbarrando na questão metafísica queira ou não.

(...) Mas, nesse caso, a palavra investigação não é a mais apropriada. Trata-se mais, via confissão, da aceitação desse corpo de possibilidades em tudo embutido; trata-se de um conhecimento por presença13 (...),

Isto é fundamental: abrir-se à presença dos objetos e esperar que eles digam o que são, que eles, por assim dizer, se imponham. E quando eu falo "objeto", você mesmo é um desses objetos. Por exemplo, essa prática da confissão onde você declara para si mesmo --- não precisa ser em voz alta, [1:20] pode ser como um mero juízo e não uma proposição --- o que você realmente está sentindo, o que você realmente está querendo. Isto torna você presente a você mesmo, e faz com que as suas palavras já não reflitam apenas a máquina de falar que existe dentro da sua cabeça, mas uma presença humana real. É isso que chamo de falar com o coração nas mãos.

Se a pessoa não tem esse exame, então ela fica dividida em duas: por um lado, ela tem um porão que tem cobras e lagartos, pensamentos, imagens, as emoções mais esquisitas, tudo embolado, e em cima tem uma máquina de falar; e um não tem nada a ver com o outro. É claro que são palavras sem substância. Mas as palavras sem substância, à medida que são repetidas socialmente, criam aquilo que o Eric Voegelin chamava --- o próprio Robert Musil inventou --- a segunda realidade. Ou seja, não corresponde à realidade dos sujeitos concretos, mas corresponde à realidade das suas relações entre si. Então todos estão evidentemente mentindo juntos, e esta mentira adquire um certo poder, ela adquire uma presença, por sua vez.

(...) de treinar a consciência para que, ao invés de falar à realidade, deixar que esta lhe fale: (...)

Com esse pequeno exercício na sua conduta, você verá: O que estou realmente querendo aqui? Qual é a minha motivação? Qual é o meu desejo no fim das contas? No instante em que confessa isso para você, você está presente, não é a máquina de falar que está falando na ausência do sujeito. É claro que as palavras ditas com esses fundamentos têm por sua vez uma presença, elas têm um impacto. E daí nasceu aquela minha conclusão que coloquei no Facebook outro dia de que só duas coisas atingem profundamente a alma do público: a força do coração sincero e o magnetismo do psicopata.

O psicopata é o sujeito que não tem as emoções fundamentais do ser humano, sobretudo as emoções de ordem moral. Ele não tem consciência moral --- tem consciência cognitiva, evidentemente --- e não tem o sentimento de culpa, simplesmente não tem, ele não se sente culpado por nada do que ele faz. Mas ele sabe como funciona culpa, ele sabe como funciona a culpa na sua cabeça, então ele sabe deixar você culpado, ele sabe instilar no outro uma emoção que ele não tem. É claro que a presença de um psicopata tem um impacto tremendo na cabeça dos outros. Em primeiro lugar porque ele cria medo, ele dá a impressão de que sabe o que você está querendo. Por quê? Porque ele olha você com um objeto a ser manipulado e você se sente instantaneamente reduzido a essa condição. E, para perceber o jogo e pular fora, você precisará ser muito mais inteligente do que ele, o que não acontece na maior parte dos casos porque em geral os psicopatas são muito inteligentes.

Os psicopatas não são tantos, eles são poucos e se destacam pela força psicológica que têm sobre os outros. Na medida em que se colocam sob a influência, o domínio dessas pessoas, os outros adquirem uma sintomatologia histérica. O que é histeria? Histeria é não expressar o que você vê, mas você vê aquilo que você disse. Você vive na segunda realidade, realidade verbal ou de puros signos, que coincide evidentemente com a linguagem dos outros, então cria uma impressão de presença reiterada pela repetição e pela uniformidade, pela comunidade dos discursos. Nos casos extremos, o histérico se torna realmente incapaz de perceber o que está sentindo, vendo etc., ele só vê aquilo que coincide com o discurso habitual dele e coincide com o discurso da sua comunidade. Como presença humana, essa pessoa não existe mais, ela virou um papagaio.

Porém acontece que o histérico é uma pessoa normal, ele não é um psicopata, ele tem sentimento de culpa. Mas, para poder agir e viver no nível de discurso em que ele se colocou, ele precisa extinguir a força esse sentimento de culpa. Ele nunca consegue. A culpa está sempre lá. Então daí você tem uma série de ações rituais, por assim dizer, destinadas a aplacar o sentimento de culpa. Uma delas é, por exemplo, a exibição compulsiva daquilo que lhe causa culpa. A marcha das vadias não é nada mais do que isso: as pessoas vão lá e fazem em público justamente aquilo que por dentro as fazem sentir culpadas, como que para exorcizar a culpa na base do "sou, mas quem não é?".

Movimento gayzista, todo ele é isso, não é nada mais do que isso. A expressão "orgulho gay": você pode falar qualquer coisa a respeito da conduta homossexual, mas como ela poderia ser motivo de orgulho? Nenhuma conduta homossexual é motivo de orgulho, é um fato biológico puro e simples. O que pode haver em princípio de tão valoroso no fato de transar com alguém? Seria como o orgulho da defecação ou o orgulho de comer. Quer dizer, a palavra orgulho não se aplica, ela está completamente deslocada ali. O que é isso aí? É um ritual histérico para eliminar a culpa e fazer você sentir por momentos que tem o mesmo poder que o psicopata, mas você não tem. O histérico é sempre um discípulo, é sempre um seguidor. Ele nunca é o chefe, o chefe é sempre um psicopata.

(...) treinar a consciência para que, ao invés de falar à realidade, deixar que esta lhe fale: como o conceito de um ente já está potencialmente em sua substância, como toda a mineralogia já está nos minerais, o indivíduo deve se esforçar para perceber que o problema da verdade está submetido ao problema da presença substantiva da realidade. (...)

Isto aqui é a coisa mais básica. Se você pegar todo o conhecimento que os seres humanos têm de mineralogia; formam muitas e muitas bibliotecas, porém, nos próprios minerais há muito mais conhecimento do que isso. Onde está dada a estrutura de um pedra qualquer? Ela está num livro que a descreve ou está nela? Isto quer dizer que o próprio universo é um depósito de conhecimento que não acaba mais; e é justamente desta presença que você puxa, pela sua capacidade abstrativa, as estruturas fundamentais e as expressa. Porém o que acontece? Na hora em que você as expressou --- você descreveu, registrou em livros, arquivos, etc. e etc. --- isso tudo constitui o quê? Uma segunda camada de objetos. Então a mineralogia constitui-se do quê? Da quantidade dos minerais presentes mais os livros de mineralogia, os filmes pedagógicos de mineralogia, os professores de mineralogia e as escolas de mineralogia. Você tem toda essa camada superposta pelo ser humano aos objetos, com o propósito inicial de expressá-los.

Porém como essa segunda camada tem uma existência social e também física, ela pode encobrir o objeto originário; e é aí que acontecem os grandes erros científicos, onde o conhecimento que foi extraído das coisas e registrado em livros etc. ocupa um espaço e não deixa você voltar ao objeto originário de onde foi tirado tudo aquilo, onde parece que só é possível observar esses objetos através da rede verbal que já foi construída em cima deles. E é isso o que acontece quando crenças da comunidade científica começam a bloquear a investigação científica --- isso acontece a três por quatro. Até recomendo para vocês o livro do [1:30] Rupert Sheldrake, Science set free (A Ciência Libertada), onde ele mostra uma série de convicções que foram se sedimentando nesta segunda realidade da ciência e que impedem agora a ciência de entender certas coisas. Então aquilo que você acredita que já sabe se torna obstáculo para que você saiba alguma coisa a mais.

(...) o problema da verdade está submetido ao problema da presença substantiva da realidade. (...)

Essa presença substantiva da realidade é, primeiro, a sua própria presença --- no sentido que eu disse de confessar, declarar, aceitar para você mesmo que você é quem você é, e não outra pessoa. Note bem que essa operação pode ser tremendamente obstaculizada por elementos culturais absorvidos. Por exemplo, você andou estudando psicanálise, então vai olhar a si mesmo sob o ângulo da psicanálise. Então isso cria uma segunda camada: tem aqui a sua personalidade e tem ali a sua personalidade em versão freudiana, que você aprendeu nos livros ou com o seu psicoterapeuta, e esta vai encobrir a primeira. E tudo aquilo que não combine com o esquema freudiano você não vê. Todas essas interpretações são um problema porque elas deveriam ser posteriores à confissão. Por quê? Primeiro você precisa ter o fato para depois ter a interpretação. Mas se você já tem a interpretação e ela exclui os fatos, acabou. É por isso que a confissão, a pura narrativa ou a exposição de você para você mesmo, deve ser feita da maneira a mais singela possível.

Uma vez uma aluna chegou para mim, falando de um outro aluno: "Aquele cara é um falso, porque ele se faz de amigo da gente, mas ele só quer nos comer". Daí eu perguntei: "Você queria que ele comesse as inimigas?" Sem ser amigo primeiro, não vai dar... Ou seja, para chegar aonde ele quer, vai ter de ter uma amizade, e não implica que essa amizade seja falsa. O fato é que ela estava com medo do sujeito, só que em vez de expressar o seu sentimento ela expressou indiretamente através de uma característica que ela atribuía ao terceiro. O negócio era totalmente projetivo. Isto fazemos freqüentemente: em vez de expressarmos diretamente os nossos sentimentos --- o que estou sentido é isso, isso e isso ---, julgamos um terceiro pelo reflexo que ele causa em nós. Aí você já melou a coisa toda, vai criar uma confusão dos diabos.

Se você pensar assim: tomemos toda a cultura brasileira que hoje existe nas universidades, nos jornais, nos livros, etc., não tem ninguém ensinando essas coisas que são básicas para a vida humana; a vida de todos os dias. Ou seja, os requisitos fundamentais para a saúde e a integridade da consciência humana são sonegados.

Também a primeira forma da presença é a sua presença, mas existe a presença do mundo. No começo do curso eu dei um exercício para vocês: vão até um lugar onde não haja iluminação elétrica, numa noite cheia de estrelas, deitem no chão, olhem para o céu e tentem sentir, primeiro, a presença do solo embaixo de vocês, e saber que embaixo desse solo tem mais solo, e mais, e mais, e mais, até formar o planeta inteiro. Aí você entendeu o que quer dizer estar no planeta Terra. Em seguida você olha tudo aquilo que está em cima de você, que o seu olhar avança até um certo ponto e depois esbarra num desconhecido, no invisível, e ver que você está dentro disso, fisicamente falando. Em seguida, você faz o exercício contrário: Você vê que você está consciente disso tudo, daí pergunta: "Essas coisas estão conscientes de mim? Elas estão me pensando ao mesmo tempo em que penso nelas?" Não.

Então aí você tem uma visão de uma espécie de dois infinitos: um infinito espacial externo e o infinito espiritual interno. E vivemos nessa tensão. E essa é experiência da presença: é presença do universo, é presença da sua própria experiência ao mesmo tempo. E esta a tensão na qual você vai sempre viver e é a tensão que define o nosso modo de presença neste mundo.

V. Eventualmente é necessário, para romper o véu das limitações cognitivas de uma determinada civilização e retornar a essa aceitação da presença, proceder à crítica cultural,14 (...)

O que é a crítica cultural? É examinar todos esses elementos simbólicos, lingüísticos, morais, valorativos, etc., que lhe foram oferecidos como interpretações da realidade e ver se, de fato, eles estão ajudando ou atrapalhando.

(...) que poderia ser definida provisoriamente como o ato pelo qual uma consciência individual investe contra as estruturas simbólicas ou políticas que lhe embotam a sensibilidade. (...)

Ou seja, não é você investir contra essas coisas munido de valores que se opõem a elas, porque esses valores também são recebidos culturalmente. É você simplesmente confrontá-los com a busca da sua autoconsciência. Tal ou qual crença que foi embutida na minha cabeça anteriormente está me ajudando a me ver e a me expressar exatamente como eu sou? Ou o contrário; está me substituindo por uma outra pessoa?

(...) Tais estruturas podem, por um lado, ser tão só simbólicas e discursivas --- nas artes, nas ciências e na comunicação pública ---, ou, por outro, podem mesmo chegar ao cerceamento físico da liberdade de consciência. Aqui, o objeto de crítica cultural mais extensa é a metamorfose da idéia de império ao longo da história do ocidente (...)

É exatamente assim que eu cheguei lá. São interpretações e crenças longamente sedimentadas e que refletem uma rede de relações entre pessoas; rede de relações que não está necessariamente fundada na realidade dessas pessoas, mas na realidade de papéis sociais que elas desempenham. Claro, os papéis sociais fazem parte da nossa individualidade, mas não são tudo. Por exemplo, o repertório dos seus papéis sociais: quantos papéis sociais você desempenha, e perante quem? Você, ao mesmo tempo, tem uma profissão, uma família, um círculo de amigos; você pode ter relações clandestinas com certas pessoas, um prostíbulo aonde você vai, etc. Em cada um desses lugares você desempenha um papel social diferente. A soma deles não resume você. Existe sempre um algo a mais até chegar ao nível daquilo que chamo o eu substancial.

Quando você consegue articular todos esses papéis com o eu substancial, aí pela primeira vez você sabe quem você é. Porém neste exame você pode esbarrar em formações simbólicas e ideológicas que estão aí há séculos e que não estão só externas, elas passaram para você através da educação, do que você leu, da influência de outras pessoas, etc. [1:40] Então você tem de pegar cada um desses elementos e pesá-los: "isso aí está me ajudando a me conhecer ou está entupindo a visão que tenho de mim mesmo?"

Vamos fazer uma pausa, daqui a pouco retornamos.

Aluno: Que precisão e clareza o texto do Ronald Robson, trabalho brilhante! Culpa do Olavo de Carvalho, são os seus frutos. Parabéns aos dois. Uma pergunta: o pensamento lógico seria mais evoluído que os outros três? De que maneira poderíamos falar acertadamente de evolução do pensamento ou das formas de pensar, raciocinar?

Olavo: Que há uma evolução no sentido da diferenciação, sem a menor sombra de dúvida. O Eric Voegelin demonstra isso nos trabalhos dele. Tanto que, quando eu enviei para o pessoal do Voegelin View, meu negócio da Teoria dos Quatro Discursos, eles disseram que aquilo que era uma espécie de pilar de sustentação do pensamento do Voegelin, ou seja, que eu estava ajudando a dar mais solidez a uma coisa que o Voegelin simplesmente aludia por alto, sem ter examinado com mais cuidado.

Sem dúvida há uma evolução no sentido da diferenciação. Quer dizer que os símbolos que aparecem de maneira compactada --- isto é, com várias camadas de significados embutidas umas nas outras ---, com o tempo vão se desdobrando na forma do discurso dialético e depois analítico. Mas acontece que à medida que você vai passando de discurso em discurso há um estreitamento; quer dizer que a abrangência da experiência que está ali contida é cada vez menor. Você pode fazer o discurso poético sobre uma infinidade de coisas, mas o discurso retórico sobre menos coisas, o dialético sobre menos e o discurso analítico sobre menos ainda. Ademais, existe outra coisa: o discurso analítico por sua vez se incorpora na cultura sob a forma de ciência e também se incorpora em seguida ao imaginário, tornando-se por sua vez objeto de discurso poético. De maneira que a coisa funciona mais ou menos num círculo. Então há evolução num certo sentido e não há em outro sentido.

Aluno: Gostaria que o senhor comentasse um pouco como indivíduos de diferentes aptidões ou mesmo de diferentes castas podem se realizar plenamente enquanto personalidades, percorrendo todas as camadas descritas na aula de hoje.

Olavo: Eu acredito que existe o fenômeno das castas --- as castas consideradas não como classes sociais, mas como tipos humanos sociologicamente presentes em todo lugar. E não acredito que uma realização humana completa seja possível igualmente para todas as castas. Isso é até autocontraditório porque a casta se define também pelo objetivo predominante, mas um objetivo constante de vida inteira. Se você vai propor a um shudra uma realização espiritual, ele nem sabe o que é isso e não é isso que ele quer. O que ele quer está na esfera de buscar o prazer e evitar a dor, isso é o máximo que ele vai tentar conseguir. Não se trata de como assegurar uma realização completa a cada uma das pessoas, mas como assegurar que elas obtenham aquilo que elas querem. Você dar a mais é forçar o sujeito a ser o que ele não é. Claro que as pessoas podem citar o caso da Índia onde existem santos shudras e até santos párias, mas acontece que aí há uma duplicidade de sentidos, ou seja, na Índia, você está falando das castas como classes sociais. Então não é impossível que, dentro de uma casta considerada como classe social, nasça um indivíduo da outra casta no sentido psicológico da coisa. Se você vê na sociedade hindu tradicional uma tentativa de fazer as castas no sentido psicológico coincidirem com as castas como classes sociais; evidentemente isso é impossível. A todo o momento surgirão indivíduos que "estão na casta errada". Não é que ele está na casta errada, é que as castas não são classes sociais, e a plena coincidência não é possível.

Se você observa como se equacionava isso na sociedade européia medieval, você vê que havia um arranjo muito mais flexível onde o indivíduo de classe baixa poderia ser um indivíduo de primeira casta, ser um brâmane, por assim dizer, e realizar-se entrando no sacerdócio. Isso era perfeitamente possível, você tinha uma série de compensações. Indivíduos que nascessem camponeses ou burgueses, mas que demonstrassem uma aptidão militar, eram absorvidos na aristocracia. Você tem uma série de mecanismos de mobilidade que são necessários pelo fato de que as castas não podem coincidir com as classes, é uma coisa absolutamente utópica. Mas a existência das castas é uma coisa que se observa quase que diariamente, com a condição de que você entenda as castas como tipos psicológicos definidos pelo seu objetivo de vida constante, não por objetivos que podem mudar como esses que definem as camadas. As camadas são conceito diferente.

No começo do meu curso, no Rio de Janeiro, eu costumava dar aos alunos vários diagramas, por exemplo, o diagrama das camadas, o diagrama das castas, o diagrama dos gêneros literários, o diagrama dos modos literários segundo Aristóteles, etc. Eu ainda farei a mesma coisa aqui. Tenho uma coleção de 28 diagramas que são essenciais para a compreensão dessa coisa que estou tentando ensinar para vocês. Eu não sei por que não fiz isso ainda, mas já deveria ter passado para vocês.

Aluno: Recentemente decidi sair do Brasil e, desde então, tenho traçado certas metas para seguir e conseguir realizar o meu objetivo num prazo de quatro anos. Por esse motivo estou procurando conversar com muitas pessoas que já moraram fora do Brasil e também relembrar conversas que já tive com pessoas na mesma situação. Os relatos possuem peculiaridades, diferenças de país para país, entre outras coisas. Mas foi inevitável notar que existe uma constante nessas conversas que tive; em todos os casos, sem exceção, as pessoas reclamam e até voltam para o Brasil por este motivo: de que os americanos, os italianos, os espanhóis, os canadenses são muito frios, sistemáticos, grosseiros. Por fim, sentem falta do acolhimento do brasileiro, do calor humano que elas acreditam encontrar aqui.

Olavo: Isso é a maior mentira que pode existir. Isso aí é desculpa. Eu nunca, nunca, na minha vida encontrei uma recepção tão afetuosa quanto obtive aqui, isso é uma coisa absolutamente notável. E também uma espécie de benevolência: as pessoas não desconfiam de você, não o olham com desconfiança. Agora, é o seguinte: o fato é que estou no interior dos EUA. Se você for para Nova Iorque, você não vai encontrar nada disso; lá é outro mundo, existem muitas diferenças. Na Europa a coisa já não é realmente tão fácil. Veja o tamanho da França e veja que os franceses já estão por aqui de estrangeiros, eles não aguentam mais. Você chega lá, na hora em que você fala eles ouvem a sua pronúncia errada; pronto, eles já querem lhe ver pelas costas. Isso é natural. Não é que tenham uma prevenção, é realmente um problema objetivo. Aqui às vezes você também sente isso. Uma vez estávamos viajando para o Alabama, paramos num posto de gasolina, um negão nos ouviu falar e daí começou a fazer um discurso: "Esses malditos estrangeiros vêm para cá tomar os nossos empregos". Eu não estou tomando o emprego de ninguém, eu trabalho para uma empresa brasileira, mas ele não sabia.

Essa história do calor humano brasileiro é apenas a facilidade de convivência em que o sujeito lhe conheceu cinco minutos depois ele parece íntimo de você. No dia seguinte ele o esqueceu. Isso quando você não tem aquela intimidade astuciosa em que o sujeito, por ser seu amigo, acha que tem direito de comer a sua mulher e, sobretudo, de falar mal de você. Ele pode falar horrores de você porque afinal de contas ele é seu amigo. Eu não acredito realmente nesse calor humano brasileiro, embora às vezes ele apareça. Como tudo o que existe, nada é unívoco, tudo se mistura. Mas eu garanto para vocês que meus filhos nunca tiveram, no Brasil, amigos bons como eles têm aqui. Amigos que estão sempre dispostos a tudo o que você pedir para eles, eles não negam nada, nada, nada, nada, nada. Se você disser "quebrou minha privada, você pode ir lá consertar?", o cara imediatamente vai e conserta para você. É uma solicitude incrível e uma simplicidade. Mas, se você for ao interior da Alemanha ou da Hungria, você vai encontrar a mesma coisa.

Por exemplo, eu me lembro que meu irmão morou aqui muito tempo e [1:50] voltou contando uma coisa estranhíssima. Ele disse: "Lá nos EUA, se você dá uma cantada numa garota na rua, ela não entende o que você está falando. Mas se você falar a mesma coisa num bar, ela entende perfeitamente". Quer dizer que você já tem o lugar apropriado. Então não é que elas são frias, é que você estava falando no lugar errado; você que não sabia qual era a convenção. Outra coisa que ele me contou, que me espantou muito, foi da Alemanha. Ele disse: "Os alemães acreditam em tudo o que você fala. Eu contava que no Brasil tem macacos nos edifícios, jacarés no meio da rua, eles acreditavam em tudo" --- isso no interior da Alemanha. É um povo que não tem aquela desconfiança instintiva do Brasil. Você chega num lugar onde praticamente não tem crime, ninguém mata ninguém, ninguém assalta ninguém há décadas, para que as pessoas vão desconfiar?

Por exemplo, aqui, quando eu cheguei, na vilazinha interior encostada a Richmond, o último crime de morte tinha acontecido há cinco anos. Um delinquente juvenil, que o policial prendera e estava levando preso, puxou o revólver da cinta do policial e lhe passou um tiro. O crime era célebre; fazia cinco anos. Ou então quando estávamos na Romênia. Lá crime é o seguinte: o sujeito roubou o seu cartão de telefone, roubou um chiclete. E o pessoal ficava assustadíssimo com os ciganos, "eles são perigosos". O que eles fazem? Eles entram na sua casa e roubam uma panela. Era esse o nível de criminalidade que tinha. Então é claro que a mentalidade é completamente diferente.

Você sempre tem de encarar essas coisas pela condição real. Por exemplo, na Romênia todo mundo é muito ciumento. Mas é ciumento por quê? Um jornalista lá ganha cem dólares por mês, um ministro de Estado ganha 1.200. Eu lembro que todo mundo me recebeu muito bem, daí apareceu o Andrei Pleshu, que me ofereceu um lugar no New Europe College. No dia seguinte todo mundo queria me matar. Por quê? Tinha uma vaga e três mil romenos esperando para ocupar --- Não quero a vaga, não! Não é que eles são ciumentos invejosos, não, eles estão mal de vida mesmo, é disputa por um lugar, questão de sobrevivência.

Aqui, nos EUA, conforme a região para a qual você vai, você pode ser muito bem recebido, por exemplo, aqui na Virginia; mas se você for para o Texas, para zonas fronteiriças que estão repletas de mexicano invasor, eles não vão gostar de você. Aqui na Virginia, o número de imigrantes ilegais ainda é bastante controlável, são relativamente poucos --- quase tudo brasileiro, na verdade. Veja, os brasileiros vêm aqui, agem da pior maneira possível e os americanos ainda não começaram a desconfiar deles. Eu não ouvi um americano falar mal de brasileiro até agora. Os brasileiros vêm aqui, falsificam documento, roubam, fazem fraude para tudo quanto é lado, comem no restaurante e não pagam, fazem essa miséria toda, e ninguém ainda percebeu que eles são desonestos. É um negócio incrível, é uma benevolência sem fim.

Há 30 anos eu ficava bravo quando as pessoas saiam do Brasil. Teve um sujeito que veio para cá, virou professor, um cara importante, e ele escreveu uma frase que na época eu fiquei revoltado: "Os EUA foram para mim a mãe gentil que o Brasil nunca foi". Esta sociedade aqui é uma mãe gentil. Aqui é um lugar feito para as pessoas darem certo, ninguém quer você dê errado, todo mundo quer que você vá para frente, ganhe dinheiro e seja feliz. Por quê? Porque isso também vai ajudá-los. Esta noção da solidariedade geral existe aqui. Na discussão com o Dugin, eu disse: "Você não tem a menor idéia do que é a sociedade americana, porque acha que aqui é individualismo, competição etc. Eu não estou vendo absolutamente nada disso, isso tudo não existe, isso é um modelo abstrato. Você pega o modelo abstrato de capitalismo tal como Marx o definiu, que é marcada apenas pela mais-valia, e em seguida aplica à sociedade e acha que a sociedade é assim. Eu falo "você não conhece a sociedade, você pegou o conceito primeiro e a coisa depois".

Veja: os americanos são o povo que mais contribui para os pobres no mundo, todo americano contribui para campanha de caridade. E não é pouquinho, não são dois ou três dólares, os caras têm boa vontade mesmo. Tudo o que aparece eles pensam em resolver mediante a ajuda. Pois outro dia eu não estava participando da discussão sobre Cuba, e a preocupação do americano é a seguinte: "o dinheiro que estamos mandando para lá está ajudando em alguma coisa?" Eu fiquei com vontade chorar, porque você manda dinheiro para lá e o governo toma quase tudo e deixa o pobre na tanga. E americaninho lá, com toda boa vontade, mandando dinheiro para Cuba todo mês.

Aluno: Na aula de hoje obtive uma resposta para um certo estranhamento que tenho passado em minha vida profissional. Sou analista de sistemas e por muito tempo não consegui entender certos fatos na relação profissional. (...)

Olavo: Prestem atenção, isso é importante.

Aluno: (...) Funcionários que atuam na área operacional, com raras exceções, sempre entendem qualquer questionamento como ofensa ou perseguição. (...)

Olavo: Isso é comum no Brasil. Você chega para o sujeito e fala: "Você está fazendo essa coisa errado aí; você está fazendo uma roda quadrada, não vai funcionar". O cara fala: "O que você tem contra mim? Você não gosta de mim?". Ou seja, é camada 4: o sujeito está medindo tudo em termos da sua necessidade de afeição. No Brasil quase todo mundo é assim. Eu já vi isso acontecer comigo milhares vezes. Eu faço uma gozação cruel qualquer, as pessoas acham que estou com raiva. De onde elas tiraram isso? Por que eu vou ter raiva de um sujeito sobre quem eu mesmo estou fazendo uma gozação em cima? Não faz sentido isso aí. Não faz sentido para mim, mas para o cara da camada 4, é como a eletricidade, só tem dois pólos: ou você gosta de mim ou você não gosta de mim. Isso é a chave da explicação universal.

Aluno: (...) A informática não poderia estar castrando a personalidade dos seres humanos, que imagina que os computadores e seus programas sejam processados pela ação, e não como um meio para a ação?

Olavo: Eu já vi mil vezes o computador ser usado como bode expiatório. Nada do que acontece é culpa dos seres humanos, é sempre culpa do computador. É a coisa mais fácil: você se esconde atrás de um programa imenso, incontrolável, que você nem sabe como funciona. É possível que isso aconteça. Mas esse aspecto afetivo do qual você está falando já existia antes dos computadores e irá continuar existindo por muito tempo.

Aluno: Quais as principais barreiras da cultura brasileira que precisamos transpor para chegarmos a 12ª camada da personalidade?

Olavo: Não existe um corpo definido de barreiras que possamos listar. Elas aparecerão a todo momento sob a forma de crenças, reações habituais, reflexos condicionados, etc. Você vai ter de analisar diariamente. Eu estou fornecendo no meu curso e nos livros, na medida em que posso, alguns instrumentos para isso. Mas não posso fornecer todos os instrumentos, você vai ter de descobrir alguns; isso aí é uma coisa que não acaba mais e que vai prosseguir pelo resto da sua vida. Mas a coisa básica é esta. A confissão, a pergunta: O que estou sentindo mesmo? O que estou querendo mesmo? Qual é a minha verdadeira intenção com este ato, com aquela palavra, com aquele gesto? Onde estou querendo realmente chegar? Aprenda a pensar livremente quando você está sozinho. Não tem ninguém olhando, só está Deus olhando e Ele está lá para lhe perdoar, para quebrar o seu galho. Agora, existe aquele famoso medo do mal olhado: você tem medo que as pessoas o olhem torto. Mas quando você está sozinho não tem ninguém olhando torto.

Já na sua imaginação, a coleção das pessoas que olharam torto, que o olharam com ar de desprezo ou de condenação, etc., está tudo na sua mente. Sabe o que você faz? Pensa: esta pessoa não está aqui, ela não tem capacidade de penetração na minha mente. Esta é outra coisa que a convivência com psicopata destrói nas pessoas, porque você sempre tem a impressão de que o psicopata está lendo os seus pensamentos e que ele captou a sua fraqueza, o seu segredo, o seu pecado; e que ele pode expor você à vergonha a qualquer momento, então você imediatamente já trata de se adequar a expectativa dele para que ele não lhe faça um mal psicológico. Depois que você faz isso uma vez, duas, três vezes, você acaba amando o sujeito, porque começa com [2:00] o temor, o temor vira obediência e a obediência vira no fim amor. Assim as pessoas acabam amando o Lula, José Dirceu, etc. É assim que faz. Ainda que o sujeito seja capaz de ler os seus pensamentos, ele lê uma fração infinitesimal. O seu segredo é impenetrável, só Deus conhece. Então o único sujeito que conhece aquilo é seu amigo, você não precisa se preocupar com nada.

E, sobretudo, quando as pessoas o acusarem do que você não fez --- se você se conhecer muito bem --- você sabe quais são os seus pecados e, portanto, você sabe quais são aqueles que você não cometeu. Se você não sabe, você sempre fica na dúvida: o sujeito o acusa de uma coisa ou de outro e você vacila. Por isso que essa confissão é a coisa mais importante, é você limpar a sua alma todo dia. E para limpar, é necessário ver o quê? A sujeira, a incerteza, a mentira, etc., e afastá-los. Daí você fica tranqüilo. Daí nenhuma acusação mais pega em você, porque, na hora em que você adota como o seu único juiz o próprio Deus, você não tem mais nada a temer; você não vai deixar mais as pessoas julgarem você. Essa mútua escravização através da intimidação, da chantagem, do olhar desconfiado, das insinuações, etc., isso é uma desgraça, é uma tragédia humana. Mas você pode ter certeza de que o psicopata, que lhe parece tão impressionante; esse é um coitado mesmo, é o mais coitado dos coitados.

Aluno: Quanto às camadas, o senhor disse que uma pessoa não pode compreender outra pessoa que não esteja numa camada superior. No entanto, tenho a seguinte experiência: sei que não estou na 9ª camada, que é a camada em que o trabalho intelectual começa de maneira plena, mas posso de certa forma imaginá-la e ver as suas características em certos personagens --- a maioria reais; o senhor é um exemplo, o Rilke (da pergunta) é outro. Tentar vivenciar imaginariamente os dramas que existem na busca da verdade e dizer para mim mesmo: eu quero chegar aí.

Olavo: A 9ª camada é aquela em que a busca da verdade --- a operação da inteligência --- se torna o centro da sua vida. É onde você começa a sofrer intelectualmente. Enquanto o seu sofrimento tem causas ou emocionais, ou familiares, ou financeiras, ou isso ou aquilo (...), você não está lá. Na hora em que a opacidade do real, a incapacidade de penetrar a coisa, começa a doer, aí você está vivendo a personalidade intelectual. E, só quando a pessoa chega a este ponto, eu acho que ela tem o direito de começar a ensinar, a escrever; essa coisa toda. Porque, antes disso, toda a atividade intelectual dela é uma camuflagem de motivações mais toscas --- geralmente de 4ª ou 5ª camada: o indivíduo está escrevendo para se mostrar, ou para compensar um complexo de inferioridade, ou alguma coisa assim. Ou seja, a motivação da busca da verdade não é genuína. Para ela ser genuína é necessário que o indivíduo já tenha atravessado as camadas anteriores. Isso que não quer dizer que uma pessoa que está numa camada anterior não consiga imaginar aquilo. Claro que consegue imaginar, senão jamais conseguiria chegar lá. Todas as camadas são, por assim dizer, naturais ao ser humano.

Alguém me perguntou qual é a relação disso, por exemplo, com o simbolismo astrológico. Bom, "o zodíaco" quer dizer o círculo da vida --- zodiacus. Este símbolo do zodíaco foi concebido não se sabe quando; é um negócio que está nos primórdios da humanidade, antes dos primórdios. Uma vez um sujeito escreveu uma carta para mim e botou os primórdios, mas ele dividiu a sílabas erradas e ficou "primordió-dios". Então é mais do que os primórdios, é os "primordió-dios". Não se sabe quando, mas isso foi uma intuição fulgurante em que as pessoas perceberam que a vida humana é um círculo. Ela começa aqui e termina aqui e, idealmente, ela passará por essas fases. Claro que aquilo é um símbolo visual e, portanto, não tem um conteúdo verbal explícit;o e esse símbolo continuará sendo interpretado e reinterpretado de milhões de maneiras ao longo do tempo --- como dizia Susanne Langer, um símbolo é uma matriz de intelecções.

A minha idéia das camadas é uma interpretação desse símbolo. Só que, para você pegar de um símbolo até um conceito científico, a coisa tem de passar por muitas transformações. Mas tem gente que pega o símbolo e já imagina que aquilo é uma realidade cientifica; não é. O símbolo contém muitas camadas de significado, portanto muitas afirmações implícitas --- das quais algumas são verdadeiras e outras são falsas. E só através da análise do símbolo, aquela descascagem das várias camadas de significado, você consegue perceber quais são as verdades e as falsidades que estão ali embutidas. Eu me lembro, por exemplo, que o filósofo Arnold Keyserling, filho do Hermann Keyserling, também tinha uma série de noções sobre o círculo da vida, mas ele interpretava isso diretamente como se fosse uma realidade, mas não é. O zodíaco é um símbolo, portanto ele contém realidades e falsidades tudo misturado. O símbolo está ali não para lhe dizer o que as coisas são, mas para inspirá-lo para que você descubra. Símbolos são hormônios da inteligência, e não verdades condensadas de uma vez para sempre.

Isto quer dizer que todos os seres humanos, em princípio, têm as doze camadas potencialmente dentro deles. Se você não conseguisse imaginar a camada seguinte, você não conseguiria chegar lá. Mas quando você começa a imaginar a camada seguinte, é porque você já está querendo pular para lá, está numa transição. Alguém pergunta se você pode estar em duas camadas ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo não, mas você pode tentar passar para a seguinte e cair de volta para a anterior muitas e muitas e muitas vezes. Por exemplo, o garoto que está na 4ª camada vive no mundo da afetividade; tudo o que ele quer é que gostem dele, ele quer ser feliz, o desgraçado, então de repente ele percebe a possibilidade de esquecer isso por instantes e tentar se afirmar em alguma coisa. Mas ele pode tentar e em seguida voltar, dá um acesso de timidez e ele volta para trás. Também o sujeito que está na 5ª camada e que gostaria de se tornar uma pessoa eficiente, mas a motivação de mostrar-se, de exibição de força, a tentação é grande demais e ele não consegue passar dali. E assim por diante.

Aluno: Ou ele está numa camada e, por uma contingência, ele tem uma circunstância que é como se ele estivesse em outra camada.

Olavo: Não. O que acontece é que o indivíduo pode estar socialmente numa posição que exige que ele esteja numa determinada camada, mas ele, de fato, está em outra. Por exemplo, você imagina um juiz de Direito que está na camada 5; isso acontece a três por quatro. Isto quer dizer que as sentenças que ele lavrar estão enviesadas pelo seu desejo de se mostrar ou de mostrar poder, de brilhar de algum modo. Então ele não está exercendo a sua função com aquela neutralidade tranqüila que ele precisaria para exercer a função corretamente. Isso acontece no Brasil, isso é muito comum. Não é só no Brasil evidentemente.

Você pode medir mais ou menos a sanidade de uma sociedade pela eqüivalência da posição social com a camada respectiva. O que é a falsa vida intelectual brasileira? São pessoas de camada 4ª e 5ª que estão agindo como se estivesse na 9ª. Eles nunca tiveram um pingo de sofrimento intelectual; o único sofrimento deles é quando não são amados como acham que mereciam ou quando não conseguem mostrar que são tão gostosões como gostariam de parecer, isso é tudo. Não vai passar disto. Por exemplo, esse sentimento de solidariedade grupal, o que é isso? 4ª camada. O sujeito quer que os seus companheiros gostem dele, então ele fala o que eles falariam. Ou seja, quando essas pessoas falam, não tem nada a ver com o objeto do qual elas estão falando, é pura auto-expressão o tempo todo.

Ele fez aqui quatro perguntas, mas eu só vou responder a primeira. Vou passar para outra pergunta senão... [2:10]

Aluno: Às vezes quando estou estudando, observando alguma situação ou objeto, sem mais explicaçõe, tenho um click na mente e me vem a inspiração sobre algo. E sinto que se não pensar nisso, nunca mais pensarei de novo.

Olavo: Isso acontece e é importante registrar essas coisas. Eu me lembro que, quando era mais novo, eu tinha de trabalhar. Cheguei a trabalhar em três empregos ao mesmo tempo e, para as coisas que eu queria escrever, eu não tinha tempo. O que eu fazia? Eu ficava repetindo-as para mim mesmo, eu escrevia textos inteiros na minha cabeça, guardava na memória. Vocês lembram o texto do momento de lucidez do Louis Lavelle: aqueles momentos em que toda a sua vida aparece como uma unidade dotada de sentido, como se fosse uma peça de teatro, um filme, um romance, e ele disse que esses momentos passam, mas você tem de tentar conservá-los de qualquer maneira. Para isso, você tem de inventar mil truques, porque o meio brasileiro é muito dispersante.

Eu me lembro do texto do Ortega Y Gasset que chama "Ensimismamiento y alteración", que ele dizia que, ao observar uma jaula de macacos, você verá que eles estão o tempo todo fazendo barulho e nenhum deles tem um tempo para se recolher e pensar. Este recolher-se dentro de si é caracteristicamente humano --- você não vai ver um bicho meditando. O bicho, quando para com a movimentação, dorme ou fica olhando para o vazio como um idiota. Mas o ser humano tem esse ensimesmamento, essa capacidade de fechar-se em si mesmo, conversar consigo. Isto é a coisa mais preciosa da vida humana; sem isso não dá para fazer, absolutamente nada. E se as pessoas em volta não querem deixar você fazer isso, elas acham que você tem de prestar atenção nelas, você manda para aquele lugar e se afasta de pessoas que fazem isso.

Temos de procurar pessoas que nos ajudem a sermos nós mesmos e que você as ajuda a serem elas mesmas e, portanto, você garantir a cada uma um espaço interno para que elas estejam consigo mesmas. Porque se você não deixa a pessoa estar consigo mesma, mas quer que ela esteja com você, o que você está trazendo para você não é ela; é uma carcaça, é um cadáver dela. Você tem a companhia física, mas não tem a alma da pessoa com você. Para ter a alma é necessário que cada um tenha lá o seu ensimesmamento e possa trocar em palavras alguma coisa da sua experiência interior.

Aluno: Vendo a sua última aula da semana passada, o senhor falou que qualquer sistema econômico de certa forma tem a mais-valia de que Karl Marx tanto fala. No entanto, a teoria do valor de Mises não derruba essa idéia de mais-valia em um sistema liberal?

Olavo: Não. A mais-valia, no sentido da diferença entre o que você paga para o seu empregado e o que você cobra pelo produto do cliente, é universal. Se não existisse isso a economia seria impossível. Agora, acontece que Marx acredita na mais-valia não neste sentido que estou dizendo, mas numa relação objetiva entre o valor do trabalho e o preço, definido o valor como "a quantidade de trabalho socialmente necessário para produzir tal ou qual mercadoria". E acontece que essa relação objetiva de valor e preço não existe, ela realmente não existe, a ciência econômica inteira prova que ela não existe. Ou seja, qualquer coisa pode valer qualquer coisa, desde que haja alguém disposto a pagar por aquilo. Pode ser algo que não deu trabalho algum. Ainda existe o fato de que, com o progresso da tecnologia, as máquinas produzem coisas muito mais velozmente e em quantidade incomparavelmente maior do que os seres humanos poderiam produzir manualmente. E isto quer dizer que diminuiu o valor? Não, aqueles objetos continuam sendo necessários como antes.

Dizer que o valor do trabalho já está incorporado no valor das máquinas é mero chute, porque o fato de você usar máquinas complicadíssimas para produzir determinada mercadoria não quer dizer que as pessoas vão querer pagar por aquela mercadoria. Quem determina o valor é o consumidor e não o produtor; isso é a coisa mais óbvia do mundo. O objeto tem um valor ou de uso ou de troca para quem comprou, não para quem o produziu. Se eu produzi esta xícara, então não adianta ela ter um grande valor nem de uso nem de troca para mim mesmo se ela não tiver valor para mais ninguém. Eu posso achar que isto aqui é lindo, utilíssimo e vale tanto, mas se ninguém quiser pagar, estou ferrado. O sujeito tentar fixar o valor da mercadoria pelo trabalho que a produziu é o fim da picada. Isso aí é como o sujeito querer gerar um filho, querer ser pai, sem que alguém concomitantemente se torne mãe. --- É o efeito sem causa.

Eu usei a palavra "mais-valia" num certo sentido, da simples diferença entre a riqueza investida e o preço; só neste sentido. Mas Karl Marx não usa nesse sentido, ele usa no valor do trabalho, ele acha que o valor do trabalho é mensurável. Mesmo que seja, ele não tem absolutamente nada a ver com o valor: aquilo que deu um trabalho monstruoso para você fazer não quer dizer que valha alguma coisa para alguém. Por exemplo, imaginem o trabalho monstruoso que me deu para construir todo esse sistema de filosofia, pedagogia, etc., vocês acham que posso alegar que isso me deu trinta anos de trabalho e vocês têm de me pagar milhões? Claro não. Simplesmente o público não tem esse dinheiro para pagar tudo isso e quem tem não vai querer. Se voce pensar bem, o tempo que Karl Marx despendeu para escrever O Capital; se você pagar pelo tempo, ele ficaria milionário.

Aluno: Quando vou saber se já li literatura o suficiente para estudar filosofia?

Olavo: No dia em que você escrever coisas e puder dizer "eu já estou escrevendo como George Bernanos ou Léon Bloy ou Alessandro Manzoni". Na hora em que você disser isso, entrou no grêmio dos escritores. Antes de você ser um filósofo você precisa ser um escritor, de algum modo, não apenas um jornalista. Você precisa escrever como um escritor, não como um jornalista.

Certos filósofos que não são conhecidos pelo valor estilístico dos seus escritos, quando você analisa esses escritos e vê o domínio de linguagem que esse sujeito tem, você diz que esse cara é mais do que um poeta. Quando você lê Edmund Husserl, por exemplo, descrevendo em termos técnicos as operações mais finas do conhecimento humano, logo percebe que é um prodígio de linguagem o que o sujeito faz. Apenas a linguagem que ele usa não é aquela conhecida normalmente como literária, mas ele tem o domínio dos meios de expressão literária.

Aluno: Em uma aula bem antiga o senhor diz ter revisado o poema do Bruno Tolentino e indicado passagens inapropriadas para um autor católico, mas não comentava do que se tratava. Não podendo a literatura ser ideológica, como deve relacionar-se com uma cosmovisão católica sem perder algo para a arte? Quais os limites do autor preocupado com a fidelidade à Igreja? O que o senhor acha do final da Nova História de Mouchette*, onde o autor católico deixa a personagem suicidar-se diante a indiferença de um padre?*

Olavo: Inapropriado para um autor católico não quer dizer que estejam ruins ou que devessem ser apagadas e excluídas, porque é o tal negócio "ninguém é católico vinte e quatro horas por dia", existem outras dimensões da alma humana que estão presentes. Você tem uma dimensão gnóstica, você tem uma dimensão ateística, você tem uma dimensão de revolta metafisica; você tem tudo isso, tudo isso está presente. Como a poesia, especialmente, sobretudo a poesia lírica, é apenas fixação de uma impressão de momento, ela não pode ter compromisso com as crenças gerais que o sujeito subscreve.

Por exemplo, se vocês olharem na minha página, verão aquele soneto do olho direito onde, de certo modo, eu protesto [2:20] contra o ensinamento de Jesus: "se o teu olho direito se escandaliza, arranca-o". E eu digo: já arranquei mil vezes e não adianta, eu continuo sendo escandalizado. É um sentimento que tive, e não uma expressão de uma crença. É um momento em que você tem uma impressão subjetiva que se opõem a um ensinamento evangélico. E o que eu fiz? Eu fixei aquilo ali. Isso não é uma contestação doutrinal, é apenas você mostrar a dificuldade que em certos momentos a alma humana tem de alcançar a profundidade do ensinamento evangélico, porque o ensinamento evangélico está dizendo uma coisa e você está sentindo de outra maneira. Se fosse, por exemplo, um gênero mais extenso --- se você estivesse escrevendo um romance a respeito --- poderia contar as transformações do personagem, mas a poesia lírica fixa um momento, é a impressão de um momento. A impressão de um momento não é jamais a expressão de uma verdade universal. E é claro que os ensinamentos evangélicos são ensinamentos normativos de ordem universal.

O fato de eu ter dificuldade para arrancar o meu olho direito não quer dizer que não se deva fazer isso. Eu já tentei, mas eu continuo sendo escandalizado. O escândalo chega até mim de qualquer maneira. E hoje é difícil qualquer pessoa escapar a essa experiência, por quê? Porque somos bombardeados pelo escândalo o tempo todo. Isto quer dizer que algumas poesias do Bruno não parecerão católicas porque era um momento em que uma alma católica vivia o seu aspecto interno paradoxal e que estão muito bem fixados, aliás. Quando você lê Rabelais e fica sabendo que ele era um católico devoto --- e os livros dele só têm xingamento, putaria, escândalo para tudo quanto é lado; o cara está fixando a experiência interior. Ele não está emitindo normas. Ele não está expondo uma crença religiosa.

Aluno: Eu não sei se o Nelson Rodrigues era católico.

Olavo: Quer um autor mais católico e mais escandaloso do que o Nelson Rodrigues? O sujeito é católico. Mas o que eu estou vendo? Estou vendo o mundo do pecado, o mundo da perdição, estou vendo esse mundo fora de mim e dentro de mim, isto é minha experiência. Como dizia Benedetto Croce: "A poesia é expressão de impressões". Ela não é um discurso teológico, ela não está baixando normas, ela não está dizendo o que é o certo e o que é o errado, ela está dizendo o que realmente foi vivenciado e tentando expressar aquilo com a maior precisão possível. Se você olhar ali, tem outro soneto meu --- para não dar exemplo da poesia dos outros ---, o "Soneto do Defunto Brasileiro" parece um soneto comunista. Você lê aquilo e fala que o autor é comunista. Não, é a impressão que eu tive diante de uma situação do defunto anônimo, pobre, largado, jogado para as traças, que é enterrado sem que tenha ninguém para dizer adeus para o cara. Isso acontece a três por quatro. Eu vi e fixei essa impressão. Não quer dizer que eu esteja permanentemente revoltado com isso nem que eu acho que uma revolução social resolveria este problema. "Parece um soneto de protesto."

Aluno: Eu gostaria de fazer a seguinte observação: não me parece que os pecados sexuais sejam os mais numerosos que os cristãos medianos cometem. O pensar mal do próximo, mesmo por sentimento momentâneo, a intenção com a dúvida, os pontos obscuros, é falta muito mais freqüentemente cometida.(...)

Olavo: Mas de longe. Se você somar todos os pecados sexuais que o neguinho cometeu ao longo da vida não chega a um milionésimo das intrigas que ele fez, das mentiras que ele espalhou, da desconfiança que ele lançou sobre outros, do falso testemunho que prestou e assim por diante. Acontece que os pecados sexuais --- prestem atenção, são os mais facilmente exploráveis pelo psicopata malicioso. Então eles são alvo de vergonha social, não de arrependimento perante Deus. E é muito mais fácil você deixar de cometer os pecados sexuais do que deixar de cometer os outros, porque é meio difícil você cometer pecados sexuais sozinho --- você sempre precisa de alguma ajuda, pelo menos imaginária. E os outros você comete sozinho, sem ajuda de ninguém. São muito mais fáceis e são mais bem-vindos socialmente. No Brasil, o sujeito entrou para uma religião, a primeira coisa que ele faz é falar mal dos pecados sexuais dos outros. Então esse trocou de pecado. Essa sensibilidade exagerada para os pecados sexuais é marca de uma perversão religiosa fora do comum, porque os pecados sexuais todos vamos cometer de qualquer maneira, mas simplesmente porque são os mais condenáveis desde o ponto de vista de quem queira explorar e dominar você psicologicamente. É só por isto.

E, além disto, como eles têm esse aspecto físico da nudez; você ser desnudado em público deixa você terrivelmente envergonhado. Se as pessoas contam os seus pecados sexuais reais ou imaginários, você sente vergonha perante a platéia, não perante Deus, porque para Deus você sempre esteve nu. Deus nunca viu você vestido, Ele já fez você nu, nasce nu e vai morrer nu do mesmo jeito. Para Ele isso não faz diferença, mas para a sociedade humana, que vive dos revestimentos, a roupa é incorporação do papel social. Então para a sociedade humana essa coisa da nudez é muito importante, mas para Deus não tem importância nenhuma.

Aluno: Tem também às vezes o problema da pessoa magoar outra pessoa por causa (...)

Olavo: Sim, você usar os pecados sexuais reais ou imaginários dos outros para feri-la, para magoá-la, é uma das formas de manipulação preferidas, e isso é muito mais freqüente do que os pecados sexuais em si mesmos.

A sua pergunta está muito longa, ela está muito interessante, mas eu vou ter de voltar nela na próxima aula.

Vou repetir um aviso aqui: por favor, não usem pseudônimos no nosso chat, assine com seu nome inteiro. No Fórum do Seminário, existem instruções de como você muda o seu nome ali no chat. Por favor, façam isso. Eu vou dar um prazo de um mês. Depois do prazo, vamos começar a excluir pessoas do chat e, se insistirem, vamos tirar do próprio curso. Em primeiro lugar, não se esqueçam, vocês são cidadãos brasileiros, a Constituição proíbe o anonimato. A moral também proíbe. Se você não é capaz de assinar embaixo do que você fala, é melhor não falar. É isso aí.

Até semana que vem. Muito obrigado. E obrigado ao Ronald Robson por esse trabalho magnifico. [2:30]

Transcrição: Jussara Reis de Abreu

Revisão: Fernando Jose da Silva

Revisão final: Leonardo Yukio Afuso

Footnotes

  1. "Esboço de um Sistema de Filosofia", apostila do Seminário de Filosofia [doravante referido como SdF].

  2. "O trauma de emergência da razão", curso de Astrocaracterologia (1990-1992).

  3. "As doze camadas da personalidade humana e as formas próprias de sofrimento", apostila do SdF; Curso "Conceitos Fundamentais da Psicologia" (4 a 19 de setembro de 2009, Virginia).

  4. "O que é psique", apostila do SdF.

  5. Aula 32 do Curso On-Line de Filosofia [doravante referido como COF] (14/11/2009).

  6. Aula 2 do COF (21/03/2009).

  7. A Filosofia e seu Inverso & Outros Estudos (Vide, 2012); Aulas 9 (06/06/2009) e 13 (04/07/2009) do COF.

  8. Aristóteles em Nova Perspectiva: Introdução à Teoria dos Quatro Discursos (Vide, 2013)

  9. Como vencer um debate sem precisar ter razão: Comentários à "dialética erística" de Arthur Schopenhauer (Topbooks, 1997).

  10. Edmund Husserl Contra o Psicologismo (IAL, 1996; apostila); Curso "Filosofia da Ciência I" (10 a 15 de maio de 2010, Virginia).

  11. Os Gêneros Literários: Seus Fundamentos Metafísicos (in A Dialética Simbólica: estudos reunidos, É Realizações, 2007).

  12. "Sobre o mundo dos princípios", aula do SdF (20/04/2009).

  13. "O problema da verdade e a verdade do problema", apostila do SdF (20 de maio de 1999); "Conhecimento e presença", apostila do SdF (27/09/99); Aula 10 do COF (13/07/2009).

  14. A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci (IAL, Stella Caymmi, 1994); O Imbecil Coletivo I: Atualidades Inculturais Brasileiras (É Realizações, 2006); O Imbecil Coletivo II: A longa marcha da vaca para o brejo (É Realizações, 2008); O Jardim das Aflições: de Epicuro à ressurreição de César. Ensaio sobre o materialismo e a religião civil (É Realizações, 2000); O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (Record, 2013).