Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula 180
17 de novembro de 2012
Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.
Hoje eu vou tomar como assunto uma recente discussão que surgiu a meu respeito numa lista de e-mails, que é muito significativa porque é uma lista de e-mails entre quatrocentos professores de lógica. A lista chama-se "Lógicos do Brasil". Embora eu não pertença à lista, alguém me mandou uma transcrição das discussões e eu achei que aquilo merecia uma análise, não só porque dá uma idéia bem aproximada do estado de coisas na universidade brasileira, como também me dá a oportunidade de esclarecer alguns pontos sobre o meu pensamento nos meus livros.
Mas, antes, eu gostaria de retomar um assunto que eu mencionei na aula passada. Se você ler o livro Convivio, de Dante Alighieri, vai ver ali uma bela exposição sobre o que é o ensino das artes liberais. E ele explica que esse ensino deve começar pela gramática, que é a construção material da linguagem; passando depois pela retórica, que vai lhe dar um conhecimento dos modos atuais de uso da linguagem como um instrumento de persuasão e, portanto, vai lhe dar o senso do valor das palavras, das expressões e da relativa força persuasiva dos vários usos que se pode fazer da linguagem; e, por fim, vai estudar dialética e lógica, que vão lhe dar o senso da coerência do discurso -- a coerência do discurso já com relação ao seu conteúdo.
Quando se vê uma multidão de professores de lógica que não sabem escrever, que não têm o domínio da gramática do seu idioma, surge a questão: como essas pessoas compreendem a lógica, se não têm o sentido da linguagem? Porque o fato é: todo e qualquer conceito abstrato, mesmo em matemática, surge de alguma analogia com dados da experiência. A simples diferença entre unidade e multiplicidade, ou a noção de igualdade, ou a noção de maior e menor, tudo isto pode ser elaborado logicamente até requintes de exatidão. Porém, tudo isto surge de analogias com a experiência sensível. Ninguém nasce pensando de acordo com os cânones da lógica matemática. Tudo isto tem de ser - lentamente e de maneira muito complicada e trabalhosa - absorvido a partir da experiência e elaborado longamente na memória e na imaginação e daí sim, se pode tirar algum princípio de formalização que forçosamente se aplicará a um campo de objetos muito menor do que aquele que foi abrangido na própria experiência concreta.
Se o indivíduo salta a etapa do aprendizado da linguagem -- e do domínio da sua língua natal, sobretudo, para não falar de outras línguas -- os conceitos já elaborados da lógica terão para ele um valor diferente daquele que têm para as pessoas que acompanharam o processo normal de aprendizado e não chegaram à formalização lógica antes de passar, por exemplo, pela formalização gramatical. A formalização gramatical é uma coisa que permite usar a linguagem ainda no nível da percepção e da imaginação; você consegue expressar as suas impressões, como dizia Benedetto Croce.
Quando se salta sobre isto, a compreensão das relações entre a linguagem lógica e a realidade fica deficiente para sempre. E isto posso dizer que acontece com todos os membros desta lista, um por um -- pelo menos com todos os que participaram desta discussão, não posso falar pelos quatrocentos, mesmo porque há ali algumas pessoas de muita competência que eu conheço pessoalmente e que não participaram dessa discussão e que dificilmente se enquadram naquilo que eu estou dizendo. Mas o uso inapropriado da linguagem comum e corrente expressa uma deficiência de percepção.
Desde logo, aquela disciplina especializada que você aprendeu na universidade antes de ter adquirido um domínio suficiente da linguagem, da herança literária e, sobretudo, da linguagem corrente na sua sociedade, exerce sobre você uma influência formativa na qual ela ocupa o lugar de coisas que deveriam ter sido aprendidas antes. Os conceitos técnicos da disciplina na qual você se especializou adquirem para você um valor que se substitui aos nomes das coisas na experiência direta.
Então, por exemplo, se as pessoas estudam lógica, é evidente que a ocupação delas diz respeito, sobretudo, a provas e refutações -- estão o tempo todo tentando provar alguma coisa ou refutar alguma coisa. E uma coisa que eu observei ao longo de toda esta discussão que se travou é que os indivíduos leram muitas coisas minhas como se fossem tentativas de provar ou refutar alguma coisa. Eles estão sempre buscando refutações. Basta você dizer qualquer coisa a respeito de uma teoria, eles dizem: "ele está refutando aquela teoria", o que mostra evidentemente um domínio imperfeito da linguagem e uma compreensão de leitura deficiente.
O exemplo mais característico é o capítulo do Jardim das Aflições onde discuto a teoria de Cantor de que pode haver um infinito maior do que outro. Eu faço algumas observações e a coisa imediatamente espalha uma discussão entre lógicos, que dizem: "não! O Olavo está refutando a teoria do Cantor! Podemos, então, discutir essa refutação e podemos refutá-la, por nossa vez." Ora, quem ler meu livro direitinho verá que não houve nenhuma tentativa de refutar uma teoria. Estou apenas fazendo observações, dentro de um diagnóstico cultural mais amplo, onde um sintoma que observei na sociedade em geral, durante certo período, aparece exemplificado na abordagem que Cantor faz do problema dos infinitos. Se fosse para refutar a teoria, eu teria de escrever muitas mais páginas, evidentemente. O que eu escrevi sobre Cantor é uma página e meia, exatamente. A refutação de uma teoria não se faz com duas ou três observações assim casuais.
Mas esse pessoal não sabe ler; só sabem ler as coisas de dentro da perspectiva especializada que, para eles, teve a função não de uma especialização, mas de uma formação. A mentalidade deles foi formada -- e não quero dizer que eles tivessem uma mentalidade formada, já adulta, culta etc. que depois se especializaram num determinado campo. Ao contrário, não, a especialização tomou o lugar da educação e virou a única forma de educação que essas pessoas já adquiriram. Então, é evidente que eles lêem aquilo e falam: "não, ele está refutando Cantor!" Eu digo: ora, não se pode refutar uma teoria se você apenas diz uma coisinha contra ela, como foi o meu caso. Porque a coisa que está errada sob certo aspecto, ela pode em seguida ser comprovada sob outro aspecto completamente diferente.
A refutação teria de ser um trabalho muito mais sistemático e mais meticuloso, que jamais esteve nas minhas pretensões. Aliás, eu estou persuadido e vocês já devem ter entendido por tudo o que aprenderam neste curso que, para mim, provas e refutações lógicas significam muito pouca coisa e ao longo da tradição filosófica elas sempre significaram pouca coisa. Por exemplo, em Platão, você dificilmente encontra uma refutação cabal do que quer que seja e muito menos uma prova cabal do que quer que seja, porque sempre que Sócrates abre a boca, ele está apelando para o testemunho das pessoas. Ele está apelando para a honestidade da sua memória, para o seu próprio testemunho. E este testemunho não tem força probante sobre toda a sociedade. No máximo, tem uma força persuasiva sobre aquele indivíduo em particular que foi chamado a testemunhar e tem também uma força persuasiva sobre o leitor que lê aquilo e que, ao perguntar para si mesmo: "na minha experiência, no meu modo de perceber as coisas, as coisas são assim como Sócrates está dizendo ou não são?" Ora, a confirmação pessoal constitui uma prova no sentido lógico de maneira alguma! Mesmo nas obras de Aristóteles, você dificilmente vai encontrar alguma prova neste sentido, porque é característico que Aristóteles, tendo sido o criador da arte lógica, não use essa arte lógica em parte alguma dos seus tratados. A abordagem dele é, em geral, puramente dialética e, às vezes, puramente empírica. Então, se você procurar na filosofia antiga não vai encontrar nenhum exemplo de refutação cabal do que quer que seja e nem mesmo tentativa de refutação cabal.
Refutação cabal é aquilo, por exemplo, que Husserl fez com o psicologismo de John Stuart Mill, que é uma teoria segundo a qual as leis da lógica são as leis naturais do pensamento. Husserl pergunta se isto pode ser realmente assim. Então, ele começa a investigar ponto por ponto as várias possibilidades de esta teoria estar certa sob vários aspectos e vai desmontando uma por uma. Esta refutação leva, no mínimo, duzentas páginas para se desmontar uma afirmação. Eu sei o que é uma refutação e confesso que, ao longo de toda a minha carreira, eu jamais me preocupei seriamente com refutar o que quer que seja. Eu posso rejeitar uma teoria num certo momento por ela ter alguma inadequação que, para os fins daquilo que eu estou investigando, a torna inconveniente. Mesmo assim, uma página e meia colocada num determinado ponto de um livro de quatrocentas páginas, evidentemente tem um sentido que deriva do conjunto do livro, como uma exemplificação casual de algo que está sendo exposto no restante dele. É claro que os indivíduos que discutem isto não leram o livro inteiro, e por isso mesmo, pegam aquela página e meia e dizem: "isto é uma falsa refutação." Por quê? Porque a teoria de Cantor pode ser defendida sob este outro aspecto e este outro etc. Claro que pode! Só que eu não escrevi isto para pessoas que não sabem ler, para pessoas que não têm sensibilidade do texto e que a única educação que receberam foi a formação especializada em lógica e que, portanto, vão olhar tudo sob o prisma da disciplina que eles aprenderam, que é a única que eles sabem, e que vão, então, encontrar provas e refutações em tudo. Eles estão olhando a coisa sob uma categoria errada.
Por mais que essas pessoas se aprimorem no domínio da arte lógica, continuam sendo pessoas incultas e incapazes de lidar com problemas da realidade; só sabem lidar com os problemas formais que são problemas da sua própria técnica e, mesmo assim, não garanto que sejam tão competentes nisto, porque não há nenhum deles que seja autor de algum trabalho monumental nessa coisa. Nenhum deles está na altura do Nilton da Costa e do Alexandre Costa Leite, embora este faça parte da lista e não tenha participado desta discussão. Como essas pessoas não sabem ler, é evidente que a leitura que fazem de tudo é puramente projetiva e é uma leitura determinada pelos sentimentos e emoções toscas e baixas que sentem no momento.
Um deles desperta a discussão colocando ali à disposição dos membros da lista um vídeo no qual ele diz o seguinte:
"O Olavo de Carvalho refuta a teoria da relatividade, justamente com o heliocentrismo, e denuncia as fraudes nas biografias de Isaac Newton, Charles Darwin e Albert Einstein."
O sujeito coloca isso na seguinte base: isto que o Olavo de Carvalho está tentando fazer é tão absurdo e tão despropositado que não precisa ser discutido, basta ser dito -- "olha, o Olavo fez isto" -- e daí seguem-se a risadas.
"Olavo a (sic) não pouco tempo atrás..."
Ele escreve "há" sem h: "a não pouco tempo atrás." Veja, são professores de lógica! Mas não sabem gramática elementar. Então, pergunto: que tipo de mentalidade, que tipo de mente é esta, que, antes de dominar a gramática, aprende os meios de formalização da lógica matemática? É evidente que é uma mente disforme, nunca vai entender coisa nenhuma e que vai aliar o mais extremo pedantismo a mais extrema estupidez!
"... denuncia as fraudes de Isaac Newton, Charles Darwin e Albert Einstein..."
Então, imediatamente, isso já suscita o escândalo ou o riso! "Olha, ele está dizendo que as biografias foram falseadas!"
"... e a [sem h de novo] não pouco tempo atrás também refutou as leis de Newton."
E ele cita lá um artigo meu.
"E aqui ele refuta novamente a teoria da relatividade em artigo publicado no Diário do Comércio."
É evidente que a reação a isto, na lista, toma a forma, imediatamente, quase que de uma obrigação de as pessoas se expressarem mediante um sentimento de superioridade. Então todos dizem: "ah, eu não tenho tempo para discutir este tipo de insignificância. Ninguém sério presta atenção nisto."
Outro diz: "Já faz tempo que parei de prestar atenção neste moço." Este deve ser um homem de setenta e cinco, oitenta anos, para me considerar moço. E assim por diante.
Este tom é uniforme. Como é que pessoas que não têm tempo, que são sérias demais, que são ocupadas demais para prestar atenção em mim e discutir comigo têm tempo para fazer fofoca a meu respeito pelas costas durante páginas e páginas? Já é uma coisa um pouco estranha.
Outro diz ali -- eu ainda estou pensando se eu dou o nome do desgraçado ou não; no começo eu pensei em não dar o nome dele para não queimar a reputação dele de uma vez -- outro diz:
"É um tanto preocupante a falta de resposta dos filósofos e dos cientistas sociais às afirmações extremas dele."
Bom, isto quer dizer que o sujeito não leu sequer os artigos na minha página. Ele não tem idéia da cronologia nem da minha carreira jornalística e nem das discussões que houve quando do aparecimento do livro Aristóteles em Nova Perspectiva e do Imbecil Coletivo onde os filósofos e cientistas sociais fizeram exatamente isto! Saltaram em cima de mim como urubus e lobos e se saíram muito mal, botaram seus rabos entre as pernas, foram para casa e nunca mais falaram nada. Houve um deles até que desistiu da carreira científica e foi ser plantador de alface no Rio Grande do Sul! Um homem que fora presidente da SBPC. Então, isso que dizer que a geração anterior de filósofos e cientistas sociais, que era mais preparada do que estes caras, já fez isto! Só que o menino não sabe e nem mesmo tenta se informar. Daí ele escreve:
"Andei lendo uma introdução ao grande trabalho filosófico dele, A Paralaxe Cognitiva..."
Eu não escrevi A Paralaxe Cognitiva! Eu tenho algum livro publicado chamado A Paralaxe Cognitiva? Vocês leram alguma introdução minha à Paralaxe Cognitiva? Vocês que estão estudando comigo há anos não viram nada disso! De onde este sujeito tirou isto? Isto é evidentemente fraude. Ele não leu nada; ele leu algo que alguém disse sobre a paralaxe cognitiva. E daí, ainda pergunta:
"Eu gostaria de saber se alguém sério teve a paciência de analisar o que ele escreve."
A resposta é evidentemente "não", porque todos os que analisaram forma gente como você. Assim vai.
Então, vejamos aqui. Eu escrevi um artigo que mencionava Newton e que dizia o seguinte:
"A física antiga dizia que um corpo, se não movido por outro, tende a ficar parado. Newton contestou isso, afirmando que a força da sua própria inércia mantém cada corpo eternamente no seu estado presente, seja de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme. Só há um problema: se o movimento é eterno, não faz sentido falar em "estado presente" a não ser por referência a um observador vivo dotado do sentido da temporalidade. No movimento eterno, tudo é fluxo e impermanência. Não há "estados" -- seja de repouso ou de movimento. "Estado" é apenas uma impressão subjetiva que o observador, ele próprio envolvido no movimento geral, obtém ao medir os movimentos físicos pelo seu tempo interior. A tentativa de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana acabava fazendo tudo depender da própria percepção humana. A física materialista fundava-se numa metafísica idealista."
Isto é refutar Newton? Não; é uma observação histórica óbvia! Ou seja, o fundamento da mecânica de Newton é uma metafísica idealista que está ali embutida, de algum modo. Você pode perfeitamente defender a metafísica idealista, como Kant, por exemplo, e continuar confiando na física de Newton! Onde tem "refutação" aqui? Será que só existem duas operações mentais, uma que se chama prova e outra que se chama refutação? Não existe, por exemplo, a interpretação? Não existe a investigação, por exemplo, dos efeitos psicológicos que uma idéia pode ter tido sobre a coletividade -- que é justamente do que eu estou falando aqui?
Por exemplo, a idéia de movimento eterno é uma idéia auto-contraditória. Se não há tempo, ficar parado ou ficar em movimento é a mesma coisa. São conceitos que têm toda uma complicação filosófica embutida que você pode discutir por séculos e não chegará a conclusão nenhuma. No entanto, você tem aqui uma descrição matemática do universo, essa descrição funciona e lá no meio tem um conceito absurdo que está embutido. Eu estou me referindo ao efeito que isto teve sobre a cultura européia. Por um lado, você tem toda uma estrutura matemática perfeitamente racional e muito bem fundamentada, mas que, para aceitá-la, você tem de aceitar também um fundamento metafísico que é, no mínimo, altamente problemático. E a consciência desta coisa não apareceu imediatamente. Esta contradição ficou, de certo modo, embutida no espírito europeu durante o período de maior sucesso da física de Newton, que foi depois que Voltaire, no fim do século XVIII, publicou o livro Elementos da Física de Newton. Aí é que o newtonismo se espalhou realmente pelo mundo. E a imensa credibilidade da física de Newton fez com que essa contradição que estava lá dentro passasse despercebida.
Ora, se não houvesse esta e outras contradições, uma teoria que é totalmente isenta de contradições não pode sequer ser melhorada; ela é perfeita e acabada! Contradições, dificuldades, inconseqüências e incoerências você vai encontrar dentro de qualquer teoria científica! Qualquer pessoa que saiba ler entende imediatamente que isto não é uma crítica a Newton! Mas essas pessoas não sabem ler. Elas só sabem fazer aquilo que aprenderam na sua disciplina especializada: provas e refutações. Então, acreditam que isto é uma refutação.
O que eu posso fazer? Mandar as pessoas de volta à escola? Você vai ter de aprender a ler primeiro. E quando você lê um texto, tem de entender qual é o alcance que esse texto se propõe a ter, o que ele está pretendendo dizer e do que ele está tentando nos persuadir. Eu estou dizendo que um elemento de incongruência que havia dentro de uma grande teoria -- grande e verdadeira -- exerceu um efeito maléfico sobre a mente européia durante dois ou três séculos. E só quando veio a crise da ciência física na passagem do século XIX para o século XX é que a coisa veio à tona e viram que havia a necessidade de aprofundar aquilo.
Todo o materialismo do século XIX -- o materialismo de John Stuart Mill, Heckel, de Edward Spencer -- nunca teria existido se não fosse esta crença generalizada e, por assim dizer, acrítica no sistema de Newton, porque o sistema de Newton foi tomado como a verdade final, absoluta e universal. E não era! Era uma verdade, mas não tão universal assim. Foi só quando essas inconsistências vieram à luz que surgiu a necessidade de uma teoria física mais abrangente e mais perfeita.
Então, onde que eu estou tentando refutar Newton aqui? Agora, se o sujeito disser: "o homem tentou refutar Newton num artigo de jornal", dá a impressão de que o camarada é louco mesmo. Mas isto é deformar completamente o sentido do artigo.
Maior deformação ainda é onde o sujeito diz:
"Aqui ele refuta a Teoria da Relatividade em artigo publicado no Diário do Comércio".
O artigo se chama "Credulidade sem Fim" e não trata absolutamente da Teoria da Relatividade. O que eu estou discutindo ali é se Einstein foi ou não uma vítima de perseguição macartista nos Estados Unidos. Que isso tem a ver com a Teoria da Relatividade? E eu cheguei à conclusão de que não; havia apenas um dossiê sobre ele, que jamais foi interrogado, jamais foi intimado, jamais foi pressionado, não sofreu absolutamente nada! "Ah, mas tem um dossiê sobre ele." Como é possível você trazer um cientista do exterior para trabalhar em projetos que são muito próximos da segurança nacional e não ter um dossiê sobre ele? Como seria possível uma coisa desta? Eu discuto ali a afirmação de uma senhora chamada Morgana Gomes, no livro Vida e Pensamento de Karl Marx, que menciona o físico Albert Einstein como uma das vítimas mais famosas do macartismo. Como pode ser vítima, se não foi intimado, não foi interrogado, e se havia apenas um dossiê sobre ele? Existe um dossiê sobre mim! O departamento de imigração, para me dar um visto de residência como foreigner with special abilities investigou tudo da minha carreira e da minha vida. Eu sou vítima de perseguição por causa disto? O próprio Einstein também recebeu esse mesmíssimo visto. Ou seja, a pessoa vem aqui não como imigrante, muito menos como imigrante ilegal, mas como um estrangeiro capacitado a exercer certas funções de alto nível, e para isto tem de haver um dossiê a respeito do cara! Não é perseguição nenhuma.
O artigo também tem uma página e meia, não mais do que isso. E eu gastei a página e meia discutindo isto. De passagem, citei que havia um cientista político inglês que havia contestado o caráter científico da Teoria da Relatividade. É evidente que esses camaradas todos dessa lista não leram, porque eles não acompanham as discussões. Eles lêem apenas aquilo que se manda ler na faculdade. A verdadeira discussão que acontece numa esfera cultural maior eles não acompanham. No máximo, acompanham um ou outro trabalhinho muito especializado da sua área. Não têm idéia do debate cultural mais amplo!
O autor chama-se Peter Hayes: The Ideology of Relativity: The Case of the Clock Paradox, publicado na revista Social Epistemology, Vol XIII, número 1, Janeiro a Março de 2009.
O que Peter Hayes faz é rastrear a história das primeiras discussões sobre a teoria da relatividade, onde vários físicos --- entre os quais está o prêmio Nobel de Física, Philipp Lenard --- colocavam objeções terríveis a teoria. Note bem, colocar uma objeção à teoria não é impugná-la. Objeções, que eu saiba, fazem parte da própria lógica interna de uma teoria. Então uma teoria que está errada em certos aspectos, pode estar certa em outros. E a teoria certa pode conter erros na sua formulação que, quando você oferece uma objeção, não a está destruindo, mas sim a ajudando se expressar de maneira mais coerente. E isto aconteceu com a teoria da relatividade muitas vezes. Einstein teve que reformulá-la várias vezes por causa das objeções, que ele mesmo reconhecia serem muito valorosas. Acontece que, nos anos de 1920, tais objeções começaram a se acumular --- havia muita gente contra a teoria --- e em vez de o Einstein responder meticulosamente a todas as objeções (mais tarde ele faria isso, mas naquele momento ele não fez), ele alegou o seguinte: estão dizendo isso de mim só porque eu sou judeu e eles são anti-semitas. O primeiro que levantou explicitamente o aspecto ideológico na discussão foi o próprio Einstein. Então a partir daí a Teoria da Relatividade passa a ser integrada dentro da ideologia liberal-progressista em oposição a uma ideologia reacionária e anti-semítica. E o impacto jornalístico mundial da teoria foi, em grande parte, baseado nisto. Desta forma, a fama de Albert Einstein foi infinitamente além dos círculos acadêmicos e científicos. Ele se tornou uma espécie de emblema da alta inteligência e da alta cultura, e foi universalmente aplaudido por causa disso, até por pessoas que não tem a menor capacidade de entender a teoria da relatividade. --- Eu confesso que os detalhes matemáticos da teoria da relatividade eu não entendo por mim mesmo. Claro que eu consigo entender, mas alguém tem que me ajudar. Eu tenho um irmão, que é um excelente matemático, e quando eu não entendia algum aspecto da teoria eu perguntava pra ele. --- Ou seja, a aprovação universal de Einstein teve pouco, ou nada a ver com a solução deste debate científico, solução esta que nunca houve. Essas objeções nunca foram efetivamente respondidas. Tanto que elas reaparecem, muito mais tarde e de maneira muito pior, quando outro físico altamente qualificado, Herbert Dingle, depois de ter sido um dos propugnadores mais entusiásticos da teoria da relatividade, de repente descobre que tem ali algumas contradições e paradoxos não resolvidos. E essas contradições e paradoxos não estão resolvidos até agora. Pior, existem diferentes interpretações da teoria da relatividade, e às vezes na discussão você pode saltar de uma para outra.
Eu simplesmente mencionei essa discussão. Isso quer dizer que eu estou refutando a teoria da relatividade? Ou o sujeito apenas escreve isso para me dar ares de maluco? É evidente que essa segunda hipótese é a verdadeira. Só que isso foi feito numa lista acadêmica, que em principio deveria ter aquele mínimo de respeitabilidade intelectual que permitissem às pessoas se referir a si mesmas como pessoas sérias. Ou seja*,* se nós somos sérios, alguém sério já examinou esse problema? Não. Só pessoas como eles, que falsificam e caricaturam o que o outro está dizendo para dar ares de absurdo, e em seguida saem cantando vitória. Isso é uma figura de erística que se chama Homem de Palha. Será que com o treinamento de lógica que essas pessoas têm elas não sabem reconhecer um Homem de Palha quando o encontram? Não, não sabem.
Então, em seguida, aparece outro sujeito que coloca uma lista de afirmações minhas, que ele chama de pérolas de sabedoria. E essas afirmações se dividem em quatro tipos: a) Falsificações completas - coisas que eu jamais disse nem poderia dizer, que ele inventou e colocou na minha boca; b) Deformações de sentido - coisas que se aproximam do que eu disse, mas que aparecem ali deformadas para dar uma impressão de absurdo. c) Frases que eu usei em sentido hiperbólico - forças de expressão que ele toma, propositalmente, como afirmações categóricas. d) Afirmações que são perfeitamente razoáveis e verdadeiras: afirmações que podem ser facilmente provadas, mas que soam escandalosas a quem nada sabe do assunto, que é exatamente o que acontece com todos esses senhores.
Primeiro tipo, falsificações completas. Prestem atenção às frases que o sujeito me atribui.
"Todos os ditadores da história eram esquerdistas: Hitler, Saddam Hussein, Milošević, Mussolini, Vargas e Julio César."
Ele se esqueceu de colocar Gengis Khan, Tamerlão... Aonde que eu disse isso? Eu não disse nem poderia dizê-lo. Eu não vejo como poderia aplicar a categoria de esquerdista a personagens que são anteriores a formação desses complexos ideológicos, chamados direita e esquerda. Como é que a gente vai saber se Julio César é de direita ou de esquerda? Não tem nem um meio de saber. Porque visto com a perspectiva de outra época, muito posterior, portanto visto de maneira anacronística, ele pode parecer esquerdista sobre certos aspectos e direitista sobre outros aspectos, e você jamais vai saber o que ele realmente era. Um erro desse tipo eu jamais cometeria. E segundo este mesmo senhor eu teria dito:
"O Big Bang foi apenas um encontro de moléculas."
Poderíamos nos perguntar: onde estavam as moléculas? O que eu efetivamente disse, e que é uma coisa que todo estudante de física sabe, foi que existem quatro forças físicas básicas e que de algum modo elas se combinaram para formar o Big Bang. Mas a existência das forças não quer dizer que existam as moléculas. Depois, exemplificando, eu disse que se duas moléculas se juntam é porque elas têm dentro de si propriedades que são matematicamente descritíveis e matematicamente definidas e que, portanto, as leis matemáticas que as informam já eram válidas antes do momento do encontro. Este é um exemplo que eu dei, mas isto não prova que eu tenha dito que o Big Bang é um encontro de moléculas. Eu não poderia dizer uma coisa desse tipo. O curioso é que o sujeito coloca essas frases e ninguém na lista pergunta onde eu teria dito isso, ou pede a fonte da informação. Nem essa precaução eles têm, e essa é uma lista séria, não é uma lista de amigos. A lista chama-se Lógicos do Brasil, portanto uma lista só de professores de lógica. Ou seja, essa lista deveria ter alguma credibilidade, alguma fé pública profissional, intelectual. Mas não tem. Essa discussão parece coisa de criança, num nível de garotos de ginásio.
"Nikola Tesla não entendia nada de eletricidade ou de fios elétricos."
O que? Nokola Tesla foi o sujeito que inventou um meio de transmitir energia elétrica à distância, sem fio. Ele entendia de eletricidade até sem fio, como não iria entender com fio? Eu sou o maior fã do Nikola Tesla, como é que ia dizer uma coisa dessas? Da onde que ele tirou isto? Mas este eu tenho que dar o nome, chama-se senhor Yuri Lumer. Eu não estou no programa TrueOutspeak, portanto não posso usar o vocabulário adequado para qualificar este indivíduo. Veja outra afirmação que esse senhor diz ser de minha autoria:
"Todas as guerras e revoluções da história, depois da revolução francesa, foram planejadas por comunistas."
Aonde eu disse isso? Claro que eu não poderia ter dito isso, pois é uma frase obviamente falsa. E eu teria dito também que:
"As armas de destruição em massa são uma farsa inventada pelos movimentos comunistas e ambientalistas."
Ou seja, eu teria dito que as armas de destruição em massa não existem e que é uma invenção publicitária dos comunistas e ambientalistas? Mostre-me aonde eu disse algo desse tipo? Veja outra frase que esse sujeito me imputa:
"O Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro é um modelo de educação comunista."
Meu Deus, eu não sei nem onde fica o Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro. O que eu disse efetivamente foi que o Colégio de Aplicação de São Paulo, nos anos de 1960, era notoriamente dominado por um grupo de intelectuais comunistas. Mas isso nos anos de 1960, sendo que eu não sei se isso permanece hoje. Muito menos saberia algo sobre o Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro. Como é que eu vou saber, à distância, se o Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro é hoje um modelo de educação comunista? Então donde eu posso ter feito tal afirmação?
De ter inventado todas essas afirmações esse senhor Yuri Lumer merecia um processo. Isso não é para ser respondido com uma refutação, mas sim mandar tal sujeito para a cadeia. E este é o nível de discussão dos Lógicos do Brasil, então imaginem os Ilógicos.
Depois há uma série de frases que são deformações de sentido, como, por exemplo:
"As novelas da Rede Globo trazem propaganda subliminar comunista."
Propaganda subliminar? Acredito que esse sujeito não saiba o que é isto. Propaganda subliminar é algo que está abaixo do limiar da consciência, portanto são imagens que são transmitidas numa fração infinitesimal de segundo que é imperceptível ao ser humano, ou seja, o indivíduo conscientemente não vê nada. Tal procedimento foi inventado por um psicólogo austríaco chamado Otto Pötzl. Usando uma máquina chamada taquistoscópio, ele projetava manchas circulares na parede e pedia para os sujeitos memorizarem as figuras que tais manchas formavam, e no meio dessas projeções ele colocava uma figura numa fração infinitesimal de segundo de modo que o sujeito não pudesse ver conscientemente. No dia seguinte o indivíduo, ao recordar as figuras, apenas se lembrava das que ele não tinha visto conscientemente. Dessa forma surgem os estudos de propaganda subliminar. As novelas da Rede Globo não contêm propaganda subliminar comunista, elas expressam uma ideologia comunista explícita. Elas apóiam, maciçamente, todo o programa cultural da esquerda nacional, que é a menina dos olhos da estratégia comunista no presente momento. E foi isso exatamente o que eu disse, e não sobre a existência de uma propaganda subliminar. Subliminar é a inteligência desse senhor, que é infinitesimal. Olhamos e olhamos, mas não vemos nada, no entanto no dia seguinte afirmamos que Yuri Lumer é um sujeito inteligente, porque foi subliminar.
"Vivemos num regime de ditadura comunista."
Eu não disse exatamente isso. O que eu disse foi que vivemos num regime de hegemonia comunista, o que é algo muito diferente do que foi dito. Outra afirmação:
"O Brasil está no estágio de revolução comunista mais avançado do mundo."
Eu não me lembro de ter dito isso, ademais o Brasil de fato não está no estágio mais avançado. O país está num estágio avançadíssimo, mas eu não sei se esse é o mais avançado do mundo. Eu não investiguei a situação de todos os países, então eu não sei qual é o processo mais avançado. Pode ser que num momento eu tenha soltado essa frase num sentido hiperbólico. Mas pegar uma hipérbole e transformar numa afirmação categórica significa que o sujeito não sente a diferença, ou seja, ele não sabe ler.
"Bill Clinton era um agente de Pequim".
O que eu disse realmente nesta frase foi que Bill Clinton, durante a campanha presidencial, recebeu maciçamente dinheiro de uma estatal chinesa e depois, ao se tornar presidente, mandou soltar os espiões chineses que estavam fazendo espionagem nuclear no laboratório Los Alamos. Ou seja, ele devolveu o favor. E foi isso que eu disse.
Também há vários exemplos de forças de expressão que são tomadas propositalmente como afirmações categóricas, como:
"Nas livrarias só encontramos três tipos de livros: autoajuda, economia e comunismo."
Eu disse realmente esta frase, mas isso não quer dizer que materialmente só haja esse tipo de literatura. Se eu dissesse isso seria uma coisa absurda, pois evidentemente você encontra nas livrarias, por exemplo, livros de Machado de Assis ou Willian Shakespeare, que não se enquadram em nenhuma dessas três categorias. Ou seja, uma força de expressão, tomada como afirmação categórica, torna-se obviamente absurda.
"A Europa será totalmente islamizada em dez anos."
Eu posso até ter dito a frase desta forma, mas isso não quer dizer que eu esteja fazendo uma profecia. O indivíduo pode interpretar assim por uma deficiência de leitura, pois essa foi apenas uma maneira de dizer que o processo de islamização da Europa está muito avançado. Eu não sei se a Europa será totalmente islamizada. Muitos acham que sim, a começar pelos próprios mulçumanos, que dizem isso todos os dias, e não param de obter vitórias no sentido desse objetivo.
Por fim há uma série de afirmações perfeitamente razoáveis e verdadeiras, que soam escandalosas para quem nunca estudou o assunto, ou para quem acredita na versão que a mídia popular transmite do assunto --- ou seja, o sujeito acredita no Jornal Nacional, Rede Globo e no que o professor de física da faculdade disse a ele. --- Um exemplo desse tipo de afirmação:
"O Aquecimento Global --- sobretudo Aquecimento Global por mãos humanas --- é uma farsa criada pelos movimentos comunistas e ambientalistas."
Metade dos ecologistas do mundo pensa desta forma. O que há de tão escandaloso em tal afirmação? Há muitos livros que confirmam isso. Porque isso deveria ser uma "pérola de sabedoria"? O sujeito pode discordar da afirmação, mas isso não a torna, em si, absurda.
"As fundações Ford, Carnegie e Rockfeller fazem propaganda anticristã, anticapitalista e antiamericana."
Já nos anos de 1950, aqui nos Estados Unidos, houve uma comissão parlamentar de inquérito para investigar exatamente as informações que dei nessa afirmação. Chamou-se comissão Reese, e as suas conclusões são amplamente conhecidas, desde os anos de 1950. Veja, por exemplo, no Brasil, quando alguém passa no vestibular e entra na universidade, ele pode conseguir facilmente financiamento da fundação Ford ou Rockefeller, desde que suas pesquisas cheguem a conclusões de tipo feminista, gayzistas etc. Tal afirmação só poderia soar absurda para quem nada sabe do assunto.
Este é um exemplo da discussão entre professores de lógica, numa lista de e-mails para fins profissionais. É uma lista de uma categoria profissional, não de círculo de amigos. Depois aparece outro sujeito dizendo:
"É impressionante como ele fala também da mecânica quântica ou dos teoremas de Gödel (...)
Eu falei sobre tais assuntos sim. No livro do professor Wolfgang Smith, O Enigma Quântico, eu fiz o prefácio. Aliás, o professor Wolfgang Smith só chegou a ser conhecido no Brasil graças a mim, porque eu acompanho esses debates. O centro fundamental do meu interesse não é o debate científico, mas eu o acompanho. Eu posso garantir que em um ano eu leio mais livros sobre ciência do que o pessoal dessa lista lê. E qual seria o problema em escrever algo sobre mecânica quântica ou o teorema de Gödel? O sujeito diz:
"(...) Ele parece falar de qualquer coisa."
Obviamente esse sujeito não sabe o que é crítica cultural. Ora, a crítica cultural é o começo do meu trabalho. Primeiro deve-se ter uma visão geral dos debates que existe numa sociedade, --- debate artístico, religioso, moral, econômico etc. --- de modo a se fazer um perfil do estado das questões nessa sociedade num determinado momento. Isso não é "falar de qualquer coisa", mas sim uma especialidade. E esta é a minha especialidade. De fato, deve-se "falar de qualquer coisa" desde que seja pertinente aos debates publicamente relevante. Isto não quer dizer que você vai entrar nos detalhes especializados de cada questão. Por exemplo, eu sempre dou conta do debate religioso que existe, mas nunca entro em discussões de ordem teológica, pois não estou qualificado para isso. Como também não estou qualificado para entrar numa prova ou refutação do teorema de Gödel. Mas esse indivíduo parece achar que só existem duas possibilidades, ou você tem o conhecimento especializado daquela disciplina, ou você é um chutador. Mas então me respondam: o historiador que escreve a história cultural de certo período deverá ter o conhecimento especializado de cada disciplina que ele abordará, ou ao contrário, a sua própria técnica (a História Cultural) já é uma especialização? Você verá que a quase totalidade dos historiadores, dos profissionais da história cultural, não são especializados em 99,99% dos assuntos cujos debates entram na sua esfera de estudos.
Para esse sujeito ou você é um professor de lógica ou um chutador, não há outra possibilidade. Esse indivíduo nunca leu um livro de história cultural. Pegue, por exemplo, os dois grandes livros de Paul Hazard, A crise da consciência européia e O Pensamento europeu no século XVIII. Mesmo Hazard não sendo especialista em matemática, física, história da arte, ou teologia ele fala de todas esses assuntos, pois sua especialidade era a História Cultural. Mas os sujeitos dessa lista parecem que não sabem da existência dessa especialização. E um especialista em História Cultural deve falar de todos esses assuntos, pois eles são pertinentes a discussão cultural na época abrangida.
"Eu não sabia que alguém levasse a sério ou gastasse tempo com o Olavo de Carvalho."
E é exatamente isso que esses sujeitos estão fazendo, gastando tempo e fazendo fofoca a meu respeito. Eles não vêm discutir em público comigo, pois sabem que vão se sair muito mal, como todos os representantes da classe universitária brasileira que vieram discutir comigo, pois esses sujeitos são pessoas despreparadas. Às vezes tem aquela formação muito especializada, mas eles não têm cultura, meu Deus do céu! Não sabem nem escrever. Nesta lista se vê um festival de erros de gramática, que é uma coisa horrível; são semi-analfabetos. Não dominam o próprio idioma.
"Faz tempo que deixei de acompanhar esse moço."
O sujeito que disse isso se chama Álvaro Augusto. Quantos anos será que ele tem, dezessete?
"Desde que solicitei a exclusão numa lista de e-mails dele recebi como resposta uma série de ofensas."
Eu nunca tive lista de e-mails. Alguém pode ter feito uma lista de e-mails a respeito dos assuntos que eu abordo, e o sujeito pode ter sido excluído dela. Agora eu nem inclui nem exclui ninguém em lista nenhuma, pois jamais tive tal lista. O sujeito nem se preocupa em saber de quem é a lista. Essa é a criteriosidade e seriedade científica do indivíduo? Lançar difamações, pelas costas, numa lista de e-mail. Pelas costas, mas não em privado, pois uma lista de quatrocentos membros não é privada de maneira alguma. Isso caracteriza difamação pública. Pior ainda, difamação dirigida a um público que tem interesse na minha área e pode influenciar outros profissionais da área. Está-se entrando na esfera criminal, pois o indivíduo está inventando coisas que eu não fiz.
"Os argumentos contra a relatividade não são mesmo originais e indicam que ele nunca ouviu falar em variedades multidimensionais."
Mas eu não disse uma palavra contra a relatividade. Eu não estou tentando refutar a teoria da relatividade. O que eu disse foi que na teoria existem incoerências, ambiguidades e problemas, e isto é uma coisa que todo o estudante de física tem obrigação de saber, pois é a história da disciplina. Se o indivíduo não sabe nem a história das discussões que houve em torno da teoria da relatividade, e se ele não conhece as diferentes versões e interpretações que existem para dar conta dessas incoerências, então o sujeito não sabe absolutamente nada. Porém nada disso é uma refutação a teoria da relatividade.
Outra coisa, ao longo de um vídeo que o esse sujeito apresenta na lista de e-mails eu digo que não entendo alguns conceitos da teoria. No entanto, essa mesmíssima expressão foi usada por Philipp Leonard, Herbert Dingle e por muitos outros físicos, que diziam que não entendiam um conceito ou outro da teoria da relatividade. Quando se diz que não entende um conceito, isso não quer dizer que você seja burro, mas que o conceito em si tem algo de incompreensível. O que também não quer dizer que o conceito esteja errado. Se os conceitos da teoria da relatividade fossem todos compreensíveis desde o primeiro momento, o próprio Einstein não teria que refazê-los tantas vezes. E, aliás, estão sendo refeitos até hoje.
Quando esse tal Álvaro Augusto diz que eu nunca ouvi falar de variedades multidimensionais, ele provavelmente não sabe que tal conceito vem sendo discutido há décadas. Até hoje não se sabe se isso tem algum valor efetivo. Se existe algum problema na teoria da relatividade, como é que se vai resolver com as variedades multidimensionais, que apareceram muito depois e que são tão problemáticas quanto a própria teoria? Isso é como dizia os latinos, vai-se resolver o problema "obscurum per obscurius", ou seja, você vai pegar uma coisa obscura e tentar explicá-lo com algo mais obscuro ainda. O sujeito está fazendo isso somente para exibir cultura. Pois deveria haver uma prova que as variedades multidimensionais resolvem os problemas que estão dentro da teoria da relatividade. Mas não há essa prova. Ou seja, o sujeito só lança mão das variedades multidimensionais e diz que eu não posso falar da teoria da relatividade justamente por não conhecer as variedades multidimensionais. Isso é algo muito infantil!
Depois aparece outro sujeito discutindo algo que eu disse a respeito do Cantor. Então ele diz que minha argumentação é falha porque eu não discuto o que é ser maior. De fato, se eu fosse oferecer uma refutação à teoria de Cantor eu teria que definir meticulosamente cada um dos termos. Só que eu não estou refutando Cantor. E, além disso, ele prossegue:
"O que ele quer dizer é que se se faz uma correspondência biunívoca entre pares inteiros, na verdade o que se faz é trocar símbolos numéricos (...)"
Foi exatamente isso que eu disse.
"Esse argumento, todavia, não tem a capacidade derrubar nenhuma das idéias que Cantor ou outro matemático (...)"
Eu não tenho pretensão de derrubar, eu só disse que há uma confusão ali. Essa confusão pode ser esclarecida e pode ser restaurada em seguida sob outra argumentação à teoria de Cantor. Porém, o indivíduo faz uma confusão, pois foi Cantor que falou sobre correspondência biunívoca e não eu. O que o sujeito está dizendo é que se pode argumentar em favor da teoria de Cantor sem usar o conceito de correspondência biunívoca, e isso, sem dúvida, pode ser feito. Só que o Cantor não fez isso, mas sim o sujeito da lista que fez. O indivíduo está comprovando exatamente o que eu disse. Formulada em termos de correspondência biunívoca há na teoria uma obscuridade ou uma inconsistência, mas ela pode ser corrigida, claro! Se eu estivesse tentando refutar a teoria de Cantor, sim, o sujeito teria toda a razão. No entanto, eu não estou refutando, mas sim assinalando uma falta de clareza mental que existiu em Cantor e em muita gente da época; e que existe em todo mundo no fim das contas. Existe em mim também. Só que eu estou assinalando que esta falta de clareza naquele ponto era sintomática de um estado de coisas em toda a cultura europeia da época -- é disso que eu estou falando! Mas para isto você precisaria ter lido o livro -- e não só aquele pedacinho que você lê deformando, como se ele fosse uma refutação lógica.
Daí, pior, entra alguém com a discussão da astrologia - evidentemente não podia faltar. O mesmo Álvaro Augusto cita Robert Heinlein, autor de romance de ficção-científica - que eu nunca li. E do alto da autoridade deste Sr. Heinlein, ele diz:
"Uma pedra de toque para determinar o valor real de um "intelectual": descubra o que ele pensa da astrologia."
O que você pensa de Robert Heinlein? Eu não penso nada porque eu não tenho tempo para ler este tipo de bobagem. Eu não leio ficção-científica.
Os únicos literatos que eles citam aqui: Arthur Clarke e Robert Heinlein. Vocês jogam um cara de ficção-científica, não é gente?
Eu posso até ler alguma ficção-científica, se for uma obra que adquiriu o conceito de obra-prima. Livros de ficção-científica melhores do que a Doris Lessing vocês não vão fazer. E a Doris Lessing era uma coitada, uma burra que não entendia nada do que estava acontecendo - nem para ela. Um dia eu conto a história da Doris Lessing para vocês.
Então, aqui, volta outro sujeito e diz:
"Uma característica comum deles (...)"
Dos intelectuais -- entre aspas.
"É que eles não enunciam muito claramente o que querem refutar. Citam os autores, mas não especificam à que obra se refere, nem muito menos as teses que querem discutir."
É exatamente o que eles estão fazendo aqui!
Não é que eles não citam os lugares -- frases! Que muito genericamente atribuem ao "seu" Olavo, e, em seguida, dizem que o refutaram, e cantam vitória! É exatamente o que eles fazem.
Eles são muito piores que estes intelectuais a que estão se referindo. Porque eu de fato não precisava especificar muito claramente, detalhadamente, os pontos da teoria do Cantor a que eu estava querendo refutar. Por quê? Porque eu não estava refutando nada! Eu estava apenas fazendo uma observação a respeito.
O indivíduo que não sabe distinguir na leitura o quê que é uma observação crítica, feita de raspão, e o quê que é uma refutação - então você não sabe nada, meu filho! Você simplesmente não sabe ler!
"E, daí, usualmente eles não definem os conceitos, usualmente apelam para o sentido comum que as pessoas empregam os termos que seriam importantes para uma refutação."
Em primeiro lugar, eu já dei muitas aulas sobre este ponto. Toda formalização de um conceito, quanto mais perfeita é, mais ela se afasta da experiência comum do objeto. E, portanto, o significado ontológico do conceito se torna mais problemático e mais ambíguo. Eu já expliquei isto em outras aulas e não vou explicar de novo aqui.
Quando você chega a um ponto em que o único conceito possível é uma medida matemática, você tem o máximo de perfeição formal possível, e você tem um mínimo de clareza ontológica.
Por exemplo: matematicamente todo mundo sabe o que é um neutrino. Agora, se o neutrino existe ou não: bem, este é outro problema; e o que significaria existir neste contexto - também é um problema.
Então, isto quer dizer que a possibilidade da formalização conceitual é um negócio altamente problemático e que, na discussão cultural em geral, você tem é que ficar num ponto intermediário da tensão entre o máximo de formalização e a experiência direta quase indizível. Isto é absolutamente necessário em toda a discussão filosófica! Quando você chega, digamos, à formalização completa, você já saiu da discussão filosófica há muito tempo. O indivíduo não parece ter consciência disto. Ele é aquela pessoa ingênua que diz: "numa discussão, nós temos que definir perfeitamente todos os termos". Eu digo: Opa! O sujeito nem pensou no que está dizendo.
Veja: se você definir perfeitamente todos os termos, os termos se definiram uns pelos outros: todos os termos. Inclusive termos como "mais", "igual", "menor", "o mesmo", etc etc etc.
Então isto significa o seguinte: esta linguagem terá perdido toda e qualquer referência à experiência direta. Ela terá se transformado numa pura matemática.
Ora, a pura matemática pode resolver algum problema ontológico? Não, não pode.
Então você terá desistido de qualquer abordagem do problema ontológico em favor de uma precisão matemática que lhe permite e que lhe dê maior manipulação técnica sobre os entes.
Eu digo: deve se fazer isto? E isto é a única coisa que se pode fazer? Ele parece não imaginar que não exista nenhum problema nisto aí. Ela acha lindo! Tem que formalizar e definir tudo! Eu digo: mas isto é coisa de criança, meu Deus do Céu!
A definição e a formalização resolvem todos os problemas e são obrigatórios em todas as circunstâncias? Ora, podem ser obrigatórios para certos domínios do conhecimento, mas não têm como ser para a discussão cultural em geral, nem para discussão filosófica.
Daí entra aqui um defensor da astrologia. Eu digo: Opa! Por que tem que falar contra a astrologia? Eu digo: Empinar o narizinho apenas. Ah, o se cara falou que astrologia não presta? Empina o narizinho e pronto.
"- Esta foi a sua tese."
"- Uma tese contrária?"
"- Aí me parece que já é um preconceito com respeito à astrologia. Conheço pessoas de primeira grandeza que também cultivam o conhecimento astrológico."
E tem razão! Daí dizia:
"- Uma boa parte do conhecimento acadêmico nas universidades é equivocada, preconceituosa, e também está ligado a interesses políticos e corporativistas menores."
É óbvio! Você quer um exemplo de conhecimento corporativista menor: aqui, um bando de caras fazendo fofoca sobre uma pessoa que em público eles não querem discutir! Por quê?
"Não vamos dar importância para ele. Senão estaremos (...)"
Quem é você para me dar importância, meu filho? Você não tem importância nenhuma! É um zero à esquerda, como é que vai me dar importância?
Então, ou seja, de repente a coisa virou uma discussão sobre a astrologia. Uns dizem que sim, outros dizem que não. Só que aparece o primeiro problema: Ora, há mais de trinta anos, depois de ter acompanhado toda a discussão do problema astrológico que se travou ao longo de todo o século XX, eu percebi que havia uma confusão geral: Não é possível você discutir astrologia -- entre aspas - sem você ter discutido primeiro o fenômeno das influências ou correlações astrais em si mesmo e independente da astrologia.
Se você não tem nenhum meio não astrológico de verificar se essas relações existem ou não, muito menos você poderá averiguar a veracidade ou falsidade do discurso astrológico a respeito dela -- discurso que é enormemente confuso! Que não tem nenhuma unidade conceitual, nenhuma, nenhuma. E que apela a símbolos, mitos, etc etc.
Discutir a astrologia é coisa de gente de miolo mole!
Porque tem que se discutir primeiro se o fenômeno existe ou não existe. E, em seguida, veremos o que os astrólogos dizem a respeito. Não é isto?
Isto é a mesma coisa que você, digamos no século XVI, XVII, discutir a veracidade dos relatos de viajantes sobre a América, sem questionar se a América existe! Você não sabe se a coisa existe ou não, como você vai saber se o que estão dizendo a respeito é verdadeiro ou falso? É um preceito metodológico óbvio e o que um estudante de lógica tem a obrigação de perceber nos primeiros 10 minutos!
Eles não têm a menor consciência disso. Querem discutir se astrologia funciona ou não. Ora, mas pode haver abordagem mais tosca do problema do que esta? E isto aqui são professores de lógica! Que se supõe devam entender uma aula de metodologia também. Mas isto nem ocorre a eles!
Ora, qualquer exame da bibliografia astrológica, não é de hoje. Não estou falando da Linda Goodman -- essas pessoas que fazem astrologia por carta -- estou falando mais da bibliografia astrológica ao longo dos tempos. Se você ler Abu Ma´shar, Guido Bonatti, etc., todos estes textos antigos de astrologia, verá que o simples problema terminológico colocado ali é um bicho-de-sete-cabeças! Não existem dois astrólogos que digam e usem os mesmos termos para dizer as mesmas coisas.
No século XIX, na Inglaterra, começou a se estabilizar, mais ou menos, um vocabulário astrológico para certos círculos de astrólogos, não para todos - outros não aceitaram aquilo. Em suma, o julgamento da astrologia é impossível!
A não ser que você faça o estudo, em separado, sobre o objeto da astrologia -- para saber se este objeto existe ou não! Há indícios de que sim e há indícios de que não. Por exemplo, a famosa pesquisa do Michel Gauquelin que foi encomendada pelo chefe do observatório de Paris, Dr. Paul Couderc, que disse: "vamos pegar uma hipótese astrológica unificada, vamos expressá-la em linguagem cientificamente estável -- nós vamos fazer isto, não o que uns astrólogos fazem -, nós pegamos uma vaga hipótese astrológica, formulamos esta hipótese numa linguagem não astrológica, numa linguagem cientificamente estabilizada, em seguida criamos um método estatístico para verificar se esta hipótese funciona ou não".
Quê que isto tem a ver com os astrólogos? Nada! Isto não é estudar o assunto astrologicamente, é estudar por outro método. E pegaram 50 mil horóscopos de pessoas pertencentes a três grupos profissionais bem definidos, e disseram: se é verdade que isto que isto que os astrólogos chamam de "planeta dominante".
"Planeta dominante" é o que está num dos quatro ângulos. O quê que é um horóscopo? É um desenho que se faz da terra no instante do nascimento, que você tem a linha do horizonte, e você tem a vertical no meio do céu, fundo do céu. Então estes quatro ângulos são considerados pela tradição astrológica -- e isto é unânime entre os astrólogos do Ocidente, tem nada a ver com astrologia hindu, chinesa, etc - o que aí já é outro bicho-de-sete-cabeças -- e o "planeta dominante", pelo seu simbolismo, exerce uma espécie de função definidora sobre a personalidade e a carreira daquele indivíduo.
Então, se esta presunção astrológica tem alguma correspondente no mundo real, então deve haver uma prevalência estatística da presença de certos planetas nos ângulos dos horóscopos das pessoas destas profissões do que das pessoas de outras profissões!
Por exemplo, se você toma o planeta Saturno como representante da profissão científica e médica, de acordo com a tradição astrológica, ou com algumas tradições astrológicas, bem nós vamos testar isto, não é toda a astrologia, mas é apenas uma afirmação que é mais ou menos constante entre astrólogos de várias épocas. Então, vamos formular isto matematicamente e vamos ver se isto acontece de fato estatisticamente.
Então, tomaram 50 mil horóscopos, separaram as pessoas que eram de profissão médica e científica e separaram os que eram de outras profissões, e viram que, de fato, havia uma prevalência maior do planeta Saturno nos ângulos dos horóscopos das pessoas da profissão médico-científica, maior do que nas pessoas de outras profissões. Só que a presença nos ângulos não estava onde os astrólogos diziam -- estava antes. Havia um ponto de acumulação estatística deste planeta que não correspondia exatamente com o ângulo.
Bom, onde há fumaça há fogo. Se havia prevalência estatística então vale a pena estudar a coisa ainda o que nós descobrimos não é exatamente o quê os astrólogos dizem! É outra coisa! Em seguida, refizeram a coisa com horóscopos de 500 mil pessoas! E o resultado deu o mesmo. Segundo Michel Gauquelin, a possibilidade disso ser coincidência era de 1 para 8 bilhões.
Então, isto quer dizer que parece que esta correlação existe embora não seja aquela que os astrólogos dizem. Se você aprofundar estes estudos, não só por métodos estatísticos, mas por outros métodos, é possível você criar uma criteriologia científica que é independente da astrologia, e daí, partir deste estudo científico, você tem elementos para iniciar uma revisão e o julgamento daquilo que os astrólogos disseram ao longo dos anos! Dos séculos ou milênios! E isto é um procedimento científico.
Mais tarde foram feitas outras verificações estatísticas a respeito, algumas voltaram a confirmar-se, e outras foram impugnadas. Como, por exemplo, o famoso efeito Marte. Este planeta estaria nos ângulos dos esportistas. Foi feita uma pesquisa, mas muito menor, eles pegaram 1.900 esportistas, daí o efeito Marte não se verificou. Mas os outros foram verificados.
Em suma, o Michel Gauquelin fez a única coisa que um cientista pode fazer decentemente perante o problema! Ora, não tem sentido ficar discutindo a astrologia! Porque a astrologia está se referindo a um fenômeno que -- segundo os astrólogos -- existe objetivamente. Se ele existe objetivamente, ele tem de poder ser verificado por meios independentes da astrologia!
É como qualquer teste no laboratório, ou seja, ele indica que o paciente tem esta ou aquela doença? Indica se ele puder ser verificado por outros meios, independentes daquele.
Qualquer consulta tem duas vias: clínica e laboratorial. E só quando as duas convergem você diz: "neguinho tem realmente esta doença"! Se tiver só as aparências clínicas, as queixas clínicas, os sinais e sintomas -- não é suficiente. E se tiver só os testes de laboratório, também não é suficiente. Ou seja, você precisa de duas vias, no mínimo, de verificação independente.
Se você está discutindo astrologia dentro dos puros critérios astrológicos ou você pode tomar uma posição contra ou a favor, mas tudo isto não significará coisíssima nenhuma!
Eu, quase trinta anos atrás, tentei criar um método de verificação para isto -- que eu chamei de astrocaracteorologia. Como os astrólogos dizem que a estrutura do horóscopo no instante do nascimento tem algo a ver com o caráter da pessoa, eu digo: bom, em primeiro lugar, nós precisamos ter um meio de descrever o caráter. Meio que não é astrológico!
Então, o quê eu fiz? Uma revisão das várias caracteorologias e tipologias desenvolvidas pela psicologia do século XX, para ver quais eram passíveis de comparação com o diagnóstico astrológico, e quais não eram -- a maioria não era. Ou seja, as categorias que empregavam não correspondiam com as divisões que os astrólogos usavam para descrever aquilo: esta comparação é impossível.
Por exemplo, se você pega a tipologia do Jung, que divide o sujeito em: o intuitivo; o extrovertido; sensorial-introvertido; etc. São dezesseis tipos. Qual é a possibilidade de comparar isto com um diagnóstico astrológico? Eu estudei esta estória: Não dá! As categorias não são as mesmas, eles não estão falando as mesmas coisas, então não dá para fazer isto.
Eu estudei um monte de caracteorologia: todo mundo, um por um. Nós temos que chegar, digamos, para fazer um teste do negócio da astrologia, nós precisamos, primeiro, descobrir um instrumento de descrição caracteriológica que possa ser comparado com a descrição que um astrólogo profissional hoje obtém do mapa e ver se bate.
Mas se as categorias não são as mesmas, então, meu filho, você está comparando a taxa de divórcios com a produção de banana! Não vai dar, você está entendendo?
Então, toda a discussão astrológica tal como eu a via, aquilo para mim parecia assim um hospício! Porque era tudo tomada de posições, e todo mundo, alguns casos, falando assim com aquela impostação científica seríssima. Tanto para falar contra, ou para falar a favor. Como diria Pirandello: mas não é uma coisa séria!
No Brasil, o único neguinho que tentou estudar a coisa de um ponto de vista científico, fui eu.
Agora, esses caras não têm a menor ideia de como abordar cientificamente a coisa, ou seja, eles não têm nem o rudimento da questão e tomam posição com pose! Um se fazendo de superior -- "Ah, mas como disse Heinlein" -- olha o autor que ele cita! Ele não citou Aristóteles, nem Shakespeare: foi Robert Heinlein. E o outro cita Arthur C. Clarke -- vejam as autoridades!
Então, uns tomam posição a favor, outros contra, tudo afetando com aquela impostação de seriedade. Não tem seriedade nenhuma! Esta é uma abordagem pueril, boboca. Que não atende ao mínimo de requisito de abordagem científica. Então, quem são vocês, gente? É um bando de palhaços. Isto que eles são. Talvez vocês tenham alguma competência naquele dominiozinho -- o domínio da refutação e da prova - talvez vocês sejam capazes de fazer alguma coisa, mas é só isso. Só que o mundo não é só isso, meu filho.
Além disso, se você se limitar a discutir este ponto, então está bem -- mas vocês querem dar palpite sobre tudo, até sobre a minha obra que vocês não leram! Não leram sequer um livro inteiro para saber qual é o sentido do capítulo que vocês estão discutindo!
E, daí ainda vêm dizer:
"[eles] não especificam à que obra se refere, nem muito menos as teses que querem discutir."
Gente, vocês estão especificando as teses minhas que vocês querem discutir, desgraçados?! Não, você pega uma frase inventado por um desses vagabundos da sua lista e, em seguida, canta vitória. Isto é charlatanismo! O quê vocês merecem com isto aqui é um belo processo judicial.
Eu vou pegar esta aula e vou divulgar para os não alunos -- é importante que saibam que isto acontece.
Olha aqui o argumento: um defende a astrologia, daí entra o outro:
"Não é um pré-conceito, é pós-conceito. Eu vou até dizer mais um: quase todo que é milenário em ciência é bobagem e sem futuro."
Olha que coisa incrível! Olha o preceito científico dele: ser milenário é uma bobagem! Escuta: quantos anos têm estas pessoas?
Daí o outro diz:
"Da minha parte, o quê incomoda é justamente a possibilidade (...)"
Chegou ao ponto em que interessa!
"o quê me incomoda é justamente a possibilidade de desviarmos verbas públicas para coisas do gênero, como a recente iniciativa da homeopatia para plantinhas."
Ah, ele não quer que se dê verba para pesquisas homeopáticas -- já passou para a homeopatia.
Daí, o outro diz:
"Testes da homeopatia para plantas e animais são feitos desde o começo da homeopatia e recebem já recursos há muito tempo, e por incrível que pareça a quem desconhece a homeopatia (...)"
Que é o caso do outro.
"mostram resultados!"
O problema são as verbas?! Por exemplo, se eu tivesse acesso a uma verba pública, já teria tirado a limpo esta questão da astrologia há muito tempo! Por quê? Porque criei o método de verificação. E este método de verificação confirma algumas pretensões dos astrólogos e impugna outras, mas não permite o julgamento total da coisa. Permite só naqueles pontos que eu levantei. Mas, se o meu método for aplicado, ele resolverá esta questão, tirará isto a limpo de alguma maneira!
Porque a mim me parece que uma atividade grandemente imaginativa e fantasiosa como a astrologia, se ela prossegue ao longo de milênios, é impossível que ela não tenha nada a ver com a realidade. Como disse Lévi-Strauss:
"Isto é um imenso sistema, e como todo sistema, ele acaba funcionando de alguma maneira."
Tem alguma relação com a realidade? Tem. O que não quer dizer que tenha validade científica. Mas então que validade tem? O quê que significa? Eu digo: Não podemos esclarecer isto antes de ter esclarecido o fenômeno material ao qual a astrologia alude. O qual não tem nada a ver com a astrologia.
Veja: quem fez um belíssimo trabalho a respeito foi São Tomás de Aquino. E o critério dele é o seguinte: os astros são corpos -- não são deuses, não são pessoas, não têm vontade própria, etc etc. Então, se há uma relação entre eles e os fenômenos terrestres, há que ser uma relação corporal! Eles têm que afetar os corpos!
Bom, este é um bom começo! Só que para quê ficar discutindo e tomando posição e gastando verba pública -- eles estão gastando verba pública também -- para dar palpite sem fazer nenhuma tentativa séria de esclarecer o problema?
Então, tudo isto é picaretagem!
Aqui um diz aqui:
"Em dois mil publiquei um artigo que analisa a causa da maioria dos erros de inferência subjacentes a crendices populares como astrologia, cartomante, etc etc."
Meu filho, ainda que você demonstrasse mil erros lógicos em tudo isto, não constituiria prova de que o fenômeno alegado não existe! Porque você não pode saber se um fenômeno existe objetivamente ou não medindo os erros de lógica naquilo que terceiros dizem a respeito!
Este estudo que você fez é importante? Sim, claro que é importante. Só que não tem nada a ver com o fenômeno astrológico em si. E ele não contribui em nada para esclarecer isto que eu estou falando.
Agora, o mais superior de todos é este aqui:
"Sem dúvida cada um de nós terá direito em foro íntimo, ou por motivos estéticos, ou por efeito de algum abuso sofrido durante a tênue infância, ao seu quinhão particular mais querido de pseudociência, e até mesmo acreditar, digamos, no poder das orações ou entidades sobrenaturais."
Por que ele alude a abuso sofrido na infância? Isto é uma coisa tão extemporânea aqui. Por que você se preocupa tanto com abuso sofrido, João Marcos (mencionei o cara), por que você se preocupa tanto com abusos sofridos na infância ao passo lembrá-los no meio de uma discussão que deveria ser científica sobre o objeto completamente diferente?
É evidente que esta questão de abuso de infância o preocupa, João Marcos. Se você os sofreu, ou se você apenas os imagina, eu não sei! Mas sempre que uma pessoa coloca um elemento totalmente extemporâneo numa discussão é porque ele está preocupado com aquilo, está pensando naquilo.
Imagine se eu fosse aventar aqui a hipótese de que: "não, os caras estão falando tudo isto porque eles sofreram abusos na infância"! Eu não vou pensar uma coisa dessas! Porque eu estou preocupado com que eles estão dizendo a respeito do que estou dizendo, e não com alguma obsessão que eu tenha!
Este é o nível da discussão. E isto é a universidade brasileira -- este é o retrato da universidade brasileira. Vejam do que vocês escaparam!
É claro que isto me deu ocasião para me explicar sobre vários pontos como esta questão da astro-caractereologia, etc etc.
Mas, o nível de discussão em que eu estou me colocando está infinitamente acima do que estas pessoas podem conceber! Eles não são capazes de conceber, porque não têm cultura, meu Deus do Céu! E eles não dominam sequer a gramática!
Bom, eu não vou assinalar os erros de português -- aqui, são tantos -- que não dá. Mas quem foi que ensinou lógica-matemática para estes caras antes de ensinar gramática? Estupraram a mentalidade juvenil, é o que fizeram com eles. E eles ficaram assim. Não sofreram abuso na infância. Sofreram abuso já na idade madura, quando entraram na faculdade -- sofreram estupro intelectual. E ficaram assim.
[Pausa]
Antes de responder as perguntas eu queria lembrar mais uma coisa que está nessas discussões. Um deles diz lá: "ele diz que o Wittgenstein plagiou o Frege".
Eu não lembro se usei a palavra plágio, creio que não, mas disse que ele devia ao Frege tudo que havia de bom no seu Tractatus Logico Philosophicus. Esse pessoal me ouve emitir alguma opinião e pensam que o Olavo tirou isso do nada, não procuram investigar se tem fonte, se já foi discutido. Na verdade, essa opinião não é minha; quem disse isso foi o Michael Dummett. Ele disse que onde o Wittgenstein está na sua melhor forma no Tractatus é onde ele está apenas comentando ou explorando coisas que o Frege já havia dito e quando ele começa a discutir com o Frege, aí são as partes piores. Eu digo exatamente a mesma coisa. O curioso é que também a respeito daquela frase "eu não entendo essa teoria", Frege quando leu o Tractatus disse: "eu não entendo uma palavra do que você está dizendo, eu não consegui passar da segunda página, isto não faz o menor sentido." Reações desse tipo houve não só com relação aos livros do Wittgenstein, mas também com relação à teoria da relatividade e outras reações, são reações normais, agora, se eu digo, "olha, eu não entendo este conceito", os caras pensam o seguinte, primeiro que é uma confissão de ignorância e não se lembram de verificar se o conceito em si mesmo tem alguma coisa de estranho, se tem alguma dificuldade interna, para eles tudo isso não existe. E a segunda coisa que causou escândalo é: "olha, ele diz que a biografia do Newton foi falsificada, olha que coisa absurda." Parece assim que estou fazendo uma teoria da conspiração, aliás, um deles diz, "ele acusa a grande conspiração", também é outra frase inventada, eu nunca disse uma coisa dessas. Não posso considerar essa fofoquinha de ginásio que vocês fazem como uma conspiração, seria honrá-los demais. Vocês não estão conspirando nada, são apenas um bando de moleques fazendo fofoca. Com relação à biografia do Newton, qualquer sujeito que não saiba que a biografia de Newton foi falsificada desde sua morte da Newton até os anos quarenta, não sabe nada de história da ciência, nada. Talvez o episódio mais famoso da história da ciência é quando o economista John Maynard Keynes - um homem muito rico - que estava num leilão, comprou um lote de manuscritos que pertenciam a Isaac Newton, e quando foi lê-los descobriu que a perspectiva que as pessoas tinham sobre Newton era completamente errada; ele era em primeiríssimo lugar uma espécie de um esoterista, um alquimista ou coisa assim. Decorridos sessenta anos da publicação as pessoas não sabem desse fato e vocês acham que sou eu que estou inventando?
Existem inúmeros livros sobre isso. Se a pessoa se interessa um pouco pela história da ciência, tem de saber, tem de ler um pouco antes de empinar o narizinho e dizer, "olha, ele está dizendo que foi falsificado, isso é teoria da conspiração". Aqui tem alguns livros, esses aqui são famosos: Betty Jo Dobbs, Foundations on Newton's Alchemy; da mesma autora, The Janus Faces of Genius, livros muito conhecidos; e Michael White, esse é mais famoso ainda, The Last Sorcerer, o último feiticeiro, o que se entende hoje. Logo que Keynes descobriu esse fato as pessoas disseram, "olha que estranho, onde já se viu um cientista como Newton se ocupar dessas coisas de alquimia e profecias bíblicas etc", como se fosse somente um hobby. Acontece que esse hobby ocupava noventa por cento do tempo de Newton e as leituras posteriores como se vê nesse livro. Há também Charles Webster: From Paracelsus to Newton. Tem um mais significativo ainda, Alan Boyer, Isaac Newton Freemasonry. Esse Alan Boyer foi grão mestre da maçonaria francesa e faz no livro uma resenha da participação do Newton na maçonaria. A Royal Society foi fundada como uma organização maçônica, todo mundo ali era alquimista, esoterista, não era muito estranho. E não é que Newton se interessasse por essas coisas como se fosse, digamos, um interesse paralelo, ao contrário, ele estava criando um novo sistema teológico para fundar a ideia do monoteísmo absoluto. Ele era cristão, mas não aceitava a Trindade, a versão dele de Deus era como um monoteísmo absoluto mais ou menos de tipo islâmico, e ele queria fundamentar isso, então elaborou toda uma reinterpretação bíblica, estudos de alquimia, de astrologia etc. E a teoria da lei da gravidade se integrava dentro disso como um capítulo da demonstração, de maneira que, a rigor, não se entende o sentido real histórico da teoria da gravidade, embora você possa entender seu sentido técnico isoladamente, mas o sentido histórico que aquilo tinha para Newton não se entende fora desse quadro maior. Só que eu às vezes estou explicando essas coisas e as pessoas burras imaginam que todo mundo é burro, o homem inteligente tende a achar que todo mundo é inteligente. Quando falo dessas coisas, estou supondo que esteja falando para um público universitário, letrado, capaz de se informar, então, descubro que não é assim. Já estou com 65 anos e ainda fico chocado; ainda não consegui me acostumar que professores, que vêm de narizinho empinado ignoram tudo e quando você fala uma coisa que eles desconhecem, eles apelam para o argumento ad ignorantiam, "eu nunca ouvi falar disso" é o argumento terminal e final sobre qualquer coisa; a ignorância dele passa a ser a medida do que é humanamente dizível, expressável. Este aluno diz:
"Não sei se é sadio da minha parte, provavelmente sim, mas eu adoraria ver um desses professores de lógica sofrer um processo judicial e ter no mínimo que reconhecer e pedir perdão publicamente pela cagada cometida; por que o senhor não entra com um processo judicial?"
Olavo: Vinte anos atrás, quando houve a investida em cima do Imbecil Coletivo, um sujeito chamado Muniz Sodré passou um pouco da medida, foi processado e teve que pedir desculpas em público, publicou um edital lá no Jornal do Brasil dizendo, "olha, está tudo bem, não sei de nada, ele é uma grande pessoa..."
Quer dizer, tudo isso já aconteceu, a história se repete, vou ter que fazer isso de novo com esses desgraçados, eles não aprendem.
Eles não sabem desse episódio, eles não sabem quem sou eu, eles nem leram o que eu escrevi, como é que eles vão saber o que se passou comigo?
Quando se aventuram a discutir alguma coisa, pegam uma frase e nem frase de livro, pegam alguma frase que eu disse no True Outspeak, num programa de rádio, que é para comentar o apressadíssimo resumo de acontecimentos da semana e discutem aquilo até o fim, se gasta uma semana pensando naquilo. Convocam os amigos, discutem e decidem "vou contestar o Olavo de Carvalho"! Não precisava nem contestar: se eu disse alguma coisa errada ali, eu mesmo estou pedindo, por favor, me corrija. Teve outro que já pegou o negócio dos fetos usados para adoçante, que era uma pesquisa que a Pepsi havia encomendado, e eu informei que a Pepsi estava fazendo isso, ou se não era a Pepsi, era outro laboratório e a empresa suspendeu o negócio. O cara arrumou um forrobodó por causa disso, fez um tremendo barulho por causa de uma frase e pronto imaginou, "esmaguei o Olavo de Carvalho". Que coisa de criança! Eu na minha vida nunca achei que esmaguei ninguém, no máximo, numa discussão pública séria, você pode, se o sujeito for muito presunçoso, muito metido, você pode dar uma lição para ele, puxar as orelhas, humilhar um pouquinho. Mas dizer, "esmaguei, destruí, arrasei", contar vantagem disso, mas que coisa mais feia!
Aluno: Pensei algum tempo sobre a questão da astrologia e formulei uma hipótese que as previsões astrológicas poderiam se provar sem que, no entanto seja necessário existir uma influência efetiva dos astros, se considerássemos os acontecimentos recorrentes das gerações humanas, como por exemplo, os apresentados pelos estudos szondianos (ele escreve 'zondi', está errado) me parece razoável que um registro contínuo e tradicional de acontecimentos conseguiria estabelecer correlação entre os fatos observados e períodos em que se repetem (...)
Olavo: É possível, só que eu lamento informar: não foi você quem inventou a hipótese; há um antropólogo francês chamado Jacques Salbron, que esteve no Brasil e fez conferências, eu o conheci, conversamos longamente; a hipótese dele era essa. Ele escreveu um monte de livros baseado nesta hipótese, que até hoje eu não sei se é verdadeira, ou se é falsa, só que essa hipótese não tem nada a ver com o problema da correlação astral propriamente dita; são estudos completamente diferentes. Estes estudos de ciclos podem descobrir muitas coisas, mas não vão validar e nem impugnar a presunção astrológica.
Este aluno pede livros bons para começar estudo da história do Islã. Os livros do Joe Richardson são muito importantes, embora sejam teses um pouco arriscadas; tem também o Robert Spencer, comece por ele, você vai descobrir alguma coisa, porém, para entender o islã profundamente você vai ter que entrar na história do esoterismo islâmico, e daí você vai ter que ler Henry Corbin inteirinho e isso aí vai levar dez anos. A história da filosofia islâmica escrita pelo Seyed Hussein Nasr e Henry Corbin é muito importante; tudo que Seyed Hussein Naser escreveu é muito importante, se bem que sempre tem sempre uma função apologética. Ficam aí essas dicas.
Aluno: numa entrevista, William Lane Craig afirmou que crê em Deus, porque sua experiência pessoal em Deus é mais forte do que os argumentos de sua existência. Isso quer dizer que nossa experiência sensorial nos dá certeza que o mundo existe, o mesmo não acontece com Deus.
Olavo: Esse pessoal com essa mentalidade desses lógicos pensa que só existem duas coisas, por um lado existe a argumentação lógica e por outro o senso comum.
O senso comum é uma média de opiniões; eu digo: tanto o senso comum quanto as provas científicas, todas elas se fundamentam numa coisa que é o testemunho individual. O pessoal acredita fielmente nos testes científicos, na repetibilidade dos testes científicos, mas, existe um autor chamado Harry Collins que praticamente demonstra ser impossível repetir uma experiência científica; sempre existem variações, diferenças e a única coisa que vai colar um elemento no outro é o testemunho individual de um técnico que fez a experiência. Você sempre vai depender disso, não há como saltar. Um meio de certeza que seja, ao mesmo tempo, criado por seres humanos e seja sobre-humano na sua autoridade não existe. É sonho de todos esses lógico-matemáticos desde Bertrand Russel. O que eles querem é isso, um negócio que funcione assim sem contato humano. É como um sanduíche do Mcdonalds, tudo feito ou por máquina ou com luvinhas de plástico. Uma ciência assim simplesmente não existe. A confiabilidade do testemunho é a coisa básica e para mim qual é o modelo supremo de certeza que existe? Depois de examinar todos - eu estudei esse negócio da criteriologia, os fundamentos da certeza com o padre Ladusans por muitos anos, era a disciplina que ele mais gostava, a criteriologia (os fundamentos da certeza) - cheguei à conclusão de que não existe para o ser humano nenhuma certeza superior ao testemunho direto, só que essa certeza é sempre intransmissível a não ser através de um elo de confiança social. Se tudo, no fim das contas vai depender do testemunho, só quem tem certeza do testemunho é a própria testemunha. As verdades fundamentais que chegam ao ser humano chegam por experiência direta, são absolutamente inegáveis. Só que elas não têm validade coletiva e isto é um dos problemas mais bonitos que existem na filosofia e aparece o tempo todo em Sócrates, o problema da confiabilidade do testemunho. Sócrates sempre apela para o testemunho de seus ouvintes, mas eles não são obrigados a dizer a verdade, eles podem mentir, eles podem fingir. Isto quer dizer que em nenhum caso o ser humano tem acesso a uma certeza que seja, ao mesmo tempo, absoluta e inegável e que tenha autoridade sobre todos. As únicas certezas desse tipo são as certezas formais que são justamente as certezas da lógica matemática, que não dizem nada a respeito de nada, você ter certeza de que a = a não lhe diz absolutamente nada. Certezas universalmente válidas e que têm autoridade sobre toda humanidade só existem na ordem formal, todas as outras têm um vínculo com a experiência e esta só é transmissível indiretamente, através de símbolos e da linguagem que não podem validá-la. Eu não posso validar o meu testemunho com base naquilo que eu mesmo digo dele, eu só posso contá-lo e narrá-lo, então, a base da sociedade, como dizia Alan Peyrefitte é a confiança mútua. Se rompermos o elo de confiança, meu filho, é o "pega pra capar". Em ciência, como em tudo o mais. Eu citei para vocês um livro maravilhoso, Theodore Porter, Trust in Numbers, a fé nos números, e ele vai mostrando como foi a origem dessa crença que nós temos na confiabilidade dos cálculos e na confiabilidade dos experimentos científicos, demonstrando por a + b que qualquer experimento científico depende de equipamentos, e você precisa de um técnico que lide com os equipamentos. Como é que ele aprendeu a lidar com o equipamento? O manual de instruções lhe ensinou tudo? Não, ele precisa de uma prática, e na prática ele precisa de alguém que o ensine e esse alguém vai ensinar para ele, "olha, você aperta nesse botão, presta atenção nisso, presta atenção naquilo..." Ele tem uma série de elementos de transmissão pessoal, às vezes indizível, às vezes são olhares, são gestos, e você depende de tudo isso para que o equipamento funcione. E daí você acha que o equipamento vai lhe dar uma prova impessoal. Não é impessoal coisíssima nenhuma, tudo está baseado na confiabilidade do técnico que opera o equipamento, e ele sabe que outro técnico operando equipamento similar em outro lugar vai precisar aprender todo aquele conjunto de gestos e de sinais igual a ele, senão não vai funcionar; então, em tudo existe essa transmissão direta, humana, às vezes não verbal. Nós nunca vamos escapar disso, e se você apelar, "agora nós vamos aprimorar a técnica do cálculo ao máximo para nós podermos ter uma certeza que independa da subjetividade humana", quando você chega nisso, os computadores começam a fazer cálculos tão complexos que um ser humano não pode verificar, e você tem de confiar no computador; mas quem foi que programou o computador? Foi outro computador? E quem foi que inventou o computador? Foi outro computador? Então, o testemunho humano é o limite do nosso conhecimento, e se eu tenho a experiência pessoal direta de algo que se impõe a mim como uma certeza, tenho o direito e o dever de aceitar aquela certeza e esta fidelidade que você tem, a certeza daquilo que você sabe, é isso o que se chama a fé, porque, digamos que você fosse o paralítico que Jesus Cristo fez andar, você está lá ferrado há anos, entrevado no leito e chega Jesus Cristo e diz, "levanta-te e anda". E você levanta e anda. Ele precisa de fé para saber que isso aconteceu? Não tem fé nenhuma, mas testemunho direto. Mas ele precisa da fé para continuar fiel ao testemunho de seus próprios olhos, e não negá-lo quando o mundo o apertar, como Pedro negou. O mundo coloca para você aquele desafio "afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?" E ali você se acovarda e nega o que viu, o que tocou e o que sabe, então o que é a fé? Não é acreditar numa coisa que você não sabe, mas em algo que você sabe e com base no que sabe, você pode presumir outras coisas e confiar nelas.
Se Deus fez isso pode fazer aquilo também; essa segunda coisa você não sabe com certeza; você sabe por uma confiança que você tem, portanto, a fé é em primeiro lugar, a fidelidade ao próprio testemunho, e em segundo, a confiança na fonte do testemunho. Sem isto, não existe conhecimento, e isto não é irracional, isto é a base da razão. Quando você começa a fazer um raciocínio, coloca lá as premissas e vai fazendo bonitinho todo raciocínio até chegar à conclusão. O que lhe obriga a continuar fiel às premissas que você adotou no começo? Você pode mudar no meio. O que lhe obriga a lembrar das premissas? Nada. Então, sem a confiabilidade, e sem a memória do testemunho individual, não existe conhecimento humano. A presunção de criar um conhecimento humano com autoridade sobre-humana é coisa de maluco e em grande parte a inspiração de todos esses criadores da lógica moderna é isso, é onde eles querer chegar, não todos evidentemente. O próprio Wittgenstein não está entre eles, ele achava isso uma grande bobagem. Por essa razão ele escreveu aquele negócio de que "sobre o que não se pode falar, deve-se calar", chega-se ao limite da prova e não dá para se saber mais. Você precisa se conformar com esses limites da incerteza humana, que não são uma incerteza total. Se você proclamar a incerteza total também será um absurdo. Você sabe que todo conhecimento humano é apenas conhecimento humano, mas que dentro dos seus limites eles implicam certeza absoluta quando você tem o testemunho direto; isso é evidentemente a raiz de todo conhecimento sensato possível, mas também é necessário saber que o seu testemunho tem validade absoluta, mas não tem autoridade sobre os outros. Por isso você não pode impor aquilo aos outros nem provar completamente. Você pode dar indícios de razoabilidade, baseado em última análise na sua própria confiabilidade pessoal, alegando "eu nunca menti pra você, vocês me conhecem (como Sócrates), eu sou um cara sério, fui herói de guerra etc, não estou aqui para enganar ninguém, nunca me meti em trapaça, não sou do mensalão, então confia no que estou dizendo. Eu tenho um testemunho a dar e você pode dar o seu próprio testemunho." E isto é o máximo que nós podemos alcançar. Vocês não têm idéia do que é caprichar demasiado na arte da prova; em geral as pessoas não têm idéia da confusão que é este mundo da lógica matemática, a infinidade de teorias contrastantes, os debates que existem; quanto mais se tenta aperfeiçoar mais polêmica surge, é claro que é desse jeito, porque tudo isto é baseado na ideia daquela perfeição material independente do ser humano. O que não é simplesmente atingível pelo ser humano.
Este aluno escreve para agradecer a referência que fiz no sábado passado do autor Dietrich Von Hilderbrand:
Aluno: Mesmo sendo seu aluno desde 2001 confesso que nunca tinha ouvido ou lido o nome, então, logo que terminei a aula comecei a pesquisar (...)
Olavo: Eu conhecia o Dietrich Von Hilderbrand há séculos, mas eu só comecei a lê-lo faz um ano mais ou menos e estou cada vez mais maravilhado, porque em geral esses autores que escrevem sobre moral e ética falam muita bobagem e ele praticamente só escreve sobre isso, mas é de uma sabedoria e uma solidez muito impressionante, Pio XII dizia que ele era o doutor da Igreja no século XX.
Aluno: Eu vejo o sinal dos tempos, a universidade de Fordham que em 1940 acolheu o então refugiado Dietrich Von Hilderbrand hoje fecha as portas à cidadã americana Ann Coulter, os Estados Unidos acabaram?
Olavo: Ora, visite antes que acabem...
Muito obrigado, até a semana que vem.
Transcrição: André Fernando Matos Marques, Paulo Uzai Junior e Kênio Barros de Ávila Nascimento.
Revisão: Fernando José da Silva