Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula 41
16 de janeiro de 2010
Boa tarde a todos. Sejam bem-vindos.
Eu queria primeiro lembrar que no dia 28, quinta-feira, às 7 horas da noite, começará o curso da professora Margarita Noyes e nós estamos programando, para daqui a uns três ou quatro meses, uma série de seis ou sete conferências do filósofo Earle Fox, que é nosso associado e cúmplice aqui. Mais tarde eu darei indicações. Se quiserem conhecer o Earle Fox, o site é www.theroadtoemmaus.org
Como eu recebi inúmeros pedidos de dar uma orientação a vocês quanto às leituras da chamada Escola Tradicionalista --- René Guénon, Frithjof Schuon etc. --- eu decidi dar hoje uma aula sobre isso antes que seja tarde porque talvez não haja leituras que provoquem mais confusões. Em parte, por serem leituras muito fecundas, por trazerem inumeráveis sugestões úteis; e, em parte, por ser toda uma produção literária que vem desde sociedades esotéricas, cujas finalidades e operações --- não digo que são secretas, mas discretas --- de modo que o sujeito que pega um desses livros para ler sem saber qual foi o objetivo com que aquilo foi escrito, qual é o público a que está destinado e para quê, frequentemente se atrapalha um bocado. Eu acredito que todos vocês devam ter, ou, pelo menos, a maioria de vocês, deva ter tido algum interesse nesse tipo de bibliografia; talvez já tenha lido dois ou três livros. Eu mesmo várias vezes já admiti um certo débito que tenho para com essa escola, mas é necessário colocar as coisas dentro da sua medida justa.
Note que essa medida justa não pode ser obtida somente pela leitura. Eu somente pude obter isso, somente pude entender qual é o espírito da coisa, mediante a convivência direta com alguns representantes dessa, digamos, "escola" (porque não é bem isso), como Martin Lings, Seyyed Hossein Nasr, Rama Coomaraswamy e outros, isso há mais de 20 anos atrás. Mas dessa convivência, obtendo ali certas informações básicas e vendo o modus operandi dessas organizações, hoje, eu creio poder ler essas coisas dentro de um contexto que o público em geral desconhece, embora haja um enorme círculo de pessoas em todo o mundo que estão perfeitamente informadas disso. Se você não tem ideia do que é o debate interno dessas organizações --- e entre elas, porque não se trata de uma organização, mas de várias ---, você fica um pouco desorientado e, sobretudo, tomando os textos somente pelo sentido literal e imediato, quando não há nem um único desses livros que não tenha três ou quatro camadas de sentido ali subentendidas.
Como mote para esta aula eu escrevi esse texto chamado "Arte Sacra e Estupidez Profana" 1, que é somente para abrir o tema. Vocês devem ter recebido uma cópia e nós vamos lê-lo aqui, juntos, e eu vou interromper com alguns comentários.
"No seu livro memorável sobre "O Simbolismo do Templo Cristão" (Le Symbolisme du Temple Chrétien, Ed. Guy Trédaniel, 1990), Jean Hani observa que nos tempos modernos a arte sacra desapareceu do Ocidente, sendo substituída pela arte meramente "religiosa". A diferença é que esta última expressa apenas sentimentos ocasionais e concepções culturalmente localizadas, enquanto aquela é uma cristalização visível de certos princípios ordenadores, universais, transcendentes não só à subjetividade individual mas a todo condicionamento histórico-cultural. Junto com a arte sacra, essa mesma diferença veio desaparecendo do horizonte de consciência da modernidade desde o século XVIII pelo menos, só tendo sido recuperada parcialmente graças a um pequeno grupo de etnólogos e historiadores das religiões, como Mircea Eliade, Ananda Coomaraswamy, Matila Ghyka, Schwaller de Lubicz, Mary Hambidge, Louis Charbonneau-Lassay e outros. Estudando edifícios sagrados do extremo Oriente, da Índia, do Egito e da antigüidade clássica, esses pesquisadores descobriram que a estrutura dos templos obedecia a um conjunto de preceitos, substancialmente os mesmos que se poderiam observar nas catedrais da Idade Média cristã. Esses preceitos, por sua vez, condensavam todo um saber simbólico sobre a ordem da realidade em geral e o posto do homem no universo. Uma vez atravessado o véu dos símbolos, a presença desses mesmos ensinamentos em civilizações separadas por enormes distâncias no tempo e no espaço dava testemunho de algo que, na mais tímida das hipóteses, eram "constantes do espírito", que a História não podia explicar, porque constituíam, ao contrário, a moldura da possibilidade mesma de uma História humana."
Em primeiro lugar, vamos distinguir três coisas: a primeira é a descoberta, a constatação da existência desses princípios ordenadores cristalizados, por assim dizer, nas formas arquitetônicas dos templos sagrados de todas as épocas e lugares. Que existe aí uma unidade, e que essa unidade atende a certos princípios constantes do simbolismo, e que isso não tem como ser explicado historicamente --- é um simples fato. Até aí, estamos falando de mera ciência histórica. Daí, nós podemos tirar duas interpretações diferentes: a primeira interpretação é a de que se trata, como diria o Edgard Morin, de "constantes do espírito humano". (A expressão, na verdade, é do Julien Benda, mas, mais recentemente, quem a popularizou de novo foi o Edgar Morin). Ou seja, existem certos universais na mente humana que determinam o conjunto da nossa percepção da realidade. Então, dando a isso uma interpretação kantiana --- na verdade, a expressão "constantes do espírito humano" já subentende uma acepção kantiana, dizendo que essas constantes estão no espírito humano, estão no sujeito cognoscente, e não na estrutura da realidade --- de cara entendemos que essas constantes são supra-históricas. Não adianta querermos encontrar uma explicação histórico-cultural para a origem disso: isso não tem origem. Porém, essa interpretação, evidentemente, não satisfaz porque nós observamos que essas constantes que estão, por assim dizer, gravadas em pedra nesses edifícios, correspondem ou expressam certas propriedades objetivas da realidade que nos cerca. Isso é particularmente sensível no caso do estudo mais detalhado que foi feito a respeito da ordem interna de um templo, que é o estudo feito pelo etnólogo polonês Schwaller de Lubicz sobre o templo de Luxor. É uma coisa realmente abismante; o que ele consegue desenterrar das concepções cientificas egípcias ali é uma monstruosidade, é uma coisa muito impressionante e que basta para curar você, de uma vez por todas, da ilusão do progresso linear da ciência.
Lendo tudo aquilo, eu sempre me lembro da recomendação do economista e filósofo Jean Fourastié, que dizia que junto com a história da Ciência, a história do conhecimento, nós teríamos de fazer uma história da ignorância, porque aquilo que se conquista ao longo dos tempos às vezes é amplamente compensado por aquilo que se esqueceu, que se perdeu ou que se tornou ininteligível. Quando confrontadas [0:10] essas duas linhas de desenvolvimento, isto é, o que nós fomos adquirindo ao longo dos séculos e o que nós fomos esquecendo, é muito difícil evitar a conclusão de que a linha do esquecimento é maior, de que a quantidade do que foi esquecido é maior do que o que foi adquirido. Mesmo porque, para se readquirir isso, são necessárias novas conquistas, e a idéia mesma de um progresso linear do conhecimento se opõe a essa reconquista. De modo que, quando você descobre que alguma civilização antiga tinha tais ou quais conhecimentos que superam, às vezes, o que você conhece hoje, a tendência normal é abafar essa coisa ou recusá-la. Há de certo modo aí uma contradição entre o que é o ideal de ciência e a ciência como efetivamente existe, isto é, historicamente, como se pratica efetivamente na história. O ideal de ciência, que é, por si mesmo, um tema que nós vamos explorar mais tarde --- a ideia pura de ciência tal como aparece em Platão e Aristóteles e como se desenvolve ao longo do tempo --- é, evidentemente, de um chamado conhecimento apodítico; um conhecimento que é de algum modo indestrutível. Essa ideia, como bem demonstrou Russell, embora muitas vezes esteja muito além daquilo que a ciência pode realizar a cada momento, é ela que orienta, que dá forma ao conjunto dos esforços científicos --- mesmo quando estes falham em realizá-la, mesmo quando permanecem muito aquém desse ideal, ainda é ele que dá, como diz Russell, o sentido "teleológico" ou "finalístico" do esforço científico. Mas, entre o ideal de ciência --- a forma do conjunto --- e a matéria que o compõe em cada época histórica, isto é, o que os cientistas estão efetivamente fazendo, existe uma contradição permanente. Assim como, por exemplo, na vida de um indivíduo, o Eu ideal que ele projeta no futuro, aquele que ele quer ser quando crescer (se crescer), é um elemento estruturador permanente, mas, ao mesmo tempo, aquilo tem um choque constante com as suas possibilidades reais, com as suas tensões e desejos de cada momento. Quer dizer, nenhum de nós chega a ser o ideal que projetou e nem abandona completamente esse ideal; mesmo quando o renega, aquilo continua pesando, de certo modo, sobre ele e continua projetando sobre ele a forma, como diria Manuel Bandeira, daquilo "que poderia ter sido e que não foi". Na história da ciência você observa a mesmíssima coisa.
Nós temos, em primeiro lugar, o fato científico da descoberta dessas constantes; segundo, a interpretação kantiana delas como constantes do espírito humano; e terceiro, a verificação de que não se trata só de constantes do espírito humano, mas --- pelo menos aparentemente --- de leis objetivas que presidem ao conjunto da realidade, ao conjunto da própria história e, dentro desse conjunto da realidade, claro, ao próprio espírito humano. Uma quarta camada de interpretação é aquela que reporta esse conjunto de conhecimentos. Uma vez descoberta a presença deles, uma vez decifrado o simbolismo que os transmite, pode-se reportar o conjunto desses conhecimentos a um treco chamado Tradição Primordial.
Haveria uma espécie de supra-religião primitiva que remonta à própria origem da espécie humana; tradição que depois, de certo modo, se perde e se conserva na multiplicação das religiões. Essa interpretação que é subscrita, evidentemente, pelo próprio René Guénon. Porém, essa mesma expressão --- "tradição primordial" --- pode ser também interpretada em dois sentidos: o primeiro é o de que existe uma ordem total da realidade e que essa ordem não se torna totalmente desconhecida para o ser humano, por mais baixo que ele desça na sua conquista progressiva da ignorância. Seria como a ordem divina que estrutura, por sua vez, a ordem cósmica, que estrutura, por sua vez, a ordem humana --- e isso simplesmente não é perdido, não pode ser perdido. Não tem como você esquecer disso tudo, como não há como esquecer, por exemplo, de que o sol nasce e se põe todo dia, de que existem as direções do espaço, e assim por diante. São coisas que estão permanentemente aí, por menos que você pense nelas, por mais que elas estejam longe da sua consciência nesse ou naquele momento, elas não desaparecem por completo. Este é um dos sentidos em que se pode entender a Tradição Primordial.
O outro sentido é o de que essa Tradição Primordial era mantida por um sacerdócio, por assim dizer, pré-histórico, e esse sacerdócio tem uma continuidade secreta ou discreta ao longo do tempo, sendo o fornecedor ou provedor de "iniciações" --- havendo até uma sede secreta dessa Tradição Primordial localizada num lugar do oriente que o Guénon e outros chamam de agartha.
A existência da Tradição Primordial no primeiro sentido, eu creio que é um fato que pode ser comprovado; no segundo sentido, me parece uma empulhação completa. Quando você começa a compreender o sentido desse simbolismo e ver a suprema veracidade e até obviedade desses ensinamentos, para mim se torna duvidoso de que, para mantê-lo, seja necessário um sacerdócio. Não é preciso nenhum sacerdócio para lembrar-lhe de que você está dentro do espaço, que o espaço se estrutura em seis direções, que existem luz e trevas, tempo e espaço, digamos, a armadura total da nossa compreensão da realidade. Para lembrar o princípio de Anaximandro, de que você está sempre dentro de um horizonte de coisas conhecidas que boia, por assim dizer, num oceano do desconhecido, o ápeiron. Todas essas coisas, mesmo que sejam esquecidas historicamente, mesmo que elas desapareçam da cultura, estão de tal modo presentes e de tal maneira a sua presença é constante na própria estrutura da realidade, que, a qualquer momento, elas podem ser reconquistadas por qualquer ser humano que preste um pouco de atenção nelas. A hipótese de que seja necessário um sacerdócio secreto para manter isso --- e, mais ainda, que esse sacerdócio esteja localizado num ponto da Terra --- parece-me uma bela imagem. Como figura de linguagem, eu acho perfeita, mas, eu me lembro de que, para sustentar a tese da existência desse sacerdócio universal que esteja por trás e por baixo de todas as religiões, o René Guénon, nos anos 30, teve um debate com Jacques Maritain e outras pessoas, a propósito de um livro recém-publicado que se chamava Bestas, Homens e Deuses, de um autor polonês chamado Ferdinand Ossendowski.
Ossendowski era um sujeito mais ou menos ligado ao chamado "exército russo branco", fugiu sozinho da Rússia, durante a Revolução, levando uma espingarda e um saco de comida, pelo meio do mato, e foi para o Tibete. (O livro é interessantíssimo, como livro de aventura é uma verdadeira maravilha). Ossendowski conta que, através de sacerdotes tibetanos, foi introduzido num templo subterrâneo presidido por um indivíduo que portava o modesto título de "rei do mundo". Ali seria o centro da Tradição Primordial Universal, de onde secretamente irradiavam as iniciações para as várias sociedades iniciáticas do mundo como os sufis, a maçonaria, a companheiragem etc, etc. etc. Quando o livro foi publicado, surgiu muita polêmica em torno dele. O René Guénon, instantaneamente, usando o peso de toda a sua autoridade intelectual, reafirmou a autenticidade [0:20] do relato do Ossendowski e aproveitou para "vender o seu peixe", com a ideia da Tradição Primordial. Mais tarde, comprovou-se que o relato do Ossendowski era totalmente falso, que aquilo era uma gigantesca empulhação. Ou seja, aí já seria um vexame suficiente para nós entendermos que a autoridade intelectual do René Guénon, embora exista --- quem quer que tenha lido os livros dele sobre o Vedanta, sobre o Simbolismo da Cruz etc., tem que reconhecer que o homem é um portento e que trouxe contribuições maravilhosas ao conhecimento --- não era tanta assim.
Aqueles que quiserem mais detalhes sobre isso vão ter de ter a paciência de ler as mil páginas do livro publicado recentemente por um cidadão chamado Louis de Maistre (que não é parente do Joseph de Maistre), L'Énigme René Guénon, onde ele sonda os escritos de juventude do René Guénon e estuda especificamente um determinado problema: o Guénon repetidas vezes apresenta-se não como um autor individual, mas como um portador de ensinamentos esotéricos provenientes, diz ele, de fontes orientais autênticas. Do mesmo modo que faz essa alegação, ele se recusa a dizer que fontes são essas. Como, mais tarde, ao se mudar para o Egito, ele entrou em relações próximas com certas ordens sufis e como ele dedica o seu livro O Simbolismo da Cruz a um sheik chamado Elish El-Kebir, acreditou-se que provavelmente a fonte do René Guénon fosse esse sheik ou a organização sufi a que ele pertencia, que ele chefiava.
Acontece que não há nenhuma prova de contato direto entre o René Guénon e essa organização, a não ser por intermédio de um pintor holandês que ele conheceu e que teria sido o emissário desse sheik. As fontes das informações que o René Guénon dá sobre sociedades iniciáticas permaneceram um enigma. Ao mesmo tempo, sabia-se que ele havia pertencido a várias organizações ocultistas que depois ele mesmo combate com uma ferocidade extrema, alegando só ter entrado nelas para destruí-las por dentro. E sondando, sondando, sondando, o Luis de Maistre descobre que as fontes de alguns dos ensinamentos trazidos pelo Réne Guénon --- pelo menos nos seus primeiros escritos --- estão precisamente nessas mesmas sociedades ocultistas que ele renegava e combatia. Houve, portanto, um prodígio de desonestidade intelectual no começo da carreira do René Guénon. Isso não desmerece em nada os trabalhos que ele depois veio a fazer, como O Homem e seu Devir Segundo o Vedanta, O Simbolismo da Cruz, a coletânea que ele reúne sob o título de Símbolos da Ciência Sagrada e O Reino da Quantidade e os Sinas dos Tempos, que são uma sucessão de obras-primas absolutamente fantásticas. Eu, sinceramente, não acredito que nada do que o Réne Guénon escreve ali precisasse ter sido transmitido a ele por nenhuma fonte esotérica. A sua própria inteligência metafísica seria suficiente para descobrir tudo aquilo por si próprio, sem usar nada mais do que os recursos normais que o Espírito Santo fornece à inteligência humana quando empenhada seriamente na busca da verdade.
Como veremos adiante, nesse mesmo texto, o Réne Guénon chegou a ser denominado por alguns como a "bússola infalível no reino da espiritualidade". É bom saber o seguinte: o homem não era infalível de maneira alguma. Sobretudo quando entra no reino das análises históricas, ele comete erros monstruosos, como por exemplo o de proclamar, com base nos seus conhecimentos da tradição chinesa, que a China jamais seria bolchevique --- isso dito oito anos antes da tomada do poder pelos bolcheviques na China...
É claro que, hoje em dia, há guenonianos de estrita observância; eles ficam absolutamente escandalizados. Há um grupo deles, aí no Brasil (a começar por um sujeito gordinho chamado Luiz Pontual), que diz coisas horríveis a meu respeito, mas isso pouco interessa. Eu às vezes não ligo nem para a opinião que eu mesmo tenho a meu respeito, como é que eu vou ligar para a do Luiz Pontual? Eu já mudei de ideia a meu respeito tantas vezes... Outras pessoas também mudaram: num dia, dizem que eu sou um canalha, no outro, que eu sou um santo. Eu prefiro acreditar mais na hipótese da canalhice...
Por mais bravos que os guenonianos fiquem, é o seguinte: fatos são fatos. O livro do Louis de Maistre é enormemente chato porque ele vai pesquisar se partir cabelo em quatro, até descobrir de onde o Réne Guénon tirou alguma coisa. Então ele vai sondando as relações do cara com os personagens mais obscuros da época, penetrando nos meandros daquele submundo das organizações ocultistas até descobrir: "ah, foi este cara aqui quem deu a dica para o René Guénon!" etc. E, quando você vai ver, o cara não é nenhuma fonte oriental autorizada, não é nem oriental, nem coisa nenhuma, às vezes é um empulhador, ou às vezes um maluco, sonhador, como o tal do Saint Yves d'Alveydre, que inspirou muitas das ideias do Réne Guénon e que, em seguida, o desprezava.
Quando aparece alguém dizendo "eu sou a voz da Tradição Primordial", isso quer dizer uma espécie de supra-religião universal, anterior a todas as religiões e que continua no centro do mundo, orientando e constituindo o parâmetro de todas elas. De maneira que, quando uma delas "faz pipi fora do penico", vem a Tradição Primordial e a corrige ou a castiga, ou até promove a sua abolição, a sua supressão. Quando o sujeito vem com uma pretensão dessas e ao mesmo tempo diz: "eu não tenho porquê dizer quais são as minhas fontes ou as identificar", a resposta mais certa é: "ora, vá lamber sabão, meu filho!"
Por outro lado, isso não é motivo, evidentemente, para negar a enorme contribuição que esse pessoal trouxe. Qual é essa contribuição? Vamos ver o seguinte, continuando aqui:
"Hani deveria ter acrescentado à sua lista de pioneiros os nomes de René Guénon, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt, Seyyed Hossein Nasr e Martin Lings, que influenciaram consideravelmente o seu próprio trabalho. O detalhe que parece ter-lhe escapado é que, de todos esses autores, somente um --- Louis Charbonneau-Lassay --- era católico, e nenhum protestante. A reconquista da compreensão simbólica da arte sagrada cristã veio, em substância, de fora: de fora não só do clero ocidental, mas de toda a intelectualidade católica e protestante. Mesmo considerado só do ponto de vista da História da Arte, esse dado já seria inquietante: religiosos e leigos que não entendem o sentido dos edifícios onde oram estão, literalmente, perdidos no espaço. Mas a perda da compreensão dos símbolos é, ao mesmo tempo, a perda da ciência que eles veiculam. E esta ciência constitui, para dizer o mínimo, o único fundamento intelectualmente satisfatório de uma distinção entre o sagrado e o profano. Os que a perderam, por mais religiosos que sejam, estão condenados a curvar suas cabeças ante a ciência materialista, rebaixando-se ao ponto de esperar dela a legitimação racional da sua fé."
Vocês devem se lembrar de uma aula que eu dei, algumas semanas atrás, sobre o debate que houve entre os defensores da fé e os representantes da modernidade, onde eu vi que os primeiros deram um vexame extraordinário. Primeiro, por cair na esparrela de denunciar os próceres da modernidade [0:30] como "ateus" --- o que, para eles, não fazia a mais mínima diferença porque, se estavam promovendo o ateísmo, você, ao ser acusado precisamente daquilo que você quer fazer, não é uma grande novidade. E, segundo, por que esse argumento só valia para quem compartilhasse a fé do denunciante. Se eu, por exemplo, acuso um protestante de ser protestante, isso só significa alguma coisa para os católicos; para os protestantes não significa nada.
Aqueles primeiros defensores da fé --- Bossuet, por exemplo --- que se opõem aos primeiros arroubos da modernidade, estavam tão imbuídos da cosmovisão católica que não conseguem raciocinar fora dela, nem mesmo para entender o que o adversário está dizendo. Esse tipo de argumentação é absolutamente impotente. Em segundo lugar, porque atacaram os modernizantes no conteúdo das suas doutrinas, mas, ao fazê-lo, reconheceram a sua condição de filósofos --- o que eles jamais deveriam ter feito. A todos os representantes da modernidade, sem exceção, faltava completamente aquele mínimo de técnica filosófica que a própria escolástica tinha desenvolvido a um ponto que as pessoas nem hoje conseguem imaginar. Se você ler dois dos livros do Mário Ferreira dos Santos, chamados A Origem dos Grandes Erros Filosóficos e Grandezas e Misérias da Logística, verá que muita coisa que se celebra como avanço da técnica lógica conquistada a partir do advento da chamada Lógica Simbólica, no fim do século XIX --- tudo isso já estava dado nos Escolásticos, eles já haviam feito tudo isso, com muita antecedência. Ressaltar a modernidade da coisa só pode ser, evidentemente, fruto da ignorância completa --- e a ignorância jamais é um argumento legítimo.
O que eu entendo é que os defensores da cristandade já tinham, eles mesmos, perdido essa técnica filosófica e, por isso mesmo, consentiam em discutir com seus opositores no nível em que estes estavam. E, evidentemente, quando se tratava de baixar o nível, aquele que baixar mais, leva vantagem. O debate filosófico, na entrada da modernidade, é absolutamente deplorável. Quando você vê os debates que houve em torno das Meditações de Filosofia Primeira, do René Descartes, no final do livro, em que ele coloca "objeções" e "respostas" --- eu acho tudo aquilo de um baixo nível fantástico. (Não por falta de educação, claro; baixo nível intelectual. Em termos de polidez, eram todos muito bem educados, e até literariamente qualificados.) São discussões que realmente não apreendem a verdadeira gravidade do que está acontecendo -- e o que estava acontecendo era o que mais tarde seria resumido por Schelling na frase "com a modernidade, a filosofia baixou para um nível pueril". Esse é verdadeiramente o problema: quanto tempo passaria para que nós encontrássemos, dentro do campo cristão, do campo católico, autores qualificados para entender o que realmente aconteceu? Eu encontro pouquíssimos.
Um exemplo é o Jean Borella, um sujeito ligado a essa mesma Escola Tradicionalista mas que teve o grande mérito de perceber que tudo aquilo que o Réne Guénon estava apresentando como de fonte oriental já estava no cristianismo. Outro, foi o nosso Mário Ferreira dos Santos. Dentro do campo da historiografia, foi só muito recentemente que se começou a entender o que aconteceu naquele período. No século XIX, consagra-se uma visão historiográfica estereotipada, por exemplo, em torno do Iluminismo. O próprio fato de chamá-lo de "época das luzes" subentende que você está aceitando o mito de que antes havia um fenômeno de obscurantismo geral e que o pessoal do Iluminismo lançou ali as luzes da razão. Hoje, sabe-se que isso não foi assim de maneira alguma. Não foi nada disso. Por exemplo, a proliferação de sociedades secretas e iniciáticas naquela época foi um fenômeno absolutamente fantástico; praticamente não havia um desses iluministas que não estivesse ligado a uma coisa dessas. A difusão dos fenômenos do mesmerismo, que mais tarde ia dar, em parte, no hipnotismo, em parte, no espiritismo, também foi coisa da mesma época. O que se consagrou como verdade historiográfica foi apenas a autoimagem dos próprios próceres iluministas. A autoimagem altamente embelezada e retocada foi aceita como realidade, sem que ninguém tratasse de averiguar os fatos. Por exemplo, um dos mitos que se consagraram na época foi de que esse pessoal do Iluminismo representava o progresso da ciência, da natureza, que vinha sendo, então, obstaculizado e até reprimido pela Igreja Católica, especialmente pela Ordem dos Jesuítas. No entanto, as pesquisas hoje mostram que, dentro da própria Ordem dos Jesuítas houve mais cientistas e mais descobertas importantes do que em todo o campo iluminista. No caso, consagrou-se como verdade a exata inversão dos fatos. O fato é que essa inversão, embora fosse toda concebida dentro de um espírito francamente anticatólico, acabou sendo subscrita pelos próprios católicos. Eles raciocinam como se essa inversão fosse, de certo modo, verdadeira -- e, quando entram na briga, já começam até pedindo desculpas.
Entre outros tantos mitos que se consagraram ali está o medo da Inquisição Espanhola. Para se ver até que ponto essa versão publicitária do Iluminismo conseguiu penetrar a fundo na cultura ocidental contemporânea, esses dias, mesmo, eu estava lendo um artigo anticomunista de um general brasileiro, em que ele estava comparando os comunistas à Inquisição Espanhola, dizendo o seguinte: "quando um grupo de fanáticos toma conta do poder, eles fazem uma destruição danada, como por exemplo a Inquisição Espanhola, que durante séculos matou 30 mil pessoas por ano." Segundo quem entende do negócio, como o historiador Henry Kamen --- que é judeu, não tem nada de católico --- a Inquisição Espanhola, no total, em quatro séculos, matou 20 mil pessoas. Quer dizer, o camarada que é teoricamente católico, reacionário, anticomunista --- ele mesmo, ao usar essa figura de linguagem, mostra até que ponto a cabeça dele está moldada por esses mitos e lendas consagrados nos dois últimos séculos.
Quando você vê fenômenos como o padre Teilhard de Chardin, que, impressionadíssimo com as teorias de Darwin, tenta remodelar toda a doutrina cristã de dois milênios, para fazer dela uma espécie de apêndice no final do evolucionismo, você vê até que ponto o clero católico estava despreparado para lidar com essas coisas. Então, não é de se estranhar que tivessem perdido o sentido da chamada "ciência sagrada". Uma ciência que está cristalizada em símbolos, que, de certo modo, ultrapassa a capacidade humana de expressão em termos explícitos, que só dá para ser entendida mediante símbolos, mas que, para cada caso particular, uma vez atravessado o véu dos símbolos, você verifica de novo, e de novo, e de novo, a veracidade daquelas coisas.
[0:40] Quando esses conhecimentos voltaram ao Ocidente, foi através das mãos desses camaradas: Réne Guénon, [0:40:05], Schwaler de Lubicz, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt etc, etc. Nenhum deles era católico. É claro que é um vexame e é claro que não adianta a gente ficar bravo porque os caras são muçulmanos, budistas etc., não adianta, eles estão falando a verdade, então nós temos de aceitar isso aí. Só que, junto com essa parte de verdade, vem embutida a história da Tradição Primordial, das iniciações etc., a qual contém tantos absurdos intrínsecos que nós somos obrigados a rejeitá-la no todo. Por exemplo, quando o Réne Guénon fala de esoterismo cristão, ele está se referindo especificamente a duas organizações: a companheiragem e a maçonaria. Ora, não há traços efetivos da existência da maçonaria antes do século XVI.
Jesus Cristo diz claramente que não ensinou nada em segredo, que tudo que ele ensinou foi diante dos apóstolos e do público inteiro. Para acreditarmos que ele ensinou uma turminha em segredo e isso só veio a aparecer 16 séculos depois, é preciso muita imaginação. Quando, ao contrário, o Frithjof Schuon (e eu não tenho nenhum motivo para gostar dele; pessoalmente, poderia ter queixas contra o cara, mas nesse ponto ele estava coberto de razão) diz que o sentido mais profundo, iniciático e esotérico do cristianismo não estava em iniciações dadas fora da Igreja, mas nos próprios sacramentos, ele disse tudo. Réne Guénon, não tendo o que objetar a isso, simplesmente mandou avisar que se o Schuon fosse visitá-lo, ele não o receberia mais. Olha, eu conheço a psicologia humana: quando o sujeito faz essa pose de dignidade ofendida, é porque você o pegou com calças na mão e ele não tem o que dizer. No caso, o Schuon estava montado na razão: não há nada mais no cristianismo além do que está no sacramento. Se você escavar o sentido, vai encontrar tudo ali dentro.
De qualquer maneira, não podemos negar o vexame que remonta aos próprios debates no início da modernidade. Vamos continuar aqui:
"Nada poderia ilustrar melhor a crise do cristianismo --- e da civilização Ocidental inteira --- do que esse fenômeno a um tempo humilhante e providencial de nossos tesouros intelectuais perdidos há séculos nos serem devolvidos por pessoas estranhas às nossas comunidades religiosas. A arte sacra é, por essência, o único suporte sensível para a ascensão do fiel a um vislumbre das realidades espirituais últimas. A beleza, segundo Platão, é "a forma da Verdade". Desprovida desse suporte, a prática religiosa reduz-se a um obediencialismo literalista, grosseiro e compulsivo, apenas adornado aqui e ali pelas fantasias, não raro disformes, de "artistas", cristãos ou ateus, muito alheios ao universo de conhecimentos espirituais que, em suas obras, deveriam teoricamente expressar."
O ponto é o seguinte: esse tipo de ciência sacra gravado em símbolos é o suporte intelectual da fé. E, sem esse suporte, a coitada da fé começa a ter de responder a desafios que transcendem infinitamente a sua capacidade. Mais adiante eu vou observar --- devo adiantar já, para entender o que eu estou dizendo --- que, segundo a doutrina católica, especificamente a de Sto. Tomás de Aquino, o conhecimento da existência e das qualidades de Deus não é matéria de fé, é matéria de conhecimento e inteligência racional. Ora, quer dizer que, se não há esse conhecimento, ou se esse conhecimento existe apenas em termos teóricos, sem aquele suporte sensível gravado na arte sacra, que ajude o fiel a ter um vislumbre, uma visão mais intuitiva daquilo que está na doutrina sagrada, a fé fica desarmada, não só intelectualmente, mas imaginativamente, o que é uma coisa terrível. Você tem de acreditar não só naquelas partes da doutrina que a Igreja diz serem matéria de fé como, por exemplo, o nascimento virginal do Nosso Senhor Jesus Cristo, o que está no credo, em que só a primeira linha é matéria de inteligência racional. ("Creio em um só Deus, Pai onipotente, criador do céu e da Terra"). Depois, quando começa: "Em Jesus Cristo, seu único filho, Nosso Senhor" --- aí, já é matéria de fé. Agora, se você não tem a compreensão intelectual e o suporte imaginativo para entender a primeira linha, as outras todas, meu filho, tornam-se arbitrariedade. E foi aí que surgiu o sentido moderno da palavra "fé" --- moderno e profundamente herético --- como uma aposta no irracional, algo em que você acredita porque acredita. Quem consagrou esse sentido da palavra "fé" foi Immanuel Kant. Para ele, existe aquilo que é matéria de conhecimento e o conhecimento se limita ou aos conhecimentos de ordem puramente formal, como lógica, matemática etc. ou àquilo que é dado pelos sentidos. Daquilo que é dado pelos sentidos --- e isso é fundamental --- você só pode tirar as consequências que as ciências naturais subscrevem. Ora, aí você tem um divisor de águas, porque toda a tradição anterior dizia que o universo inteiro, tudo o que acontece no mundo físico, é símbolo das realidades divinas. Então, se você compreender a natureza não somente como composta de fatos brutos, imediatos, mas compreendê-la simbolicamente, você entenderá o mundo divino por trás e por cima de tudo o que você vê. E essa é justamente a linguagem dos símbolos, que faz a mediação. Se você perde a linguagem dos símbolos, os fatos do mundo físico só podem agora ser observados de acordo com os critérios das ciências modernas --- e esses critérios divergem da ciência antiga por uma infinidade de aspectos.
O primeiro é o modo de lidar com a matemática, o elemento matemático do conhecimento. Na ciência moderna, a matemática é apenas um instrumento de medição destinado a comparar um fato com outro, de acordo com as mesmas medições, ou a obter certas constantes matemáticas através do acúmulo de fatos. Ora, acontece que, no entendimento antigo, todo número, além de representar uma quantidade, representava uma forma lógica. Portanto, se você falava de "um", não estava falando só do "um" quantitativo, mas da ideia mesma de unidade. Se você falava do "dois", não estava falando só de "1+1"; estava falando da forma da dualidade: uma estrutura que pode ser descrita logicamente e reconhecida onde quer que haja um conflito. Por exemplo, quando você tem dois aspectos aparentemente incompatíveis de uma mesma coisa, e você sabe que ela se compõe de uma dualidade. Do mesmo modo, o número "3" não simbolizava só "1+1+1", mas a forma do ternário, e assim por diante, ternário, quaternário etc, etc, etc. A exposição extensiva dos números entendidos como formas lógicas [0:50] --- e, portanto, como indicadores ontológicos --- está dada, por exemplo, no livro do Mário Ferreira, A Sabedoria das Leis Eternas, onde ele não só expõe o sentido originário dos números de um a dez, mas prossegue contando --- 11, 12, 13, até mil e não sei quanto. Ele diz que esses números são não apenas formas lógicas, mas leis estruturantes da própria realidade. Ora, quando o sentido simbólico dos números se perdeu, sobra somente o número quantitativo e a ciência moderna só admite lidar com o número quantitativo, ela não tem como ir além disso.
Isso quer dizer que os entes já não podem ser considerados como formas lógicas significativas, mas apenas como dados quantitativos. É claro que isso é um empobrecimento intelectual monstruoso*.* Schelling foi até bondoso quando disse que houve uma descida a um nível pueril. Isso não é descer a um nível pueril, é descer ao nível do mentecapto. O sujeito que sabe contar até dois, mas não sabe distinguir unidade de dualidade; não sabe, por exemplo, que todo problema tem a forma de uma dualidade e que, se ele contou até dois, não está falando só do elemento materialmente matemático, mas de uma fórmula lógico-matemática que se expressa onde quer que apareça uma dualidade. Hoje em dia, para as pessoas compreenderem uma dualidade já é um problema. Quando elas chegam a raciocinar como Hegel, que chega até o ternário --- tese, antítese, síntese --- são consideradas gênios. Quando você vê que, numa fase anterior, todo esse universo dos números era transparente: para um Sto. Tomás de Aquino, para um Sto. Isidoro de Sevilha, para Sto. Alberto Magno. Quer dizer que, se o sujeito estava lidando com um problema, ele conseguia lidar com aquilo como unidade, dualidade, ternário, quaternário, milhares de formas diferentes. No século XX, o nosso Mário Ferreira dos Santos vai restaurar, com base nisso, o que ele chama "decadialética": enfocar um tema, um ente, um problema, sob dez formas lógicas sucessivas. Encará-lo como unidade; como dualidade ou oposição; como ternário ou estrutura silogístico-dialética; como quaternário, isto é, como proporção; e assim por diante. Quando você vê tudo isso recuperado pelas mãos do Mário Ferreira e você vê que isso já estava nos escolásticos, você entende que a redução das matemáticas a um instrumento de medição foi um crime monstruoso contra a inteligência humana.
E, junto com esse crime, vem o da perda do sentido simbólico da realidade exterior, do cosmos onde você está. Isso quer dizer que para a mentalidade medieval escolástica, o versículo bíblico "os céus e a terra cantam a glória de Deus" não era só poesia. Era uma técnica de decifração das formas, de apreensão do sentido simbólico da natureza. Quando se perde essa linguagem, o sentido simbólico continua existindo, porém só como figura de linguagem, como criação poética, cultural. E, naturalmente, esses símbolos percebidos já não podem expressar a estrutura da realidade --- e muito menos o mundo divino por trás dela --- mas expressa apenas os sentimentos na alminha do poeta. Por exemplo, que a namorada o largou e está chovendo, então, ele diz que a natureza está chorando por causa do seu draminha. Esse rebaixamento da linguagem poética, quando você compara os poetas românticos, por exemplo, com Dante, você vê que alguma coisa se perdeu. Porque, em Dante, cada coisa que ele coloca lá − quando ele fala de "selva", se você vai rastrear o que quer dizer a "selva", tem dez camadas de significado. Quando aparecem o leão, a loba, o cachorro etc., está tudo montado num sistema simbólico perfeitamente coerente e unitário que é o mesmo que aparece na estrutura das catedrais e na arte sacra, nos vitrais etc. De repente, o sujeito rebaixa tudo isso a usar os entes da natureza para exprimir os seus "sentimentozinhos".
Em Victor Hugo, que foi um grande poeta francês do século XIX, Bernanos via o suprassumo da baixeza intelectual, ele era o "anti-dante". Chamar aquilo de poesia era uma vergonha, porque era apenas a expressão das dores de corno de um burguesinho idiota que, é claro, dominava a linguagem e às vezes produzia umas ressonâncias bonitinhas. Mas era só. Quer dizer, com o sentido da arte sacra tinha-se perdido também o simbolismo da natureza, e com o simbolismo da natureza, tinha-se perdido a visão da própria natureza, sobrando somente esses fragmentozinhos recortados pela ciência moderna e medidos e comparados uns com os outros para tirar conclusões frequentemente inócuas.
E, sobretudo, você vê que, no contexto escolástico, a visão que os grandes artistas, os filósofos e os místicos tinham da natureza era substancialmente a mesma que o povo tinha**.** O universo de Dante não existia só para ele, existia também para o último camponês analfabeto --- a única diferença é que o Dante enxergava mais, mas era a mesma coisa; ao passo que, no mundo moderno, o universo da ciência torna-se ininteligível, incomunicável com o universo da experiência humana comum e corrente ao ponto de você poder até negar significação às teses científicas. E é exatamente esse o assunto do mais brilhante livro de Edmund Husserl, A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental, onde ele diz que as ciências perderam o fundamento da sua própria cientificidade. Elas não são mais científicas; viraram outra coisa. Na medida em que viraram outra coisa, cortaram o elo com o mundo da experiência, a que ele chama Lebenswelt, o "mundo da vida", e já não significam mais nada exceto como uma regra de jogo, que vale para os profissionais da área --- os quais também não sabem dizer o que aquilo significa.
Você vê que essa perda foi uma crise civilizacional monstruosa, que afeta não só os ateus, materialistas etc., ela afeta todo mundo. Ao ponto de que os católicos tiveram de ser socorridos por esse grupo de hereges. E esses, por um motivo ou outro, tinham conservado o senso daqueles simbolismos; viam que em outras civilizações havia ainda pessoas que tinham essa noção, como na Índia.
Eu mesmo, se formos falar em fontes orientais autênticas, tive uma delas ao meu alcance, o Swami Dayananda Saraswati, que era o diretor da academia védica de Bumbai, a academia que representa não uma corrente religiosa, mas a própria tradição hindu, tal como reconhecida tradicionalmente pelo próprio governo da Índia. Esse cidadão esteve no Brasil por várias vezes e eu tive a honra e a oportunidade de servir de guia turístico para ele. Eu ficava, evidentemente, cravando o homem de perguntas o tempo todo. E nós víamos, por exemplo, que essa noção do simbolismo da natureza para ele era óbvia, estava presente; não era uma coisa que ele teve de recuperar lendo Réne Guénon. Ele nunca tinha lido Réne Guénon, nem ouvido falar dele. Ele pegou aquilo das fontes tradicionais hindus e aquilo, para ele, era o óbvio dos óbvios.
Através dessas vias indiretas, a coisa volta ao Ocidente, mas volta com uma tara congênita: essa história da Tradição Primordial entendida materialmente, note bem. Se falar em tradição primordial como figura de linguagem, como símbolo, ela está gravada no próprio Universo. A primeira revelação que Deus fez foi a criação do Universo [01:00] e ele o criou segundo a forma, a medida e o número.
Isso está na Bíblia. Portanto, Ele criou um universo de aparências inteligíveis não somente no sentido operacional da ciência, mas inteligível como linguagem que remete a Ele. Então, é claro que houve a revelação primordial. No instante em que Deus disse fiat lux, estava ali. Ele não disse: "que se façam as trevas" --- fiat tenebrae --- ele disse fiat lux, faça-se a luz. A luz é a revelação, é a mostração. Não é nem a demonstração, é a mostração, é um universo que se revela ao ser humano, para o qual o universo foi feito. (Isso eu aprendi no catecismo, quando criança. O padre perguntava: "para quem Deus fez o mundo?" "Para o ser humano.") E, neste sentido, quando mais tarde o filósofo grego dirá: "o homem é a medida de todas as coisas" não estará totalmente errado, porque tudo foi feito na medida de poder ser apreendido, compreendido e decifrado pelo ser humano de tal modo que, através do cenário inteiro das aparências, ele pudesse penetrar numa sucessão infinita de mistérios de luz --- não mistérios de trevas --- no sentido em que, muito mais tarde, o próprio Albert Einstein dirá uma frase maravilhosa: "a única coisa incompreensível é que tudo seja tão compreensível". Quando você começa a olhar esse universo de símbolos e a descobrir na própria cultura --- ocidental ou outra --- os sinais de que tantos homens compreenderam isso e viram a mesma coisa que você está vendo, você entende que, no conjunto da realidade, não há um equilíbrio entre luz e trevas. Não. Há um pontinho de trevas e um oceano infinito de luz, que nunca acaba. É isso mesmo que foi perdido na entrada da modernidade e uma das consequências dessa perda é o que eu chamo "sobrecarga da fé": é quando você aceita a regra do jogo que lhe foi imposta por um Kant e acredita que o conjunto da sua religião --- seja ela católica ou protestante --- depende da fé. Ou seja, uma aposta, uma coisa irracional que vai alheia ao universo do conhecimento. É claro que para o sujeito acreditar na sua fé contra tudo, contra todas as evidências científicas etc. é um desafio invencível. Então, ele busca apoio nas ciências tal como existem agora, quando ele deveria ser o primeiro a criticá-las. Por exemplo, eu não conheço um autor cristão que tenha feito uma crítica da ciência moderna tão profunda quanto a que Réne Guénon fez no livro Os Princípios do Cálculo Infinitesimal, onde ele mostra que a característica principal dos matemáticos modernos é não saber o que é um número, que se confunde apenas com a quantidade.
Réne Guénon era um muçulmano. Desde o início, ele foi agente de organizações islâmicas, se bem que não foi delas que ele obteve todas as suas fontes. Quando você vê que um muçulmano está fazendo o serviço em nosso lugar, é um vexame monstruoso. Mas, naturalmente, como bom muçulmano, ele dá aos cristãos de volta esse conhecimento, mas, ao mesmo tempo, ele puxa a brasa para a sua sardinha. E já veremos como ele faz isso. Vamos continuar lendo aqui.
"Desprovida desse suporte, (...)
quer dizer, o suporte sensível dos símbolos
"a prática religiosa reduz-se a um obedencialismo literalista (...). Mesmo descontando monstruosidades explícitas como as catedrais de Brasília e do Rio de Janeiro e outras celebrações em pedra de tudo quanto há de mais hostil ao cristianismo, os locais de culto são hoje em dia meras construções profanas usadas para fins nominalmente religiosos."
Usa-se estádio de futebol, um hotel, um galpão --- qualquer coisa. Isso quando não se constrói uma coisa que se parece... por exemplo, a catedral do Rio de Janeiro. No que se inspira a sua forma? Eu tenho certeza de que aquilo foi inspirado num defumador. Tem aquele cone e, mais dia, menos dia, deverá surgir uma gigantesca mãe de santo que vai tocar fogo naquele negócio, e vai começar a sair fumaça. A catedral de Brasília foi inspirada obviamente num cacho de banana virado de cabeça para baixo. Verifique, faça o experimento: pegue o cacho de banana, vire-o para baixo: é a catedral de Brasília. E assim por diante. Há, atualmente, uma proposta de um templo a ser construído na cidade de Pietrelcina, nominalmente em homenagem ao padre Pio, cuja forma é a de uma serpente, cuja boca se abre e por ela entram os fiéis. Aí já não é mais apenas a redução da arte sacra a formas vulgares, mas a sua completa inversão do simbolismo.
"Esse fenômeno, por si, basta para ilustrar o estado de alienação que foi se espalhando entre sacerdotes e intelectuais cristãos nos últimos séculos, tornando-os incapazes de fazer face aos desafios culturais e ideológicos da modernidade; desafios que, em si mesmos, nada tinham de muito temível e que poderiam ter sido exorcizados, sem maiores dificuldades, por uma classe intelectual capacitada. Que o debate religioso dos últimos séculos tenha se congelado no estereótipo "razão versus fé" foi somente o primeiro sinal da inépcia que havia se espalhado entre os intelectuais religiosos. As vulgaridades do modernismo católico e do "protestantismo liberal", para não falar da "Teologia da Libertação" em suas várias versões, teriam sido facilmente estranguladas no berço se os defensores da religião tivessem uma compreensão mais aprofundada dos princípios universais que a fundamentam.
Note bem, o que eu digo com "princípios universais que a fundamentam"? É a primeira linha do credo. Toda a ciência e toda a razão humana estão na primeira linha do credo. Isso não é matéria de fé, é uma coisa que você tem de averiguar por si mesmo, mas só há um meio de fazê-lo: através da ciência sacra, a ciência dos símbolos. Aí você começa a perceber as coisas. E note bem: a ciência dos símbolos, por sua vez, não pode ser criação cultural porque ela aparece tal e qual nos templos e na arte sacra das civilizações mais díspares e até hostis entre si. Essa parte, quanto à existência e as qualidades de Deus, é conhecimento universal, que está ao alcance do hindu, do budista, do judeu, de todo mundo e por igual. A parte que diz que é matéria de fé, repito pela milésima vez, não é crer numa doutrina; é confiar numa pessoa. Jesus Cristo chega até nós através de uma doutrina a respeito dEle? Não, Ele veio pessoalmente. Ele andou por aí e Ele disse "Eu sou o Filho de Deus encarnado, Eu sou o Verbo Divino". E quando Lhe perguntaram se era isso mesmo, Ele disse: "o que vocês estão vendo? O cego enxergar, o paralítico andar, o leproso ficar curado. É isso que vocês estão vendo". Ele atestou a Sua identidade e a Sua missão por meio de milagres.
Esses milagres não pararam com a morte de Jesus Cristo; ao contrário, eles continuam acontecendo em doses assombrosas. Provavelmente existem mais documentos a respeito dos milagres do que de qualquer outro gênero de fatos. Por exemplo, se você disser "eu quero provas da existência histórica de Napoleão Bonaparte". [1:10] Você tem mais provas dos milagres do que de Napoleão Bonaparte. E tudo isso hoje é simplesmente colocado de lado. Quando acontece um milagre, as pessoas dizem que isso é matéria de fé. Como? Quando Jesus Cristo curava o paralítico, este simplesmente começava a acreditar que estava andando ou ele saía andando de fato? Se foi só acreditar, então foi uma empulhação. E quando o próprio Jesus apela ao testemunho dos enviados de João -- "contem ao João o que vocês estão vendo" -- ele está usando o quê? Uma comprovação científica. Ele disse: "eu estou afirmando quem eu sou e estou mostrando que eu sou". Portanto, isso não é matéria de fé de maneira alguma. Claro: o sujeito que ainda não tinha sido beneficiado pelo milagre ouvia falar de Jesus e acreditava, tanto que o doente chega até ele e diz "eu não posso me curar, mas você pode porque é o Filho do Deus vivo". Aí, era a fé do sujeito. E depois que ele saiu curado, saiu andando? Ele vai dizer "agora é matéria de fé"? Não, isso é um fato. Antes, ele tinha fé; agora, ele tem o conhecimento. "Eu vi, eu sei que Jesus Cristo é o Filho do Deus vivo porque eu era paralítico e agora estou andando, eu era cego e agora estou andando, eu era leproso e agora o meu corpo está limpo."
Ora, isso quer dizer que o sujeito que disser que a fé é acreditar numa doutrina está mentindo. Kant mente quando diz isso, ele sabe que não é isso. E quando o padre diz a você que é isso, ele também está mentindo. E, no entanto, quando eu disse isso, falei pela primeira vez do óbvio dos óbvios. Eu disse que cristianismo não é uma doutrina, é uma sucessão de fatos miraculosos a respeito dos quais depois se construiu uma doutrina. Acreditar numa doutrina é somente uma maneira indireta de se chegar lá. Mas você acredita na doutrina por dois motivos: primeiro, porque há os testemunhos da época; segundo, porque há os testemunhos atuais dos milagres. Quando levaram ao Padre Pio aquela menina que não tinha pupilas e ele fez a menina ver sem pupilas, o que é absolutamente impossível, e a menina enxerga --- isso é matéria de fé? Ela diz "antes, eu não enxergava; agora, acredito que estou enxergando"...
Esses milagres acontecem e, às vezes, não são nem pelas mãos de pessoas santas. O cantor de ópera, o tenor Mario Del Monaco, era um homem muito religioso, ia à missa todo dia. Era um canastrão, mas era também um homem muito religioso, muito dedicado, muito sincero. Havia uma moça cega em Roma que, quando ia ouvir o Mario Del Monaco, durante o tempo em que durava a música, ela enxergava tudo. Depois, parava de enxergar. Isso pode acontecer a qualquer momento. Isso é matéria de fé? Eu acredito que estou enxergando? Não: eu estou enxergando; vejo tal coisa ali, tal coisa é de tal cor; ali está o seu fulano; o teatro é assim, assim etc . Os milagres são os fatos mais presentes no mundo. A quantidade de milagres que acontece no mundo é uma coisa assombrosa. Se você não procura se documentar e diz "é tudo matéria de fé", você está evidentemente negando um dado da realidade.
Se bem que existem estratégias lógicas para você escapar da compreensão do que é um milagre. Se vocês procurarem na página voegelinview.com, tem lá um extrato de uma conferência minha: "What is a Miracle?"2. Era uma gravação minha que um cidadão do Eric Voegelin Forum resumiu. Está muito bem resumida, foi exatamente aquilo o que eu disse. Está lá explicado que um milagre não se diferencia dos outros fatos pela sua causa sobrenatural, mas pela sua própria estrutura sobrenatural. Mesmo você não considerando a causa, o fato mesmo não pode ser classificado como um fato comum, de ordem física, apenas provocado por supostas causas sobrenaturais. Não: há diferenças intrínsecas do milagre. Você não precisa apelar a uma suposta causa; o milagre é sobrenatural em si mesmo. Está lá explicado. Deem uma olhada lá e vocês vão entender melhor o que eu estou querendo dizer.
Repentinamente, tudo isso é perdido, e você tem de apostar tudo num treco chamado "fé", que é acreditar numa doutrina que você não pode provar. O que lhe resta senão apelar à própria ciência materialista para que ela dê testemunho em seu favor? Isso é um trabalho sem fim porque depende da interpretação que se dá à ciência materialista: interpretada num sentido, ela confirma a fé; interpretada no outro, ela a desmente. Essa é uma discussão que não tem fim.
Vamos lá:
"Na ausência dessa condição (...)
Isto é, que "os defensores da religião tivessem uma compreensão mais aprofundada dos princípios universais que a fundamentam".
"aquelas correntes (...)
O modernismo católico, o protestantismo liberal, o judaísmo liberal etc.
"adquiriram uma importância desmesurada, suscitando, em reação, o surgimento de tradicionalismos meramente exteriores, baseados antes numa exasperação de sentimentos religiosos ofendidos do que numa compreensão real da situação. (...)
Você não tenha dúvida de que, entre esse pessoal da Igreja que se diz tradicionalista --- e onde estão, segundo minha experiência, as melhores pessoas da Igreja, as mais sinceras, mais honestas --- nesse meio, a compreensão da estrutura simbólica da realidade está tão faltante quanto entre os seus adversários. Apenas eles são apegados à fé da sua infância, à fé que herdaram de seus pais. A atitude, o combate deles é heroico, sem dúvida, mas não é um combate sustentado por uma efetiva compreensão da situação.
Quanto tempo já foi de aula? Vamos fazer um intervalinho e daqui a pouco nós continuamos.
Vamos continuar aqui:
"Não creio que seja possível compreender nada da história dos últimos séculos sem encará-la desse ponto de vista, pois as religiões são a espinha dorsal de suas respectivas civilizações, e a multidão levada, ou a abandonar a fé ou a sustentá-la sem qualquer apoio estético e intelectual, está condenada a ver-se presa de toda sorte de fantasias e delírios satânicos, que acabam se incorporando à cultura superior e à vida cotidiana. Não conheço um só indivíduo humano cujos dramas pessoais não remontem, de algum modo, a esse processo.
Eu falo isso não genericamente, mas por experiência. Afinal de contas, na minha própria condição de professor eu já tive que ouvir alguns milhares de pessoas pedindo conselhos, contando seus dramas etc. E por ver que, em última análise, o ambiente de total incerteza religiosa no qual o sujeito vive --- ao qual ele se curva, abandonando a fé, ou ao qual ele procura se opor, mediante uma espécie de exagero da fé --- está no fundo de toda essa fragilidade que a gente observa nas personalidades hoje em dia.
"Também não imagino como os fenômenos paralelos da invasão islâmica e do ódio anticristão generalizado possam ser explicados fora desse quadro, tão distante da imaginação dos cientistas políticos e analistas de mídia. (...)
Isso quer dizer que tudo o que você vê em matéria de comentário político, análise estratégica etc. é periferia da realidade [1:20]; quer dizer, não está vendo a coisa dentro do seu quadro histórico mais constante. Vocês vejam que frequentemente os analistas políticos fazem analogias de situações atuais com outras que se passaram há séculos. Está aqui uma pergunta do Rogério Perego sobre como fazer essas analogias.
A analogia é uma síntese de semelhanças e diferenças, de maneira que praticamente se pode fazer analogia de tudo com tudo, se você assim quiser. Só tem sentido você referir o fato do presente ao fato do passado quando existe uma clara linha de continuidade entre uma coisa e outra, não apenas por similaridade. A analogia, por si mesma, não prova nada. A função das analogias não é declarar a verdade, mas torná-la visível. A analogia, como eu expliquei há um tempo atrás, na definição da Suzanne Langer, "o símbolo é a matriz de intelecções". Não é que você vai ver a verdade no símbolo; ele vai evocar em você a capacidade de perceber determinadas verdades. Só que isso aí só funciona quando você aplica essa analogia direitinho, distinguindo, porque a primeira condição é distinguir o que é uma mera analogia --- tecnicamente se chama "analogia de atribuição extrínseca" e "analogia de atribuição intrínseca"--- quando há realmente uma equivalência interna dos fenômenos considerados ou quando há apenas uma similaridade externa, uma semelhança externa. Essa é uma arte que precisa ser muito desenvolvida e que supõe, no praticante, primeiro, o domínio da própria imaginação literária da linguagem. Sem isso, não vai. A primeira condição das boas analogias é que elas sejam esteticamente significativas, senão, não funciona. Mas também é preciso sobretudo distinguir o que é uma mera analogia do que é uma continuidade real. Por exemplo, esses dias eu estava lendo a análise feita por um empombadíssimo ex-professor da USP, Oliveiros Ferreira, em que ele faz analogias entre os problemas atuais do petismo, o Foro de São Paulo etc. e a primeira Constituição brasileira de 1889 [1824?]. Não há continuidade alguma entre uma coisa e outra porque as constituições já mudaram mil vezes. É apenas uma analogia, que para ele representa uma evidência, uma prova --- prova de que o sujeito não sabe lidar com essas coisas. Nem eu esperaria isso de nenhum professor uspiano, jamais na minha vida.
"A Igreja sempre insistiu que o conhecimento da existência e das qualidades de Deus não é matéria de fé, mas de inteligência racional. Matérias de fé são, em contrapartida, o nascimento miraculoso de Nosso Senhor Jesus Cristo, Sua missão de Salvador, etc. Mas esta fé, sem aquele conhecimento, dificilmente pode se defender de ataques um tanto sofisticados intelectualmente. (...)
E o primeiro ataque sofisticado intelectualmente é interpretar essas coisas como matéria de fé, no sentido kantiano e não no sentido concreto da confiança numa pessoa real, existente e que age. A ação de Jesus Cristo no mundo se prolonga até hoje, e isso é atestado por milhões de milagres. Se você não quer saber de toda essa coleção de fatos porque eles não foram noticiados na Rede Globo, porque não saiu no Estadão, na Folha, então, meu filho, você preferiu a política do avestruz: enterrou a cabeça na areia e não quer saber de nada. Quando nós temos a ousadia intelectual de começar a colecionar esses fatos, certamente não há fatos mais importantes no mundo do que os de ordem miraculosa. Se você os ignora e pretende contar a história só com os outros fatos, aí, já dançou, meu filho. Você reduziu o mundo à esfera da experiência sensível imediata, desconectada do próprio quadro epistemológico no qual a experiência sensível adquire algum sentido. Então, vira a experiência atomística, o tipo da experiência científica, em que são considerados só determinados aspectos. Você pega um aspecto abstrato e está considerando que esse abstrato é a realidade. Você virou tudo de cabeça para baixo; não há mais remédio. Você fugiu da realidade concreta e se refugiou num mundo de abstrações frequentemente convencionais.
Se você quer compreender a realidade, você tem de se abrir a ela toda, com toda a sua complexidade. Num primeiro momento, você vai se sentir afogado num oceano de fatos que você não compreende --- esta é a condição humana real. Por isso Aristóteles dizia que o conhecimento começa com o espanto: se você foge do espanto, não tem mais jeito. A Bíblia diz que o conhecimento e a sabedoria começam com o temor de Deus; Aristóteles diz que começam com o espanto --- será que não é a mesma coisa? Aristóteles não tinha doutrina teológica para sustentar isso, mas ele sabia que a palavra que ele usa para dizer "espanto", thambos, tem uma ressonância religiosa. O espanto é um temor; temor de algo que o transcende infinitamente. Lembra daqueles exercícios que eu dei no começo --- para você se abrir para a percepção da imensidão do ambiente físico no qual você está, como um pontinho no espaço? Muitas pessoas não aguentam fazer essa experiência; nunca a fizeram. Ou só fizeram quando criancinhas, não lembram mais. Você saiu da realidade já naquele tempo, porque esse é o lugar do espaço no qual você de fato está. Você pensa que está num quadro limitado, que está sob seu controle etc. Não: isso é uma abstração; você recortou só os pedaços conhecidos e mais próximos e diz que o mundo é isso. Mas isso é da sua própria invenção. Quando você volta ao mundo real, você vê que, de fato, você é um pontinho perdido no espaço; é um nada. E, no entanto, esse nada está observando, está consciente do que está acontecendo --- esta é a condição humana real. Se você foge dela, todo o seu quadro cognitivo está disforme. Você não quer mais a realidade. O que eu posso dizer é o seguinte: abra-se de fato a essa realidade. Sem medo. Ela não vai destruí-lo. Ela vai destruir as suas ilusões. Eu já contei a experiência de estar andando no mato, tudo escuro, não se via nada, não se enxergava um centímetro à frente do nariz, nem um palmo, e só se ouvia o ronco do mar à grande distância. Eu vi que estava pensando, mas, de repente, falei: com quem eu estou falando? Não há ninguém aqui, eu estou sozinho. Um idiota falando consigo mesmo, no meio do espaço escuro. A realidade que tem aqui é essa: o espaço escuro e o ronco do mar, essa é a realidade. O resto está só na minha cabeça. Claro que eu fiquei muito decepcionado comigo mesmo ao ver que os meus pensamentos não tinham a mais mínima importância. É justamente essa decepção consigo mesmo que vai, aos poucos, livrando você dessa ilusão subjetivista que, no fim, é a composição de todo o mundo moderno.
"O que falta aos cristãos não é a fé, mas uma consciência clara dos seus fundamentos cognitivos inabaláveis. (...)
A esses fundamentos cognitivos você tem acesso em dois andares: o primeiro andar é a própria doutrina. Estudando Sto. Tomás de Aquino, Sto. Agostinho, você tem um suporte intelectual --- mas nem tudo está dito ali. Sto. Tomás de Aquino reconheceu que tudo o que ele fez era um tiquinho de nada. Para você saber onde isso está há uma segunda camada, o simbolismo das formas sensíveis na arte sacra, incluindo, como arte sacra, a própria construção das sumas medievais.
As sumas são um grande, enorme gênero literário, que vale não somente pelo conteúdo explícito da doutrina, mas pela sua estrutura, que é obra de arte. E, como tal, ela veicula, simbolicamente, aquelas realidades que a própria doutrina não pode explicitar em palavras. [1:30] Isso quer dizer que uma coisa é ler sobre o que Sto. Tomás de Aquino disse sobre isso ou aquilo. Você acompanha o raciocínio, diz: "o homem tem razão". Ele costuma ter razão. Pode falhar num ponto ou outro que depende de conhecimentos factuais, que, evidentemente, ele não tinha.
Para além disso, você tem a forma da suma. Contemplá-la é o mesmo que contemplar uma catedral da Idade Média. Os princípios estruturantes são exatamente os mesmos. Quando Sto. Tomás de Aquino vai ramificando a questão, ele coloca uma pergunta; uns dizem que sim, outros dizem que não; coloca os argumentos, vai montanto tudo aquilo, bonitinho. Vejam a estrutura das colunas em uma igreja medieval, uma catedral gótica; o princípio de ramificação é o mesmo. Há colunas que se ramificam em outras cada vez menores, até fechar lá em cima onde encontra outra coluna. O que São Tomás faz, em palavras, é exatamente isto. Quando você está lendo um romance, por exemplo, em cada página que lê, você está interessado nos fatos que são contados ali, mas, à medida em que vai avançando na leitura, aparece, por trás deles, uma ordem. Essa ordem não está descrita nos fatos, mas é uma estrutura interna por trás dos fatos, que os ordena. Já se começa, então, a ter um objeto de contemplação estética propriamente dita. A mesmíssima coisa acontece ao se ler Sto. Tomás de Aquino, mas só acontece se alguém deu essa dica, ou se você for um gênio para perceber. Eu obtive essa dica de um livro do Erwin Panofsky, que é um estudioso de história da arte. Ele não tem nada de cristão, é um judeu, mas me deu essa dica. Ele mesmo não percebeu a imensidão do que estava abrindo. Eu estava pensando justamente nisso e estava ali, observando e lendo de novo e falando: "mas é isso mesmo, meu Deus do céu! Esta Suma diz muito mais do que está dizendo!" De certo modo, ela ilustra na sua estrutura a ordem do mundo que ela está explicitando em palavras.
Daí eu comecei a relacionar isso com a estrutura de A Divina Comédia, de Dante, que se compõe de tercetos: estrofes de três versos, onde o verso do meio rima com o primeiro verso da segunda estrofe; e daí tem um outro no meio que vai ... e você vai ver o negócio está assim até o fim. Mais ainda, a versificação está em versos de dez sílabas, cujo acento cai sempre na sílaba do meio, na sexta sílaba; na passagem da quinta para a sexta. Isso continua até o fim. Essa estrutura ternária é a mesma estrutura do silogismo, meu Deus do céu! Você começa a ver que Sto. Tomás de Aquino, Dante e os construtores das catedrais estão todos fazendo a mesma coisa; para eles, isso era translúcido. Era o óbvio dos óbvios. Não precisava sequer ser dito. Como a questão do Aristóteles e dos quatro discursos. Ele não precisou dizer: "olha, existem quatro discursos e existe uma série de princípios comuns". Não. Ele simplesmente escreveu um sobre cada um, só que só se pode escrever isso sabendo aquilo. Eles nunca tentaram explicitar os princípios dessa arte sacra porque os princípios eram tão óbvios... eles estavam praticando aquilo no dia a dia. Era que nem o português: "ó, raios, quem é que não sabe?". Hoje em dia ninguém sabe, você tem de dizer.
Estava eu fazendo essas observações quando chega o meu vizinho, Antônio Donato, que é o homem mais santo que eu conheci no Brasil, e disse: "você já reparou que na Suma Teológica (ele era um tradutor de Sto. Tomás de Aquino, ele estava traduzindo todos os comentários dele e Aristóteles) tem isso?" Eu falei: "Ó raios, eu estava vendo isso agora mesmo." E ele, por sua vez, havia percebido isso através de outro autor escolástico que é o Hugo de São Vítor. Ele explica a diferença entre pensar, meditar e contemplar. Ele diz que pensar é transitar de uma idéia a outra. Meditar é recuar, na ordem das idéias, até o seu fundamento. Meditar, então, já não é simplesmente pensar para diante, mas pensar para trás: "de onde eu tirei isso? de onde veio isso?". E você vai descobrir, assim, a experiência real, o dado intuitivo profundo do qual emergiu seu pensamento. E ele diz que contemplar é quando você fez várias meditações e elas começam a articular-se entre si e você contempla o conjunto.
Note bem que expor um pensamento é algo relativamente fácil. Reproduzir uma meditação é muito difícil. Somente grandes artistas da palavra o conseguem. Eric Voegelin é um. Muitos livros dele não são uma exposição lógica, mas uma meditação, um aprofundamento na experiência que está por baixo do pensamento. Já é difícil de você expor. Quando se chega na contemplação, porém, é uma coisa que, ao mesmo tempo, é óbvia, porque você está vendo aquilo, mas é indizível. E quando se vê que Sto. Tomás, no final da vida, disse: "olha, o que eu percebi agora é tão, tão, tão gigantesco que, tudo o que eu escrevi, perto disso, é nada." Note bem: eu estou falando do que eu e o Antônio Donato percebemos por trás do que São Tomás de Aquino escreveu. Mas ele não estava falando disso, mas sim, do que está por trás da própria ordem aparente do mundo. Eu, então, falei: "não dá para explicar mais, dá para ver". Nós não chegamos a isso aí, evidentemente, nós enxergamos, contemplamos, o edifício de Sto. Tomás de Aquino, e entendemos que esse edifício é moldado em um outro edifício, invisível, que ele viu. Não chegamos lá, mas, se Sto. Tomás de Aquino diz que viu, é porque viu. Se ele foi capaz de fazer isso, é porque em algo ele se baseou.
Esse tipo de leitura de Sto. Tomás de Aquino, para os estudiosos universitários de hoje, é absolutamente inacessível, inimaginável, impensável. Tanto que, quem chegou a perceber isso foi um estudioso universitário, mas não um estudioso de filosofia; foi um estudioso de história da arte. Ele descobriu porque olhou a Suma Teológica como obra de arte. Daí pegou a estrutura interna.
Eu estou relendo pela terceira ou quarta vez o livro maravilhoso do Jacob Wassermann, que se chama A terceira existência de Joseph Kerkhovens; o livro começa no volume anterior da série (são três livros). A mulher do professor Kerkhovens, que é um grande médico e filósofo, o havia traído com um discípulo dele; ele havia ajudado muito esse discípulo que agradeceu roubando a mulher dele. A mulher desiludiu-se com o cara e voltou para o professor. E os dois ficaram naquela situação: "e agora, como é que se faz?" O Kerkhovens começa a sua terceira existência. Ele diz a ela: "olha, me dá um tempo. Eu preciso ir para um outro lugar, ficar sozinho para pensar e me refazer por dentro." Ele perdoa a mulher, mas, perdoar não é suficiente. É preciso algo mais. Ele, então, fica longe muitos anos etc. Quando volta, ele monta uma nova clínica e, entre outros casos, aparece o de um escritor que estava sendo muito perseguido por sua ex-mulher que estava jogando um monte de processos em cima dele, tomando todo o seu dinheiro. E daí, o romance para e começa a história desse outro sujeito, por duzentas páginas, e só vai voltar para o Kerkhovens no fim. Você se pergunta, "mas, por que o cara fez isso?" O que ele está tentando é mostrar para você, além da personalidade empírica do personagem [1:40] Joseph Kerkhovens, a sua personalidade intelectual cognitiva. Ele já sai do centro da cena e é mostrado para ele aquilo que ele está vendo, com total devoção e esquecimento de si. Ora, não há coisa mais difícil na literatura do que representar um grande espírito. Representar um bandido, um mentiroso, safado...bom, isso aí qualquer Luís Fernando Veríssimo faz. Ele, porém, quer mostrar um grande espírito, um homem de gênio, e quase um santo que é o Joseph Kerkhovens. Como ele faz para isso? Ele usa esse expediente. Quanta gente não leu esse livro e não entendeu esse pedaço? Achou até: "mas que coisa esquisita, ele para tudo". Mas ali é que está aparecendo a verdadeira personalidade do personagem, onde ele, por assim, dizer, já se superou. Ele não é mais problema para ele mesmo. Ele era no começo do livro, era um problema para si, mas venceu aquilo. Agora o que aparece diante dele não é o problema dele mais, é a vida inteira do outro. E assim por diante, todos os grandes livros da humanidade são assim. Eles dizem mais do que eles dizem, ou seja, você tem de interpretá-los como símbolos poéticos. Mesmo as grandes obras de filosofia, sobretudo aquelas onde houve um esforço formal mais caprichado, como é o caso das Sumas.
Você não vai chegar a isso sem uma grande experiência da leitura de obras literárias e sem um certo conhecimento dos princípios do simbolismo. O melhor expositor, por exemplo, do simbolismo, é o próprio René Guénon. Não conheço outro. O livro dele Símbolos da Ciência Sagrada é algo absolutamente insuperável.
E, no entanto, preste atenção que o René Guénon está com treta. Eu já vou dizer qual é a treta.
"São precisamente esses, os fundamentos cognitivos, os que a arte sacra genuína ilustra e torna acessíveis à imaginação das multidões, aplanando o caminho de uma posterior compreensão intelectual".
Ou seja, tem de partir da compreensão estética, a qual impregna em você o símbolo; e este, como diria Susanne Langer, gera intelecções. A articulação dessas intelecções, por sua vez, forma um novo objeto de contemplação que, por sua, vez, tem o seu próprio sentido simbólico. Isso é uma maravilha! Isso aqui é melhor que sexo. O que você prefere? Está aqui uma mulher pelada. Você prefere isso ou prefere ter aquela contemplação? Não, o mundo está cheio de mulheres, mas isso aqui é um tesouro.
"Esses princípios, como não se referem exclusivamente às matérias de fé da religião cristã, são substancialmente os mesmos que aparecem na arte sacra de todas as grandes religiões."
Ora, o testemunho disso está no livro do Whitall Perry que se chama A Treasure of Tradicional Wisdom, que é uma coletânea de textos das várias religiões, mostrando as convergências que estão nos próprios textos doutrinais quando lidos nesse sentido, e não quando lidos apenas como expressões de dogmas.
"Que essa temível arma intelectual fosse perdida durante séculos e só voltasse pelas mãos de pessoas alheias ao meio cristão é uma das grandes ironias da História, mas, ao mesmo tempo, é uma oportunidade providencial que os cristãos não têm o direito de desprezar."
Ou seja: existe um ditado árabe que eu vou repetir: "não pergunte quem eu sou, mas recebe o que eu te dou." Quer dizer: se a verdade vem parar em suas mãos através de um bandido, de um delinquente, de um mentiroso, do próprio Satanás, você não tem o direito de rejeitá-la dizendo que foi o Satanás que deu. Se o Satanás disser que dois mais dois são quatro, você vai dizer "não, são cinco, porque você não presta." Isso não funciona.
Por outro lado, o fato é que todo esse tesouro intelectual-espiritual do simbolismo estava perdido pelo clero e pela intelectualidade católica-cristã-protestante-moderna. Depois, veio esse cidadão chamado Jean Borella, que mostrou que estava tudo lá. "Foram vocês que esqueceram, mas isso não estava faltante na religião cristã. Estava tudo lá, vocês é quem não estavam vendo". Não foi o René Guénon ou o Frithjof Schuon que trouxeram isso. "Ah, vou trazer um mistério do oriente que é desconhecido de vocês!" Às vezes eles dão a impressão de que estão fazendo isso, mas é mentira. Está tudo no cristianismo. O Guénon chega a dizer que o esoterismo, o sentido esotérico profundo do cristianismo, está totalmente perdido. Que a Igreja não tem isso, que a Igreja é somente um exoterismo, quer dizer, uma religião externa, uma espécie de ordem social e que o verdadeiro sentido esotérico do cristianismo só pode ser encontrado em sociedades esotéricas etc. Em última análise, isso vai terminar nas tariqas sufi, nas organizações sufi. Essa parte é mentira. É mentira e ele sabe que é. Como muçulmano ele está puxando a brasa para a sua sardinha. Já veremos isso aqui.
"O próprio livro de Jean Hani é uma prova de quanto eles (os cristãos) têm a ganhar com a lição recebida daqueles estudiosos muçulmanos budistas, etc. Eu mesmo me lembro de ter tido pela primeira vez a notícia da existência de um fenômeno espiritual tão gigantesco quanto o Pe. Pio de Pietrelcina por meio de um autor budista, Marco Pallis. Guiado pelos princípios universais que haviam se incorporado não só à sua inteligência, mas à sua personalidade, Pallis, que contatei pela primeira vez, quando ele já tinha passado dos noventa anos de idade, tinha clara consciência de que os feitos miraculosos do Pe. Pio eram, depois da aparição de Fátima, o centro mesmo da vida católica no século XX."
Ora, você vê esses dois acontecimentos, de uma série de acontecimentos, não é um acontecimento único; os milagres de Fátima, não há um milagre de Fátima, mas uma sucessão incrível de milagres; e depois, o milagre do Pe. Pio, sendo discutidos por aí, inclusive pela mídia dita cristã-católica, como o centro da vida católica no século vinte? Nada! Discute-se só a periferia, porque esses acontecimentos são um escândalo para o mundo. As pessoas não gostam de discutir a realidade, elas gostam de discutir só aquele pedacinho que dominam intelectualmente. Quando você vê um negócio imenso que transcende infinitamente a sua compreensão, você nega e diz "ah, eu não quero pensar nisso." É como o Garcia Lorca, quando vieram contar que um amigo dele havia morrido na tourada; ele disse: "ah! Hay sangre derramada, yo no quiero ver-la." Esse pessoal também: "no quiero ver-la. Isso é forte demais para mim, eu não quero saber disso aí."
"Mas os fiéis e a mídia católica não parecem capazes de distinguir entre o Pe. Pio e Madre Teresa de Calcutá (ou, pior ainda, Paulo VI)."
Paulo VI foi o maior embrulhão, só fez burrada o tempo todo, praticamente demoliu a Igreja Católica e se diz: "ah! É uma grande figura da religião Católica do século XX." Você ouve falar mais do Paulo VI do que do Pe. Pio. Agora, quem era papa nos tempos de São Francisco de Assis? Ninguém sabe, mas se sabe quem foi São Francisco de Assis. Quando se trata da religião dos séculos passados você tem a visão hierárquica certa das devidas importâncias. Claro que o Papa é um sujeito importante, mas um santo milagreiro é muito mais importante. Sempre tem de ter um Papa, morre um Papa e tem de ter outro. O Papa pode ser um santo, pode ser um safado, pode ser um mentiroso, pode ser um covarde, pode ser um cretino, pode ser tudo isso. Nunca se sabe o que vem por aí. Houve um monte de papas que foram uma vergonha para a cristandade. O Papa é um cargo nominal importante, mas nem sempre o tamanho do cargo corresponde ao tamanho da pessoa que o ocupa. Meus filhos, "santo" não é cargo, é a realidade da vida do sujeito, é o que ele realmente fez. Ele não é santo porque os outros o acharam bonitinho. E não é santo nem porque foi canonizado, porque já era santo antes de ser canonizado. Ele foi canonizado porque era santo, e não, virou santo porque foi canonizado. A canonização [1:50] é apenas o reconhecimento de um fato que já está comprovado.
"A fé, sem o devido suporte intelectual, acaba por buscar apoio nos critérios dos formadores de opinião usuais, para os quais a distinção entre um santo e um popstar é difícil de conceber. O elogio do Osservatore Romano a Michael Jackson não é um caso isolado de demência clerical. Nem os afagos do Papa Bento XVI ao regime cubano por sua "solidariedade para com os outros povos" (solidariedade constituída essencialmente da exportação de guerrilhas e drogas) são um erro acidental. São um sinal de que a consciência católica perdeu algo do senso de realidade e busca refúgio no simulacro montado pela opinião dominante, mesmo sabendo que esta última é, em essência, anticristã."
O que o cidadão comum, do meio urbano, hoje, considera como realidade? Aquilo de que ele ouve falar na mídia. Aquele conjunto de fatos é para ele a realidade. O resto é o duvidoso, é apenas a experiência pessoal etc. etc. E o que sai na mídia é o conjunto do que foi recortado por uma classe de imbecis chamados jornalistas. Afinal de contas, o jornalista tem autoridade sobre o quê? Ele entende do quê? Ele entende de recortar fatos que pareçam importantes ao público dele. Então, de certo modo o jornalista e o público se enganam um ao outro. Sem contar o fato do que o meu ex-colega de jornalismo Rolf Kuntz chamava de "autofagia". Quer dizer, os jornais, diz ele, são autofágicos. Um publica o que ele acha que o outro vai publicar. E o outro publica o que ele acha que o "um" vai publicar. E se não publicou no dia, se escapou, copia o outro jornal no dia seguinte. É a mesma coisa no noticiário de televisão e no noticiário de rádio. A mesma coisa. Isso quer dizer que o conjunto do que sai na grande mídia universal é um recorte tremendamente artificial, artificioso e que não indica de maneira alguma a importância objetiva das coisas. Às vezes, a discussão da importância objetiva aparece na própria mídia, mas, às vezes, não aparece. No Brasil se tem a experiência concreta disso com esse negócio do Foro de São Paulo que ficou escondido durante dezesseis anos, como se não existisse. E o pessoal discutindo probleminhas de debates que houve no senado, ou o deputadinho que roubou não sei o quê. Entendam isso: mídia é periferia da realidade. Por exemplo, os fatos miraculosos que não cessam de acontecer no mundo, você tem dificuldade de obter documentação sobre eles. Por que? A documentação técnica, muito séria, feita por gente que observou, por exemplo, o processo de investigação que se faz no Vaticano quando há uma alegação de milagre. É uma coisa de um rigor extremo. Ali é que você vai encontrar e poder dizer "Não, aqui eu estou lidando com terreno firme". Mas, o que sai na mídia não é terreno firme de maneira alguma. Portanto, a imensidão do número de fatos miraculosos escapa à visão do público porque não corresponde à visão do mundo dessa camada profissional chamada "jornalistas". O jornalista não tem nenhum interesse em realidade. As normas práticas que funcionam numa redação não têm nada a ver com retratar a realidade. Nada, nada, nada, nada. São todas baseadas em convenções internas da profissão. Não existe uma epistemologia do jornalismo. É uma coisa incrível porque, freqüentemente, os próprios jornalistas estão tão acostumados com aqueles critérios de seleção que praticam aquilo automaticamente, sem perceber que existe uma regra implícita e que essa pode ser discutida.
"A debacle da inteligência precede a dissolução da fé, mas hoje em dia você não pode falar de conhecimento espiritual..."
[sobretudo neste sentido que eu estou falando aqui]
"...sem que logo apareça algum fiel indignado acusando-o de 'gnóstico'."
Ou seja, a idéia de que a fé é uma aposta no desconhecido e que é uma operação radicalmente alheia ao conhecimento (que é uma doutrina de Kant, não da Igreja Católica) impregnou-se de tal modo na modernidade e na cabeça dos próprios católicos que, basta você falar de conhecimento, e você já é gnóstico. Isso é de uma estupidez fora do comum.
"Se, de um lado, as mais aberrantes heresias revolucionárias são paternalmente toleradas dentro da Igreja (afinal, a Teologia da Libertação nunca sofreu nada além de reprimendas verbais), qualquer tentativa de dar à fé algum suporte intelectual mais amplo do que um tomismo de manual é vista com suspeita verdadeiramente suicida."
Eu digo tomismo de manual, por exemplo, o tomismo que não é capaz de perceber da Suma Teológica nada além do que está escrito ali explicitamente. Quero dizer, que não percebe a arte da construção da Suma nem entende, às vezes, a regra de funcionamento das Sumas. E não entende que elas, por si mesmas, têm um simbolismo por trás.
"Quantos tomistas de carteirinha notaram, por exemplo, que a construção formal da Suma Teológica, estruturalmente idêntica à das catedrais góticas, veicula uma mensagem ainda mais luminosa que a do sentido literal do texto? Eu jamais teria percebido isso sem a ajuda de Erwin Panofsky, um autor a cuja palavra os católicos nunca dariam mais credibilidade que à de um Jacques Maritain, mesmo sabendo de todos os danos que este fez à sua Igreja."
O culto do Jacques Maritain dentro do meio católico é um dos grandes escândalos do século XX. Esse sujeito é um dos grandes culpados pela demolição da Igreja no Concílio Vaticano Segundo. Era uma besta quadrada que acreditava tanto em comunista, gostava tanto de comunista que acreditava que era possível um diálogo com eles. Essa abertura de diálogo, justamente, foi o que demoliu por dentro a Igreja católica. Mesmo sabendo disso os caras ainda confiam em Jacques Maritain. Vamos dizer, por exemplo, o nosso Gustavo Corção. No fim da vida, ele estava tão, tão, tão, impressionado com a autodemolição da Igreja que no seu livro livro final, Sacro do Nada, já nem escreve tão bem quanto nos livros anteriores. Aquilo tudo que ele está querendo dizer está, por assim dizer, preso na garganta. Ele está sofrendo demais com a coisa, então não tem aquele distanciamento estético necessário para escrever com a devida elegância. Você vê que o livro é mal construído, ele volta umas coisas sem perceber que voltou; e com todo esse choque, com todo esse escândalo que ele sentia, ainda dava credibilidade a Maritain.
"Em compensação, os trabalhos do grupo de estudiosos mencionados por Hani também trazem, junto com sua contribuição positiva, alguns riscos consideráveis para o fiel cristão que se deixe deslumbrar por eles. Desde logo, sua perspectiva universalista destaca os pontos que são comuns a todas as religiões, e a soma desses pontos desenha apenas a armadura metafísica da realidade, (ou seja, a estrutura da realidade total) sem nenhuma abertura para a diferença específica do cristianismo, que se constitui, de um lado, pela presença histórica e pessoal do Logos encarnado e, de outro, por essa mesma presença reverberada e prolongada em milagres que não cessam de acontecer, dos quais a vida do próprio Pe. Pio dá testemunho incontestável."
Ora, acontece o seguinte: a doutrina metafísica, no seu conjunto, se ela está mostrando a estrutura total da realidade, está expressando certos conteúdos do Logos eterno. São parcelas e aspectos selecionados da razão divina que são ali expostos. De repente, você tem a razão divina, já não de maneira fragmentária e exposta como mero conteúdo doutrinal, mas você tem o Logos Divino presente e vivo. É evidente que isso muda todo o senso das proporções. Se você buscar profetas e sábios do [2:00] budismo, do hinduísmo etc. etc., eles representam aspectos do Logos Divino. E, de certo modo, representam uma presença do Logos, como os profetas.
Muitas vezes, lendo Shankarasharya, eu não posso negar que esse sujeito foi inspirado porque não é possível conhecer a ordem total da realidade por mero esforço humano. Alguém o inspirou. O Espírito Santo o guiou de alguma maneira. Porém, uma coisa são aspectos do conteúdo da razão divina que são expostos em linguagem humana por quem os apreendeu e, outra coisa, é a presença do próprio Logos Divino encarnado, não sob a forma de palavra humana, mas de corpo humano vivente.
Isso significa que tudo aquilo que foi dito, tudo aquilo que foi transmitido do conjunto da doutrina sagrada do Logos Divino, em todas as civilizações e religiões, de repente, está presente. E só este é a chave última do significado de tudo aquilo. Isso quer dizer que somente esse Logos Divino encarnado pode explicar para você o que realmente significam aqueles elementos de ciência sacra dispersos aqui e ali no simbolismo dos templos, nos escritos sagrados de todas as épocas e lugares. Ele é o centro que articula tudo isso. Articula não como teoria, não como doutrina, mas como presença viva.
O que acontece é que na perspectiva desses autores como Guénon, Schuon, etc., essa diferença desaparece. Então, a religião cristã inteirinha fica parecendo como se fosse mais um elo que vem da tradição primordial. Como mais um elo? Vocês têm aí os dados dos aspectos do Logos Divino que vocês captaram por milagre. Mas, de repente, tem aqui o próprio Logos Divino. Não em parte, mas inteiro. Não apenas falando, mas agindo no mundo. E agindo, não só naquele instante histórico em que ele está presente, mas continuando a agir. E promovendo certos acontecimentos que não têm paralelo em civilização alguma. Como, por exemplo, o fenômeno da incorruptibilidade dos corpos dos santos. Isso daí só existe no cristianismo. Será isso um nada? O Cristo é a chave de abóbada de todo esse conjunto de conhecimentos. E só Ele é. Portanto, você só entende isso se for orientado por Ele, pessoalmente. [2:03:40]
O problema é que, quaisquer elementos de ciência sacra, quando são exaltados em si mesmos, fora e separadamente desse eixo, eles se perdem e viram loucura. E é esse, justamente, o fio da navalha para quem vai ler Guénon e Schuon, e essa coisa toda.
A idéia de que o cristianismo é somente mais um elo e que de fato ele representa apenas um exoterismo e que o sentido espiritual interior precisa ser transportado desde uma organização esotérica qualquer, é uma falsificação monstruosa. E, não obstante, o conteúdo do que esse pessoal nos transmite é suficiente para revigorar no próprio meio cristão o conhecimento espiritual que sempre esteve lá, mas que escapou das consciências.
É o tal negócio: "não pergunte quem eu sou, mas recebe o que eu te dou", mas, receber o que você me dá é uma coisa, seguir você é outra coisa. Quando você me dá um negócio que confere com o que a gente está vendo, muito bem, mas, de repente, você vem com umas pretensões malucas de que eu preciso me filiar a uma organização esotérica que está ramificada e que vai terminar lá na tal da Agartha... você está delirando ou mentindo. Não sei. Não me interessa julgar a pessoa do René Guénon.
"A mera doutrina metafísica, em si, não dá conta desses milagres. Eles não acontecem por causa de leis universais, mas por atos divinos imprevisíveis que não as desmentem,(...) "
É claro, Deus não vai desmentir nos Seus atos a Sua própria lei.
"(...) mas que não podem ser deduzidos dela à priori. "
Eles não decorrem das leis metafísicas como propriedades imediatas. Depois que eles acontecem, você vê a coerência entre uma coisa e outra. Mas, não é a Lei Universal que os determinou. E sim, a Liberdade Divina. [2:06:14]
"Outro perigo inerente a esses estudos é que, dentre os autores que a eles se dedicam, vários são aqueles que, como René Guénon ou Frithjof Schuon, a pretexto de enfatizar a prioridade da espiritualidade profunda sobre as meras práticas devocionais, acabam privilegiando desmedidamente o papel de certas tradições esotéricas e usando, para isso, de boas doses de mistificação."
Leiam o livro do Louis de Maistre e vocês vão ver.
"Isso não invalida, é claro, o ensinamento que nos legam sobre o simbolismo universal e as doutrinas metafísicas."
Tudo isso é válido, desde que você articule em torno da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
"É quando entram no capítulo das "iniciações" que eles começam a deformar as coisas e a incutir no leitor as mais extravagantes ilusões. Na confusão espiritual reinante, alguns chegaram a apegar-se à autoridade intelectual de René Guénon ao ponto de celebrá-lo como "bússola infalível". Não só a renitente falibilidade de René Guénon, mas provas inequívocas de sua desonestidade intelectual, ao menos nos escritos de juventude, aparecem de maneira tão nítida nas meticulosas análises feitas "sine ira et studio" (...) "
"Sem ira e sem escudo", sem auto-defesa.
"(...) por Louis de Maistre em L'Énigme René Guénon, que, continuar a negá-las, só pode ser coisa de fanáticos deslumbrados."
Aqui estou ensinando a vocês algo que eu acho fundamental para a ética dos estudos. Você tem que (...)
[2:07:56]
[queda de transmissão]
[2:08:13]
"Outro erro grave em que se pode incorrer na leitura desses autores é ignorar o fato de que, aparentando contribuir para uma restauração da civilização cristã, eles não acreditavam absolutamente na possibilidade histórica de realizá-la e, ao contrário, apostaram tudo na "islamização do Ocidente" (sic). "
Isso foi dito explicitamente por Frithjof Schuon quando voltou da Argélia, transformado em Sheik da tariqa do Sheikh al-Alawi, que era um famoso Sheik da Argélia. Ele chegou dizendo: eu vou islamizar o ocidente. Nessa época ele ainda se dava bem com o Guénon e o Guénon disse que a fundação da tariqa do Schuon, em Lausanne, [2:08:57], Suíça, era o único efeito real que tinha tido o seu ensinamento. Portanto, até aí, havia uma continuidade perfeita. Se ele disse que era o único efeito real e o cara está propondo islamizar tudo, então era evidente que o objetivo do Guénon era islamizar tudo.
E eu pude observar como essa coisa funciona. A tariqa pega as energias espirituais, as partes ainda criativas que existem nas outras várias religiões e, mantendo intactas as estruturas externas dessas religiões, se coloca no centro do topo de todas. Como, por exemplo, Schuon, que tinha grupos de discípulos islâmicos, budistas, cristãos ortodoxos, católicos, protestantes, etc., etc., e ele como uma espécie de um papa supra religioso. E o pessoal aceitava isso.
"Daí a ambigüidade temível da sua contribuição. Aqueles que, desesperados ante a autodestruição feroz da nossa civilização, busquem auxílio no estudo de Guénon, Schuon, Nasr, Lings e respectivos continuadores, devem estar conscientes de que encontrarão aí uma espada de fio duplo, bem difícil de manejar sem danos para o aprendiz. O Islam que hoje vai ocupando a Europa e os EUA com uma força avassaladora e uma autoconfiança psicopática não é aquele Islam lindamente espiritual, mítico, enaltecido por esses autores com um irrealismo que raia a hipocrisia."
A isso me refiro especificamente a dois livros: Comprendre l'Islam, de Frithjof Schuon e Ideals and Realities of Islam, de Seyyed Hossein Nars. O primeiro dá uma visão tão gloriosamente mitificada do Islam que daí você vê este negócio de homem bomba e tal, e fala: "não é possível que ele esteja falando da mesma coisa, parece que ele está falando de outra religião que só existe na cabeça dele." E você pode dizer: "não, mas é o Islam exotérico que está decadente, o Islam interior se conserva." Mas, se o Islam exotérico está decadente a esse ponto, por que ele vem aqui socorrer a cristandade ao invés de socorrer o Islam primeiro? Isso aí é que nem Fidel Castro dizendo que estava financiando guerrilha no Brasil para restaurar a democracia brasileira. Por que não restaura primeiro em Cuba?
Então, não é aquele Islam espiritual místico:
"É um Islam reduzido à expressão mais grosseira de um imperialismo globalista inspirado no equivalente muçulmano da "teologia da libertação", remontando às idéias de Sayyd Qutub."
Sayyd Qutb foi um sujeito que, na década de 30, foi enforcado pelo governo egípcio por subversão e ele escreveu um imenso comentário chamado Às Sombras do Alcorão. Título significativo porque não é À Luz do Alcorão, mas é Às Sombras do Alcorão. Então, você vê [2:12:26]: coisa boa não vem. E nesse comentário ele faz exatamente o que a Teologia da Libertação faz. Ele traz o Islam do céu para a Terra. Tudo é "terrestrializado" e tudo tem um sentido político, militante. E daí que sai toda essa coisa da Fraternidade Islâmica, do terrorismo islâmico, essa porcariada toda que está aí hoje e essa operação de ocupação mediante a imigração que já começou faz tempo. Antes disso, já haviam começado uma outra operação que é justamente as tariqas pegarem as lideranças religiosas e intelectuais mais destacadas e tentar compor com elas uma intelectualidade islâmica dentro das outras religiões, especificamente dentro da Religião Católica.
"É a este Islam que a proteção ostensiva do Príncipe Charles da Inglaterra (...)"
(O maior protetor do Islam no mundo, no ocidente)
"(...) não por coincidência, um discípulo de Martin Lings - abre as portas do seu país, aprofundando a crise cultural britânica, apressando um desenlace que se anuncia iminente e fatal."
Eu acompanhei desde o início, de maneira indireta, mas presente, a ligação do Príncipe Charles com Martin Lings.
Martin Lings foi meu amigo. Troquei correspondência com ele por muito tempo, depois fui encontrá-lo no Peru. Conversei muito, muito com ele. É uma pessoa por quem tenho extrema admiração. É um grande homem, sem dúvida, e um grande escritor místico islâmico. A biografia que ele fez de Muhammad é uma obra prima, mas, começou essa ligação dele com o Príncipe Charles quando o Príncipe Charles fez um prefácio para o livro dele sobre Shakespeare. Até aí estava muito bem: um escritor importante --- o Martin Lings já tinha alguns contatos na aristocracia britânica por ele ter sido diretor do Museu Britânico, ou seja, uma pessoa importante na Inglaterra. O outro sujeito que andava sempre com ele, o Gai Eaton, era Relações Públicas da comunidade islâmica em Londres, portanto, uma pessoa também cheia de contatos. Porém, isso continuou e, alguns anos depois, o Príncipe Charles começou a tomar atitudes de franca proteção à Comunidade Islâmica, criando instituições islâmicas, promovendo o Islam de todas as maneiras, ao mesmo tempo que o Parlamento Britânico começou a soltar leis que privilegiavam a Comunidade Islâmica perante as outras comunidades. Por exemplo, a lei em que o sujeito muçulmano que tem quatro mulheres recebe pensão pelas quatro. E o dinheiro não vai para elas, vai para ele. Isso é obviamente um incentivo à poligamia islâmica. Imagina quantos ingleses falaram: "Ó raios! Agora então eu posso não apenas ter quatro mulheres, mas ganhar quatro vezes mais dinheiro!". Então, a gente vê que aquela convivência rendeu frutos. Mais ainda quando Frithjof Schuon morreu, logo em seguida, o Martin Lings se tornou o Sheik da Tariqa. E para quem sabe como essas coisas funcionam, um Sheik não tem amigos, um Sheik só tem discípulos. Não há relações pessoais com o Sheik. Até para você visitar, para você conversar com ele, é assim, é como para chegar no Papa: tem de passar por vários funcionários. E não importa se você é príncipe, se você é rei, se é um multibilionário: o Sheik vai mandar e você vai obedecer. É só essa é a relação que é possível com o Sheik.
Como eu vi que essas relações continuavam, eu disse: "o homem se tornou um discípulo do Martin Lings", cujo nome islâmico era Sheik Abu Bakr Siraj Ad-Din.
Não estou julgando essas pessoas, não estou criticando, estou apenas descrevendo as coisas como elas são. De modo que as pessoas que estão me ouvindo possam se orientar razoavelmente perante essas coisas.
Aqui, então, a pergunta final:
"Se até esse aristocrata longamente preparado para as mais altas funções de comando (...) "
(vocês imaginam a quantidade de informações sobre a estrutura do poder, sobre quais as organizações, etc., são transmitidas a um herdeiro da Coroa Britânica. Se tem um sujeito que está por dentro, é esse)
"Se até esse aristocrata longamente preparado para as mais altas funções de comando pode servir de instrumento a mudanças históricas cujo alcance ele dificilmente compreende, (...)"
(porque vocês imaginam o que resultaria da islamização da Inglaterra)
"(...) quanto mais sujeitos a isso não estarão os jovens intelectuais que, em crise de desespero diante do suicídio ocidental, saiam em busca das "Luzes do Oriente" ?
De tudo isso aqui, se conclui o seguinte:
Em primeiro lugar, René Guénon, Schuon, esse pessoal todo, não é leitura prioritária. Para entrar lá, você não pode entrar à mão livre, tem de ir com régua e compasso. Tem de ter lido muitas outras coisas antes e levar consigo essas advertências que eu estou fazendo aqui. De modo que você saiba separar ali o joio do trigo. Isso vai dar um trabalho miserável e, para alguns dos meus estudantes, talvez isso se torne até um tema de estudo por longos anos. Não para a maioria, mas uns 2 ou 3 podem estar interessados nisso.
Dito isso, vamos aqui responder algumas perguntinhas, se é que vocês ainda tem gasolina para agüentar o negócio:
Aluno: (Rogério Perego) Há algumas aulas, o Prof. colocou que, no começo dos estudos, o aluno novato, sem muita experiência, volta a fazer analogia com tudo, achando todas as coisas muito semelhantes, sempre encontrando alguma possível relação. E, somente mais tarde, com um período longo de experiência, ele consegue discernir melhor cada tema, colocando cada um no seu devido lugar. Pergunto em que nível isto acontece: somente em questões filosóficas ou também em literatura?
Olavo: Também em literatura. Por exemplo, em literatura você pode observar, às vezes, a recorrência de determinados temas. Outro dia mesmo eu mencionei o tema do "Mundo às Avessas". É um tema que perpassa a literatura da Renascença e depois reaparece, reaparece... Quando você pode dizer que é uma mera analogia natural, quer dizer, duas pessoas perceberem a mesma coisa sob um mesmo ângulo, ou quando se trata de uma transmissão cultural? Os dois fatos são de naturezas completamente diferentes e vão dar a você uma visão da história completamente diversa, conforme você encare, por um lado ou por outro. Isso aqui é a única maneira de você superar as dificuldades. É mediante à extensão do volume de informações disponíveis: quanto mais informações, mais você vai fazer as analogias corretamente. Sobretudo, quando fizer uma analogia, lembre-se de que é apenas uma analogia. É só uma coisa que é parecida com a outra. Se nós não fizermos analogia, não conseguimos pensar. Todo e qualquer conhecimento nasce da percepção de semelhanças. Porém, uma mesma semelhança pode ter mil explicações diversas. Dessas, algumas serão verdadeiras, outras serão falsas. O que você faz com o símbolo é trabalhar em cima dele, esperar que ele lhe dê mais conhecimento, que inspire mais intelecções e que depois, de posse dessas intelecções, você possa separar as que são verdadeiras segundo outros critérios.
Aluno: (Eduardo Afonso de Aguiar) Tenho uma dúvida a respeito de um ponto tocado na última aula, aula 40, da Paralaxe Cognitiva: sua definição de revolução é de uma proposta de futuro para um país, uma sociedade, ou o mundo inteiro, a ser realizada mediante a concentração do poder. O anarquismo não seria também revolucionário, mesmo buscando a descentralização radical do poder, através da eliminação do governo?
Olavo: Em primeiro lugar, nós temos que distinguir o que é a proposta nominal de um grupo político e o que é a sua ação real. No instante em que ele recorre insistentemente ao terrorismo, o movimento anarquista se torna, ele, o centro do poder, evidentemente. Aquele que tem o poder de aterrorizar todo mundo é o centro do poder. Ele está exercendo uma função, não só uma função de poder, mas uma função tirânica. Em segundo lugar, o movimento anarquista jamais teve grande autonomia. Por causa da própria contradição entre os seus objetivos professos e a sua modalidade de ação, o movimento anarquista é uma coisa que vive em crise e que, por toda parte, ele nunca promove uma revolução por si mesmo, mas é sempre usado por outros movimentos revolucionários mais consistentes. É usado e depois jogado fora.
Isso aí aconteceu, por exemplo, na Revolução Espanhola. Os comunistas primeiro usaram os anarquistas e depois mataram quantos anarquistas podiam. Na Rússia, a mesma coisa. E assim por diante. [2:23:34]
Aluno: (Daniel Scherer) Antes de mais nada, parabéns e muito obrigado pelo curso. Tenho duas perguntas. Primeira: qual a relação entre intuição, conhecimento por impregnação imaginativa e conhecimento por presença?
Olavo: Excelente pergunta. Intuição é o conhecimento imediato e evidente daquilo que está presente. Por exemplo, nós falamos de intuição sensível. Agora, olhando aqui esta sala, eu tenho uma intuição sensível de que tem uma câmera diante de mim, de que a Roxane está sentada ali, de que a Isabela está sentada ali, o Alessandro ali, a Leila ali e, assim por diante. Eu estou vendo essas coisas, elas estão presentes, ou seja, eu não as estou conhecendo por meio de alguma outra coisa, mas pela sua própria auto-exibição. As coisas se mostram para você e você as apreende imediatamente. Isto é que se chama intuição.
Na impregnação imaginativa, o que está presente não são objetos, são imagens. Você tem um conhecimento intuitivo da imagem que está sujeita à sua imaginação, mas você não está tendo um conhecimento intuitivo do objeto dessas imagens, e sim, apenas delas. Ou seja, o objeto da sua intuição é agora a imagem. O que é essa imagem? São as reações que a sua imaginação produz diante de uma afirmação, de uma sentença ou de um ente qualquer. É uma espécie de halo que se forma em volta do objeto. Você não pode esquecer que esse halo é a produção subjetiva sua, porém, totalmente subjetiva? Não. Mais tarde (...) [2:25:29]
(eu nunca tive tanta gripe quanto depois de tomar a vacina contra gripe. A vacina é para garantir que você vai ter gripe) [2:26:10]
A impregnação imaginativa lhe dá a idéia de um halo de possibilidades em torno do objeto. Objeto que, ou você está vendo, ou do qual você tomou conhecimento indiretamente através de uma sentença lida ou ouvida. E nem tudo o que aparece nesse halo imaginativo é mera projeção sua. Aos poucos, se você conseguir guardar esse conjunto, se deixar impregnar, você mais tarde verá que alguns desses elementos que você imaginou estão realmente no objeto e fazem parte intrínseca dele. E outros não, são associações que você criou com outras coisas.
Eu estou seguro de que qualquer objeto que esteja presente (qualquer objeto do mundo físico que esteja presente) nunca está presente apenas com a figura com que ele aparece para você fisicamente. Ele está presente como um conjunto de potências. Eu já dei aqui este exemplo: você está andando pela rua, e está lá um cachorro deitado. Você sabe que o cachorro pode abanar o rabo para você, pode rosnar para você, pode lhe morder, pode sair correndo atrás de você, ou pode não fazer nada, mas, você sabe que o cachorro não vai sair voando. E, se ele sair, você ficará espantadíssimo. Ou seja, você percebe o objeto, o ente e, imediatamente, você percebe o que eu chamo Círculo de Latência. Quer dizer, são possibilidades que estão ali, imediatas, latentes. Falta um nada para elas explodirem, para elas se manifestarem. Se você fizer abstração do Círculo de Latência, você verá que não consegue distinguir um cachorro de um poste. Se você consegue identificar a forma daquele ente individual e particular, é porque, além do formato externo, além da figura, você está percebendo algo da forma no sentido aristotélico. Ou seja, algo daquilo que aquele ente é. E, o que ele é, se expressa exatamente no que ele pode fazer. Quando você radicalmente não sabe o que é o objeto, o círculo das suas imagens boia anarquicamente em todas as direções. O que significa isto? Você percebeu apenas um formato externo, você não está percebendo um ente real. Está percebendo apenas uma presença indeterminada.
Por exemplo, eu lembro quando eu estava perdido no mato. A gente via lá umas árvores, umas frutas e pensava: isso aí se come? Isso daí vai me alimentar ou vai me matar? Não tenho a menor ideia. Ou seja, eu não sei qual é a potência que está naquele ente. Então, para mim, ele é um enigma. E note bem que a percepção é muito diferente num caso e no outro. No caso do objeto que você reconhece, nem sempre é coisa que você viu no passado, tem coisa que você percebe imediatamente. Por exemplo, na primeira vez que eu vi um hipopótamo, ninguém precisou me informar de que se tratava de um animal e não de uma fruta. Agora, quando você percebe um objeto que é radicalmente enigmático para você, não o percebe com a sua ordem e estrutura clara. [2:30:20]
Existe um livro do Ernesto Grassi, um filósofo italiano, em que ele conta que era um pintor amador que veio à América do Sul e estava na Bolívia. Ele estava num hotel e falou: "vou sair e pintar uma paisagem". Ele saiu e viu que não conseguia pintar aquela paisagem porque não conseguia percebê-la com ordem e estrutura. Aquilo era tão diferente das paisagens que ele conhecia que lhe parecia um caos, e não uma forma. Note bem, essa diferença não aparece só entre objetos conhecidos e desconhecidos. Alguns objetos desconhecidos, quando vistos pela primeira vez, se mostram a você com todo o seu círculo de latência e, em outros casos, não. Isso aí que é impregnação imaginativa e as relações dela com a intuição.
O conhecimento por presença é aquilo com que você conta o tempo todo e é o fundo do qual emergem as suas intuições. Por exemplo, a própria presença do universo, você não tem propriamente uma intuição disso, você tem conhecimento de aspectos do universo nos quais você está prestando atenção. E o resto? Você conhece apenas por dedução ou por analogia? Alguns autores dirão que sim, que nós pegamos aspectos separados e deles nós supomos, nós construímos mentalmente a suposição do restante. Mas se o que você está vendo se assentasse numa suposição, seria ainda mais incerto do que a suposição mesma. É preciso que aquilo que você percebe imediatamente esteja assentado numa coisa que é ainda mais sólida do que o próprio objeto de percepção. E essa coisa sólida é o que se chama cosmos, realidade, universo, como queira. Isso é o conhecimento por presença. É claro que você pode conscientizar o conhecimento por presença em mais, ou em menos. Se você analisar apenas uma percepção específica, por exemplo, essa que eu estou tendo agora desta sala, eu estou contando com o fato de que esta sala está na rua tal, localizada em tal lugar e que tem um monte de coisas em volta. Eu estou contando com tudo isso. Porque, se por um minuto sequer, eu supusesse que esta sala é o limite do universo e não há mais nada fora dela, eu ficaria aterrorizado. Todas as percepções que nós temos são limitadas e nunca supomos que é somente aquilo que existe. Nunca, em nenhum momento. Agora, não me venham dizer que todo o resto, o quadro [2:33:58] que você denomina realidade, é construído mentalmente a partir desta percepção. Isto é impossível. Então, é isso que eu denomino o conhecimento por presença.
Aluno (...) [2:34:23]....segunda: será que o senhor poderia, eventualmente, fazer uma exposição sobre as várias camadas de significado da palavra ciência, algo similar ao que o senhor fez em vídeo do seminário com a palavra astrologia?
Olavo: É claro que posso, mas, como isso vai ser matéria formal de alguma aula mais tarde, eu não vou fazer agora. Só para lhe dar uma idéia vaga do que nós faremos mais tarde, o ponto de partida desses estudos é a idéia essencial de ciência, a idéia pura de ciência, considerada fora de todas as suas encarnações históricas. E é evidente que essa idéia surge não como uma realidade existente, mas como um plano, um ideal, ou uma meta a ser atingida. Isso está totalmente exposto por Edmund Russerl no seu livro Filosofia Primeira. E eu, praticamente, não tenho nada a acrescentar àquilo. Está exposto de uma maneira tão perfeita, tão perfeita, que nós podemos apenas usar uma técnica expositiva qualquer, diferente, mas, em substância, eu não vou sair do que ele disse.
Essa idéia pura de ciência que é uma idéia normativa e teolológica, [2:35:43] quer dizer, que não está expondo algo que existe, mas algo que deveria existir e como fazer para que aquilo exista, está presente, uniformemente, ao longo de toda a história da ciência, desde que a idéia foi pensada. O que eu pude acrescentar ali foi uma pequena investigação sobre as condições para que essa ideia pura de ciência seja realizável. Condições não existenciais, não materiais, históricas, mas condições lógicas. Ou seja, para que nós possamos aspirar a uma ciência, no sentido puro e essencial da coisa, o que mais nós precisaríamos saber? Eu vou dar uma aula especificamente sobre isso. E depois, outras aulas sobre as sucessivas encarnações históricas da noção de ciência. Isso é o que eu pretendo fazer, inclusive, no curso de Filosofia da Ciência que eu vou dar aqui e eu acho que é curso muito importante para vocês aqui. Eu ainda não sei o que fazer, como articular o curso de Filosofia da Ciência com este curso aqui, mas, de alguma maneira eu vou articular.
Aluno:(Fernanda Aloi) Aulas atrás o senhor disse ser uma pessoa com bastante prática com a História das Ideias (...)
Olavo: Bom, isso é o que eu mais tenho estudado(...)
Aluno: (...) Gostaria que o senhor comentasse algo a respeito do estudo dessa disciplina pois é uma área na qual tenho bastante interesse em me aperfeiçoar. Fui estudante dos cursos de História e Sociologia numa universidade em São Paulo, mas tive de abandonar pois nada eu estava aprendendo lá, a não ser me transformar numa militante ungueira que deveria lutar pela reconstrução.
Olavo: Essa disciplina da História das Ideias pretende estudar a presença de certas ideias, doutrinas e símbolos da sociedade ao longo do tempo, independentemente do valor cognitivo que essas ideias tenham. Para os historiadores da História das Ideias, tanto faz uma grande descoberta ou uma ideia cretina. Na verdade, a História das Ideias não estuda propriamente ideias, estuda crenças. Mais certo seria dizer História das Crenças, como no livro do Mircea Eliade, História das Crenças e Ideias Religiosas. As ideias são encaradas como crenças e não como representações objetivas da realidade. Essa é a definição mesma dessa disciplina. As ideias interessam enquanto objetos de crença que levaram as pessoas a agirem desta ou daquela maneira. Claro que esse é um enfoque possível, porém, nós sempre temos de levar em conta a famosa observação do Eric Voeglin: "não existe propriamente história das ideias". Por baixo das ideias existe alguma experiência da realidade que essas ideias, por sua vez, ou manifestam, ou encobrem, ou distorcem. E que, sem você se reportar a essa experiência profunda da realidade, você cria uma espécie de fantasmagoria. A História das Ideias é uma sucessão de fantasmas, no fim das contas. Ela vale se estiver profundamente arraigada na história real, na história dos fatos e, sobretudo, nos fatos de ordem cognitiva. Por isso mesmo, eu acho que fazer, por exemplo, [2:40] uma História das Ideias no ocidente, é totalmente utópico. O que se poderia fazer são certos estudos localizados mostrando como uma idéia emergiu de certas experiências, como ela se cristalizou nas suas formas culturalmente reconhecíveis e como ela impactou na cabeça do seu fulano, seu fulano, seu fulano, ou em determinados grupos humanos. Isso é sempre possível. Eu acho que a História das Idéias está condenada, de algum modo, a ser fragmentária sempre e os estudos mais sérios de História das Ideias são, precisamente, estudos fragmentados. Por exemplo, você pega a história de uma ideia, como fez Arthur Lovejoy em The Great Chain of Being (A Grande Cadeia do Ser). Ele pega essa idéia da grande cadeia do ser, que é uma idéia de Platão, e vai mostrando como essa mesma idéia vai reaparecendo aqui e ali, ou por transmissão cultural, ou por simples convergência de uma mente que descobre a mesma coisa que o outro descobriu. Esse é um dos elementos importantes que a História das Ideias pode dar a perceber: se houve uma transmissão ou apenas uma coincidência de duas pessoas perceberem a mesma coisa.
Aluno: O senhor escreveu um artigo, "Formadores de Opinião", no dia cinco de Agosto. Nesse artigo o senhor avisou que analisaria as idéias do famigerado [2:41:30] Contardo Calligaris. Durante as aulas do seminário o senhor teceu comentários a respeito da idéia desse colunista sobre a anti-psiquiatria, mas eu não encontrei os artigos (...)
Olavo: Não, eu não cheguei a escrever esse artigo. Eu gostaria de escrever, sobretudo, sobre este tópico da anti-psiquiatria. As pessoas têm muita ilusão a respeito da anti-psiquiatria porque não sabem de onde ela se originou. Ela teve origem quando os psiquiatras americanos começaram a estudar os hospitais psiquiátricos da União Soviética onde a psiquiatria era usada como instrumento de repressão política. Eles pegavam o sujeito que estava simplesmente desajustado da linha do partido, decretavam que aquilo era uma doença mental e trancafiavam o sujeito no hospital psiquiátrico, enchiam o camarada de injeção, de eletrochoque, até ele ficar louco mesmo. No momento em que descobriram isso, o pessoal comunista deu o troco. Dos fundadores da anti-psiquiatria, pelo menos dois eram, comprovadamente, agentes da KGB. Um deles era o Ronald Laing. O troco era pegar o mesmo critério --- da psiquiatria como instrumento de poder, critério que se aplicava, literalmente, aos hospitais soviéticos --- e dar-lhes uma interpretação analógica. É claro que algum elemento de imposição de poder existe em qualquer sistema. Um clube de futebol tem uma estrutura, uma hierarquia. Uma clínica psiquiátrica também. Então, o elemento Poder está sempre presente. Mas, não quer dizer que o establishment psiquiátrico tenha sido feito para excluir dissidentes como foi na União Soviética. Como esse critério de investigar o establishment psiquiátrico como instrumento de poder se aplicava, literalmente, à União Soviética, eles deram o troco analisando todo o establishment psiquiátrico ocidental sob a mesma ótica que, evidentemente, se era adequada ao fenômeno objetivo no caso da União Soviética, não era nada adequada ao ocidente. É claro que podia haver casos onde um sujeito ou outro foi internado por um parente que queria se livrar dele. Por exemplo, um sujeito quer se livrar da mulher, não aguenta mais, inventa que ela está louca, pega um psiquiatra que assina um atestado e põe a mulher no hospício. Pode-se usar como instrumento de poder, só que não era a regra e, sobretudo, não era um empreendimento estatal, mas, eles deram a idéia de que todo o establishment psiquiátrico ocidental era uma coisa opressiva. Aplicaram a regra do Lênin: "Acuse-os do que você faz. Xingue-os do que você é." A anti-psiquiatria foi somente isso. Agora, tem gente que analisa esses movimentos não pela sua ação real, pela sua origem efetiva e pelos seus resultados, mas pelo seu discurso de auto-promoção, e só. E leva a sério esse discurso de auto-promoção como se ele fosse a própria realidade da coisa. A anti-psiquiatria mostrava todos os doentes mentais como pobres vítimas da sociedade opressiva que os retirava do convívio, etc. Se fosse assim era até bom tirar o sujeito do hospital e devolvê-lo para casa. Agora, se tira um esquizofrênico do hospital e põe ele em casa, ele mata a família. Quer dizer, não é que ele estava lá por ser um dissidente, por ser uma pessoa diferente. Ele estava lá por ser perigoso para ele mesmo e para os outros. Agora, no caso da União Soviética, por exemplo, Vladimir Vukovic, grande escritor, grande alma e um grande homem, ficou anos no hospital psiquiátrico com a desculpa de que era louco, quando não era nada, era apenas um dissidente. Eu mesmo, quanta gente já não me carimbou de paranóico. Está aí o Sr. Oliveira que acabou de fazer de novo. "Ele é paranóico". É a aplicação de categorias que nada têm a ver com o negócio. Eu ainda não escrevi, mas pretendo fazê-lo.
Aluno: (João Batista dos Santos Almeida) Prezado professor, como é o nome do autor que fez o estudo sobre o simbolismo dos tempos egípcios?(...)
Olavo: Esse nome está aí no texto que eu passei para vocês. É René Schwaller Dlubicz. Ele escreveu o livro monumental que se chama Le temple de l'homme. Hoje em dia existem edições até acessíveis do Le temple de l'homme. Acessível, quer dizer, que vai custar duzentos dólares, mas, até um tempo atrás só havia a edição original que custava dois mil dólares e não havia exemplares. Só um lugar lá na França tinha essa coisa depositada. Ele escreveu, porém, um resumo disso que se chama Le Miracle égyptien (O Milagre Egípcio), que é acessível por quaisquer quatro ou cinco dólares, na edição francesa de bolso.
Aluno: (...) O senhor poderia indicar algum livro [2:47:17] que aprofunde essa leitura que o senhor nos passou?
Olavo: Mas qual seria? O negócio dos templos egípcios? Eu não sei ao que você está se referindo. Se é sobre os templos egípcios, eu recomendo um livro maravilhoso: The serpent in the sky (A serpente no céu), de John Anthony West. Ele também resume esse estudo de Schwaller De Lubicz e outros.
Ana Regina observa aqui:
(...) Eu conheci a Europa depois de ter estado no Egito. Quando na Europa, vi os palácios e catedrais sendo enaltecidos como supra-sumo dos trabalhos de engenharia. Aos oito anos afirmei: "Mas, e os templos egípcios de três milênios anteriores, como ficam?" A Europa era para mim era uma sociedade nova aos meus olhos de oito anos que já conheciam o Egito.
Olavo: Bem, o problema técnico da construção era substancialmente o mesmo nos templos egípcios e na arquitetura medieval. Não houve grandes progressos da técnica material arquitetônica. Por exemplo, como você vai transportar pedras de várias toneladas para uma altura de cem metros? Como você vai fazer isso? Não tinha guindaste, não tinha nada. Até hoje isso é um mistério. Como os egípcios colocaram aquelas coisas no topo das pirâmides? A mesma coisa nas catedrais medievais. Enquanto obras de arquitetura, as catedrais ainda continuam absolutamente incomparáveis, porque não há um centímetro numa catedral que não signifique alguma coisa. A catedral fala e os templos egípcios, não. Eles falam, mas não é tanto assim. A coisa mais impressionante que o Schwaller De Lubicz pegou no templo de Luxor são as medidas, as proporções. Mesmo assim, você não vai comparar as catedrais medievais com os monumentos da arte clássica grega como o Partenon, por exemplo. O Partenon é uma obra de uma geometria absolutamente impressionante. Praticamente todas as regras da geometria sacra estão lá. Só que no Partenon só tem isso. Agora, uma catedral [2:50] pode ser lida inteirinha. Em cada um dos seus detalhes está tudo articulado ao conjunto. A catedral é uma obra de arte narrativa.
Aluno: (Ana Regina) A Cavalhada, aqui na cidade de Campos, Rio de Janeiro, relembra a luta dos espanhóis contra os árabes na Europa, não é um tipo de símbolo?
Olavo: Sem dúvida. São elementos muito remotos de memória européia que se conserva algum no folclore brasileiro. O Ariano Suassuna trabalhou muito em cima desses elementos, romance de cavalaria, essa coisa toda.
Aluno:(Graça Salgueiro) A Igreja Ortodoxa mantém o uso desse simbolismo tradicional até hoje, pois os templos são construídos obedecendo a padrões de medida (localização espacial sempre voltada para o oriente) que estão nas sagradas escrituras, na disposição dos objetos, no padrão das cores, etc. Quando você fala a monstruosidade que se faz para celebrar um rito da magnitude da Liturgia, como a catedral de Brasília, construída por um ateu comunista, dá pra perceber a perda simbólica e espiritual que a Igreja Católica Romana está tendo.
Professor: Claro, uma coisa absolutamente medonha. O que aconteceu na Igreja Ortodoxa foi um processo muito diferente. O que houve lá foi uma espécie de demolição por dentro através da infiltração. A infiltração de gente da KGB foi muito maior na Igreja Ortodoxa do que na Igreja Católica. É difícil você saber com quem você está lidando ali.
Não houve lá um fenômeno como a teologia da libertação, mas, ao contrário, mesmo esses camaradas infiltrados mantinham toda a estrutura externa, inclusive estética. A KGB estava mais interessada em usar essas pessoas como instrumento de poder, não se tratava de luta cultural. Eu mesmo pude observar alguns dos efeitos de longo prazo disso na Igreja Ortodoxa Romena. Do ponto de vista ritual, estético, estava tudo certinho, mas, você não sabia quem eram as pessoas. Quando você perguntava e começava a investigar, ficava horrorizado.
Aluno:(José Corrêa de Melo) O senhor poderia indicar algumas obras pelas quais podemos comprovar documentalmente, sociologicamente, que a visão cosmológica medieval era comum a todos os estratos sociais, desde a aristocracia e clero até os camponeses mais humildes? Como era transmitida essa visão, não existiam visões concorrentes?
Olavo: Isso era uma característica da Idade Média, não havia visões concorrentes. O cristianismo, por exemplo, era crença comum de todo mundo. O cristianismo de São Tomás de Aquino não era diferente do do camponês. Por exemplo, um missal era um livro muito mais comum na época do que é hoje. Muita gente tinha um missal em casa porque morava longe demais da Igreja, não dava para ir à missa no domingo. No domingo, eles liam a liturgia daquele dia. O que estava presente nas preocupações de São Tomás de Aquino era a mesma coisa que estava na vida de um camponês.
Existe um livro, aliás, escrito por um livro tremendamente anticatólico que é George Coulton, que se chama Medieval Village, Manor and Monastery (A vila, a Residência Senhorial e Monastério da Idade Média). Ali você vê algo da vida cotidiana da Idade Média. E outro livro, que é um clássico, O Outono da Idade Média, de Johan Huizinga. Ele destaca que durante a durante a Idade Média, todos os acontecimentos, absolutamente todos, eram cercados de significado religioso, tudo era motivo para celebrações. O sujeito que ia partir em viagem, a cidade se reunia e rezava a missa para o cara, as execuções públicas de condenados, a colheita, tudo isso, cada ato da sociedade humana estava impregnado do simbolismo cristão. Dê uma olhada nesses dois livros, sobretudo no do Huizinga e você verá que não tem escapatória, que era isso mesmo.
Aluno: Sobre essa ciência simbólica que se estava tratando, foi dito, se entendi bem, que as obras de arte sacra traziam o conhecimento de uma ciência simbólica que retratava os conhecimentos e princípios supremos comuns a todas as religiões, mas, quando retratava questões específicas do cristianismo, as questões são matéria de fé.
Olavo: Da mesma maneira, uma coisa não contradiz a outra. Só que os princípios que são comuns a todas as religiões não dizem respeito àquilo que é matéria de fé cristã, dizem respeito à estrutura da realidade, à existência de Deus, à existência da vida após a morte, à estrutura do mundo angélico, tudo isso era retratado de alguma maneira.
As questões específicas no cristianismo que nós consideramos matéria de fé são aquelas (eu estava dizendo meia hora atrás) que modificam radicalmente a hierarquia desses conhecimentos. Porque aqueles elementos que no cristianismo são matéria de fé, são eles a chave de abóbada de todo este universo. Porque neles você tem, não somente a doutrina cristalizada simbolicamente em pedra ou em pinturas etc., mas tem a presença viva do próprio logos divino. É como se o cristianismo, o advento do Cristo, fosse a realidade viva de tudo aquilo que fora ensinado antes, e evidentemente, nas catedrais medievais você vai ter os dois andares da coisa. Por um lado, em todas as catedrais tem alguma imagem do zodíaco e dos planetas onde está condensada toda a visão do simbolismo astrológico como sucessivos círculos de conhecimento espiritual; como aparece no Dante, por exemplo.
Você tem os números, as proporções do edifício, que vão mostrando justamente a sucessão, a ordem dos números como sucessão de formas ou leis, como diz o Mário Ferreira dos Santos. É interessante observar, por exemplo, a aritmética dos templos, como faz o Schwaller de Lubicz. Depois você lê junto, ou ao mesmo tempo, A Sabedoria das Leis Eternas, do Mário. O uso que eles fazem dos números e medidas implicam a consciência dos números como formas lógicas e ontológicas. Isso tudo está lá, essa parte é universal. Pitágoras falava dos números como formas; os egípcios também conheciam isso, está na cara que eles conheciam, porque é exatamente o que aparece no templo de Luxor. Mas, com o advento do cristianismo e da simbólica especificamente cristã, você tem um giro de tudo isso. De repente você não tem somente o edifício, você tem a chave de abóbada que dá o sentido ao conjunto. Uma coisa é o verbo divino chegar a você através de indícios fragmentários colocados aqui e ali, nas várias civilizações, outra coisa é você tê-lo em pessoa sob a forma encarnada, onde está dizendo: olha, a estrutura do universo, não é só um conjunto de fórmulas, é a inteligência de uma pessoa viva. É completamente diferente e é a mesma coisa ao mesmo tempo, só que é a mesma coisa submetida a um upgrade absolutamente extraordinário. Por exemplo, no logos divino você tem o segredo da criação, mas o segredo da criação é ao mesmo tempo o segredo da restauração e o segredo da cura. Quando você vê isso operando através dos milagres, não está mais conhecendo [3:00] as leis da criação através de um texto, de símbolos. Não, você está vendo aquilo na sua frente, e isso é a diferença específica do cristianismo.
Enquanto conteúdo de conhecimento, o logos foi repartido por toda humanidade, senão seria injusto. Deus não ia espalhar a ignorância para tudo quanto é lado, para mostrar a verdade só para meia dúzia, não ia fazer isso. O Espírito Santo sustenta a inteligência humana o tempo todo, a inteligência de todo mundo. A diferença é que depois aquilo tudo aparece como presença viva e atuante. Uma coisa é conhecer através do simbolismo, outra coisa é você ter visto isso funcionando.
Eu sei de muitos milagres porque estudei, li os relatos etc. E tem outros que eu assisti pessoalmente. Eu estava contando aqui e ia até contar para vocês. A minha própria vida é um milagre, porque eu nasci com um tumor na traquéia do tamanho de uma laranja. Nenhum médico jamais soube que raio de coisa era aquela, uns dizem que é uma coisa, outros dizem que é outra etc, etc. De vez em quando aquilo incomoda, de vez em quando infecciona, mas está aí faz 62 anos. Você olha a minha radiografia e diz: esse camarada está morto, principalmente porque a partir dos dezesseis anos de idade começou a fumar que nem um louco e não parou até hoje. Fumar e falar o tempo todo. De vez em quando vai ficar ruim, mas e daí? Logo volto. E pior, minha avó, Elisa, me deu o nome de Olavo, que quer dizer sobrevivente. Ela sabia disso? Não, não sabia. Deram o nome de sobrevivente a um sujeito que está sobrevivendo miraculosamente há sessenta e dois anos. A vida do sujeito é um desmentido de toda a ciência médica. Estou vivo, graças a Deus. E não foi só isso que eu vi, eu vi muitas coisas.
Eu sei que esses fatos de ordem miraculosa estão presentes e são em número muito grande. Nenhuma concepção do mundo que os esqueça pode ser levada a sério por um minuto que seja, porque é sempre uma concepção feita na base de um recorte preliminar baseado naquilo cuja explicação você já possui. Você reduz ao mundo aquilo que você sabe explicar e o resto, faz de conta que não existe. Mas isso não é uma concepção do mundo, isso é uma autoconcepção da sua mente. Você está falando da sua mente e não do mundo.
Aluno: (Humberto Componian) Gustavo Corção está entre os ditos intelectuais cristãos equivocados?
Olavo: Até certo ponto, sim. Ele foi uma vítima do Jacques Maritain. O sujeito para levar o Jacques Maritain a sério precisa estar muito equivocado.
Aluno: (Fabrício Henriques) Ao ler o texto antes da aula me vi justamente entre aqueles que sustentam a fé sem qualquer apoio estético. Há algum tempo li alguns livros buscando o entendimento do símbolo, porém sem muito sucesso, foram leituras aleatórias. Perdoe-me a minha ignorância e o português, mas permita-me fazer as seguintes perguntas: (1) Como poderei compreender esses símbolos?(2) É possível compreender fazendo uma contemplação amorosa?(...)
Olavo: Sim, certamente.
Aluno: (...) Há algum livro que possa me dar uma introdução pedagógica do assunto?
Olavo: Recomendo urgentemente o livro do Jean Borella, que se chama A Crise do Simbolismo Religioso, escrito em francês e, que eu saiba, não há traduções. E o livro do Jean Hani, que eu mencionei, importantíssimo para isso. Desse, existe uma tradução portuguesa daquelas Edições 70. Não sei se isso ainda está nas livrarias, mas, procure e você vai achar, O simbolismo do Tempo Cristão. E saiu recentemente um livro, cujo autor eu esqueci o nome, que é muito interessante e muito didático, talvez seja o primeiro para ler sobre essa coisa. Ele se chama Como Ler uma Igreja, How to Read a Church. Hoje em dia os livros sobre isso são muitos, mas esses aqui são o começo da história. Richard Taylor (exatamente, o Alexandre aqui me socorreu), How to Read a Church. E, evidentemente, mais tarde, o próprio livro do René Guénon, Símbolos da Ciência Sagrada, com muito cuidado quando o camarada começar a puxar a coisa para a Tradição Primordial e iniciações secretas, etc., porque aí entra na fantasia ou na mentira. Sem nenhum desdouro intelectual pelo René Guénon. Tenho o maior respeito pelo camarada, sou grato por tudo que aprendi com ele, isso nunca vai apagar, mas, o homem, como agente de uma determinada organização, está puxando a brasa para sardinha dele.
Aluno: Quais são as fontes indicadas para encontrar as provas da existência de milagres ao longo da história até os mais recentes?
Olavo: Você pode começar, por exemplo, pela vida do próprio Padre Pio. Sobre esse assunto existem páginas na internet que não acabam mais. Existe a página sobre Fátima feita pelo Padre Gruner. Depois eu lhe dou a indicação certinha, prometo na aula seguinte dar todos esses sites. Ademais, existem os processos de beatificação da Igreja Católica que são documentos públicos. Com um pouco de trabalho, você acaba localizando isso na internet, um por um.
Existe um livro muito interessante de um autor protestante chamado Rutz, James Rutz, Megashift, onde ele dá relatos com bastante documentação e inumeráveis milagres ocorridos no meio protestante, o que significa claramente que Jesus Cristo está lá de algum modo, por mais que os católicos possam ficar bravos com isso. Você pode dizer que você tem a doutrina certa e a doutrina do protestante está errada, mas, se Jesus quiser ir lá ajudar o protestante, você não vai poder segurá-lo. Isso existe também.
O do Rutz é bom, porque ele dá uma idéia do volume de coisa que está acontecendo. Ele narra que existem oitenta casos comprovados de ressurreição. O sujeito estava morto, estava para ser enterrado e o pessoal começa rezar... Tem um caso que ele conta que ficou famoso na Indonésia, salvo engano, do pastor que estava para sair para fazer um sermão importantíssimo para eliminar uma crise que tinha entre a igreja dele e as outras igrejas, um negócio que ele não podia faltar de jeito nenhum. Na hora dele sair, a filha dele caiu do quinto andar e rachou a cabeça, assim, de aparecer o cérebro. E ele disse para família: vocês fiquem rezando em volta dela até eu voltar. Quando ele voltou, tinha colado a cabeça. Isso foi assistido por dezenas de pessoas. O Rutz dá ali todas as fontes. Megashift.
Isso não quer dizer que eu concorde com as interpretações históricas que ele faz do estado atual da Igreja etc. É só como documento. Também tenho a maior apreciação pelo senhor James Rutz, mas não quer dizer que tem de acompanhá-lo em tudo. Acompanhar em tudo, só ao Nosso Senhor Jesus Cristo. O resto, incluindo o Olavo de Carvalho, você acompanha até o ponto em que o sujeito começa falar besteira, seja porque está cansado, porque ficou velho, ou porque não sabe mesmo. Quantas vezes alunos já me corrigiram aqui?
Por hoje vai ter que ser só isso, porque já está muito tarde. Muito obrigado a todos e até a semana que vem.
Transcrição por: Fabricio Andrade, 19/03/2010 [[email protected]]
Fabricio Andrade, 27/03/2010 [[email protected]]
Fabricio Andrade, 03/05/2010 [[email protected]]
Pedro de Lima, [[email protected]]
André A. C. R. do Couto, 14/05/2010 [[email protected]]
Jaqueline Mendes, 22/07/2010, [[email protected]]
Michelle Zizza Caloni, 28/05/2010 [[email protected]]
Revisão por: Marilete Tang, 04/10/2010 [[email protected]]
Footnotes
-
Disponível para download em http://www.seminariodefilosofia.org/system/files/arte+sacra+estudipez+profana.pdf ↩
-
Disponível em http://voegelinview.com/what-is-a-miracle.html ↩