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<title>O Meteorologista</title>
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<h1>O METEOROLOGISTA</h1>
<h3>Theodore L. Thomas</h3>
<blockquote>...E o nome "Instituto de Meteorologia" continuou a ser usado, embora a organização propriamente dita tivesse mudado bastante na forma. Naquele tempo o Congresso de Meteorologia era composto de três divisões. A primeira era política — o Conselho de Meteorologia. A segunda era o ramo científico — os Consultores de Meteorologia. A terceira era a parte operante — o Instituto de Meteorologia. Todas as três divisões eram relativamente independentes e cada...</blockquote>
<p class="right">Enciclopédia Colúmbia, 32.a Edição<br/>Editora da Colúmbia University</p>
<p>Jonathan H. Wilburn abriu os olhos e imediatamente sentiu a tensão do dia. Ficou deitado, confuso, procurando a origem dessa tensão. Era o começo de um outro dia em Palermo. Os barulhos da rua eram normais, seu apartamento silencioso, estava se sentindo muito bem. Era isso. Sentia-se bem, muito bem, cheio de vigor e força mental e com uma sensação de estar pronto para o que desse e viesse.</p>
<p>Com um só movimento atirou as cobertas para trás e ficou de pé junto à cama. Nada mau para um homem que completara cinqüenta anos na semana passada. Entrou no chuveiro e dissolveu o pijama na rica espuma da loção de limpeza. Enxugou-se e ficou parado, imóvel, no centro do seu quarto de vestir. A tensão e a excitação permaneciam com ele. Fez a barba, vestiu-se e, quando enfiava a jaqueta, lembrou-se.</p>
<p>Em algum momento, durante a noite, enquanto dormia, decidira que era chegado o tempo de tomar uma atitude. Estava com cinqüenta anos, criara, cuidadosamente, uma boa reputação e chegara tão longe quanto era possível no curso normal dos acontecimentos. Agora era o momento de forçar, a hora de se arriscar. Para chegar ao alto na política é necessário arriscar-se.</p>
<p>Wilburn terminou de vestir a jaqueta. Olhou-se no espelho e arreganhou os dentes. Agora sabia por que o dia parecera diferente. Mas saber a razão não diminuía em nada a tensão. Viveria e trabalharia, alerta, esperando uma oportunidade para agarrar o deus da sorte e dar-lhe uma boa sacudidela.</p>
<p>Conduzira-se cautelosamente durante um quarto de século, planejando cada movimento, assegurando de antemão o sucesso do empreendimento antes de se comprometer. Lentamente subira os degraus da política, o Congresso, o Senado, as Nações Unidas, uma embaixada, várias presidências de emergência e, finalmente, a elite dos órgãos políticos: o Congresso de Meteorologia. Sua reputação estava consagrada, era conhecido como um diplomata brilhante e afável, alguém com exímia habilidade para conseguir a conciliação entre os Conselheiros hostis. Arrebanhara um considerável número de seguidores entre os duzentos membros do Conselho de Meteorologia. Mas, na política como em qualquer outra coisa, quanto mais alto se sobe tanto mais difícil torna-se a escalada. Wilburn, subitamente, chegou à conclusão de que não fizera nenhum progresso nos últimos quatro anos. Então chegou seu qüinquagésimo aniversário.</p>
<p>Naquela manhã Jonathan Wilburn tomou o desjejum com sua mulher. Harriet era uma mulher esguia, calmamente sensata no seu papel de esposa de um membro do Conselho de Meteorologia. Numa rápida olhada viu que seu marido estava tenso como um arame esticado. Ligou o Diner e colocou o café na frente dele. Enquanto ele o tomava, preparou dois ovos com sabor de cebola e cuidadosamente regou-os com o molho de porco que ele tanto apreciava; ela não confiava no Diner para que saíssem perfeitos. Enquanto trabalhava, conversava sobre as notícias do jornal da manhã. Wilburn tomou o seu desjejum, escutando distraído, sorrindo e resmungando respostas e ao mesmo tempo olhando para um ponto indefinido. Despediu-se de Harriet com um beijo e subiu na calçada rolante.</p>
<p>Foi conduzido pela calçada, no fresco ar da Sicília e logo impacientou-se de ficar parado. Saiu da calçada e andou, sentindo prazer em esticar as pernas. A distância, podia ver a cúpula do edifício principal do Conselho e sua mente voltou ao problema que o preocupava nesse momento. Mas, mesmo pensando nele, sabia que não era nada que pudesse resolver antecipadamente. Era uma coisa que teria que enfrentar de improviso. E precisava estar alerta para reconhecê-la quando viesse.</p>
<p>Wilburn voltou a subir na calçada rolante e nela foi até o Conselho.</p>
<p>Entrou no Grande Hall pelas escadas norte, e andou ao longo da parede leste até as escadas que levavam ao seu gabinete. Um grupo de excursionistas era conduzido através do Grande Hall por um guia uniformizado, que descrevia as maravilhas do Hall. Quando o guia viu Wilburn se aproximando, interrompeu o que dizia para exclamar: — E em nossa direção, à nossa esquerda, aproxima-se o Conselheiro Wilburn, de um Distrito do leste dos Estados Unidos, de quem já ouviram falar, e que desempenhará uma parte importante na votação de hoje para reduzir a água disponível no norte da Austrália!</p>
<p>Os excursionistas pararam, tropeçando uns nos outros à inesperada aparição de uma tal celebridade. Wilburn sorriu e abanou para eles, com isto, confundindo-os ainda mais, mas não parou para conversar. Sabia, pelos comentários do guia, que nenhum eleitor seu encontrava-se no grupo; o guia teria dado um jeito de avisá-lo para que pudesse agir de acordo. Wilburn sorriu para si mesmo — um funcionário público tinha muitas vantagens que um mero candidato não alcançara.</p>
<p>Wilburn dirigiu-se às escadas rolantes e subiu junto com o Conselheiro Georges DuBois, da Europa Central. DuBois disse:</p>
<p>— Eu o escutei. Você já decidiu como vai votar nesta questão da situação australiana, Jonathan?</p>
<p>— Inclino-me a um sim, mas não sei. Você sabe?</p>
<p>DuBois sacudiu a cabeça. — Sinto a mesma coisa. Algo que devemos fazer com a maior cautela. É uma coisa horrível fazer os homens sofrer e muito pior é fazê-lo a mulheres e crianças. Eu não sei.</p>
<p>Subiram até o alto da escada em silêncio e antes de se separarem Wilburn falou: — Minha mulher está comigo em tudo o que eu faço, Georges.</p>
<p>DuBois olhou para ele pensativamente por uns instantes e depois disse: — Sim, compreendo o que você quer dizer. As mulheres de lá têm tanta culpa quanto os homens e merecem ser tão castigadas quanto eles. Sim, isso há de ajudar-me se votar a favor. Vejo você no Conselho. — Despediram-se com um gesto mudo de respeito e compreensão mútua. DuBois era um dos Conselheiros mais ponderados e sabia bem, mais do que a maioria, a terrível responsabilidade que pesava sobre os membros do ramo político do Congresso de Meteorologia.</p>
<hr/>
<p>Wilburn cumprimentou com a cabeça os membros de sua assessoria quando passava pelo escritório externo. Uma vez sentado à mesa de trabalho, concentrou-se para assumir as múltiplas tarefas que o esperavam. A pequena pilha de papéis, arrumada cuidadosamente no centro de sua mesa, diminuía à medida que apanhava um papel após outro, ditava as palavras que resolveriam cada caso e jogava-o numa outra pilha.</p>
<p>Estava apenas terminando quando uma suave voz masculina fez-se ouvir pelo alto-falante:</p>
<p>— Tem tempo para ver um amigo?</p>
<p>Wilburn sorriu e levantou-se para abrir a porta da sala de trabalho ao Conselheiro Gardner Tongareva. Os dois homens sorriram e apertaram as mãos. Tongareva afundou-se numa das poltronas de Wilburn. Era um homem de pele amarela, um polinésio, enrugado, velho e sábio. Suas calças eram largas e curtas, remanescentes do sarong usado pelos seus antepassados. O cabelo era branco e a expressão do rosto simpática e bondosa. Tongareva era um desses raros homens cuja mera presença fazia surgir sorrisos nos lábios dos companheiros e paz nos seus corações. Gozava de enorme influência no Conselho, simplesmente pela força de sua personalidade.</p>
<p>Seu Distrito situava-se entre 15-30 graus latitude norte e 150-165 graus longitude leste, os mesmos quinze por quinze graus de uma área habitada da Terra, igual ao Distrito de cada um dos outros Conselheiros.</p>
<p>No caso de Tongareva, porém, a terra era surpreendentemente pequena. O único pedaço de terra na inteira região era a Ilha Marcus de dois e meio quilômetros quadrados, habitados exatamente por quatro pessoas. Este era um grande contraste com as 100 milhões de pessoas que habitavam o Distrito de Wilburn, de 30-45 graus latitude norte e 75-90 graus longitude oeste. Entretanto, repetidas vezes, quando os votos dos duzentos conselheiros, apoiados pelo peso de uma vasta população, eram contados, tornava-se evidente que Tongareva influíra numa grande percentagem do mundo inteiro.</p>
<p>Wilburn recostou-se no espaldar da cadeira e perguntou:</p>
<p>— Já chegou a uma decisão sobre a seca da Austrália? Tongareva assentiu com a cabeça. — Sim, já. Acredito que não temos escolha senão submetê-los a um ano de seca. Crianças malcriadas devem ser castigadas e, por dois anos, essas pessoas têm persistido em manter um balanço comercial mal equilibrado. O que, na realidade, está envolvido aqui, Jonathan, é um desafio à autoridade suprema do Congresso de Meteorologia sobre todos os povos do mundo. Esse pessoal de Queensland e do Território Norte é gente teimosa. Eles não acreditam, realmente, que podemos ou iremos castigá-los, controlando seu clima em prejuízo deles. Devem ser punidos imediatamente ou outras regiões do mundo começarão a causar problemas. Desta vez uma simples estiagem para retirar-lhes sua viçosa prosperidade será suficiente. Mais tarde poderá tornar-se necessário fazê-los sofrer e ninguém deseja isso. Sim, Jonathan, meu voto será dado em favor da seca australiana.</p>
<p>Wilburn balançou a cabeça com gravidade. Via agora que o voto, quase certo, seria em favor do castigo. A maioria dos Conselheiros parecia sentir que era necessário e todos estavam relutantes em causar sofrimento. Mas, quando Tongareva declarasse sua posição como acabara de fazer, a relutância seria posta de lado. Wilburn falou:</p>
<p>— Concordo com você, Gardner. Você colocou em palavras os pensamentos da maioria de nós sobre este assunto. Votarei com você.</p>
<p>Tongareva permaneceu calado, mas continuou fitando Wilburn com insistência. Não era um olhar perturbador; nada do que fazia era desconcertante. Tongareva falou:</p>
<p>— Você é um homem diferente esta manhã, meu bom amigo. Assim como nestas últimas semanas também, você tem sido um homem diferente. Você resolveu o que quer que fosse que o perturbava e eu estou satisfeito. Não — levantou a mão ao ver que Wilburn ia falar. — É desnecessário discuti-lo. Quando precisar de mim estarei aqui para ajudá-lo. — Ficou de pé, acrescentando: — E agora devo ir discutir a situação australiana com alguns dos outros. — Sorriu e saiu antes que Wilburn pudesse dizer alguma coisa.</p>
<p>Wilburn ficou olhando, espantado com a enorme habilidade de Tongareva em compreender o que se passara com ele. Sacudiu a cabeça e acalmou-se e, então, encaminhou-se para sua sala de espera a fim de falar com uma dezena de pessoas que esperava para vê-lo.</p>
<p>— Sinto tê-los feito esperar — disse, dirigindo-se a todos, —, mas as coisas andam num ritmo febril aqui no Conselho esta manhã, como acho que devem saber. Por favor, desculpem-me por não estar com cada um de vocês a sós, mas seremos chamados para assuntos do Conselho em poucos minutos. Não queria perder a oportunidade de ver a todos por um ou dois minutos pelo menos. Talvez possamos nos encontrar hoje à tarde ou amanhã de manhã.</p>
<p>E Wilburn deu volta à sala, apertando mãos e fixando em sua mente o nome de cada visitante. Dois deles não eram seus eleitores. Eram intermediários políticos ou representantes dos Distritos do norte da Austrália, e lançaram-se numa arenga contra a tomada de uma ação punitiva contra os referidos Distritos.</p>
<p>Wilburn levantou a mão e disse:</p>
<p>— Cavalheiros, esta matéria não pode ser discutida nestas circunstâncias. Escutarei seus argumentos pró e contra no Plenário do Conselho, em nenhum outro lugar. Isto é tudo. — Sorriu e ia continuar sua volta pela sala quando o mais moço dos dois agarrou-lhe o braço, virou-o, fazendo com que o encarasse novamente e disse:</p>
<p>— Mas, Conselheiro, o senhor deve escutar. Esta pobre gente está sendo submetida a sofrimentos pelos atos de alguns dos seus líderes. O senhor não pode...</p>
<p>Wilburn desvencilhou-se da mão que o prendia, deu rapidamente um passo até a parede e apertou um botão. O representante empalideceu e disse:</p>
<p>— Oh, espere, Conselheiro, não quis lhe fazer mal. Por favor não apresente queixa contra mim. Por favor...</p>
<p>Dois homens com o uniforme do Congresso de Meteorologia entraram apressadamente pela porta. A voz de Wilburn era calma e sua expressão impassível, mas seus olhos cintilavam como cristais de gelo. Apontou, dizendo para os guardas: — Este homem agarrou o meu braço para forçar-me a escutar seus argumentos sobre assuntos do Conselho. Quero registrar uma queixa contra ele.</p>
<p>Tudo aconteceu tão rápido que o resto dos visitantes teve dificuldade em se lembrar exatamente o que acontecera. Mas as fitas se lembrariam, e Wilburn sabia que ao representante nunca mais lhe seria permitido entrar nas dependências do Congresso de Meteorologia. Os dois guardas, silenciosamente, retiraram-se da sala. O outro intermediário disse:</p>
<p>— Sinto muito, Conselheiro. Sinto-me responsável por sua conduta; ele é novo.</p>
<p>Wilburn balançou a cabeça e começou a falar, mas um carrilhão suave e musical soou repetidamente na sala. Wilburn disse para os visitantes:</p>
<p>— Por favor, com suas licenças. Preciso ir ao Plenário do Conselho agora. Se desejarem, podem assistir aos trabalhos, no Auditório dos Visitantes. Obrigado por virem me visitar, e espero que possamos falar mais em outra ocasião. — Abanou, sorriu e voltou para o seu gabinete.</p>
<p>Apressadamente, verificou com seus assistentes se estavam prontos para o trabalho do dia. Todos estavam a postos, todos sabiam o seu papel no debate que teria lugar no Plenário. Wilburn, então, tomou a esteira rolante para o Plenário, caminhando os últimos noventa metros do hall accessível ao público, onde podia ser visto. Ao chegar às portas principais vários repórteres pediram permissão para se aproximar, mas ele recusou, desejava chegar cedo à sua mesa e começar a trabalhar.</p>
<p>Atravessou as portas e andou por um hall curto e largo que o levou até o Plenário. Entrou num recinto enorme e andou pelo corredor central, entre os lugares dos outros membros do Conselho, até sua mesa. Alguns Conselheiros já estavam lá e o Registrador chamou o nome de Wilburn, olhou para ele e abanou. Wilburn abanou em resposta e continuou andando até a sua mesa de alta prioridade, que ficava bem na frente. Sentou-se e começou a apertar os botões e ligar as chaves que o punham em contato com tudo o que estava acontecendo. Imediatamente, uma luz se acendeu, indicando que um dos Conselheiros que estava já sentado no Plenário desejava falar com ele. O Conselheiro Hardy da longitude oeste 165-180 e latitude sul 30-45 — que continha a maior parte da Nova Zelândia — disse-lhe:</p>
<p>— Diga, Jonathan, você já falou com Tongareva?</p>
<p>— Sim, George, já falei.</p>
<p>— Vai votar do jeito que ele quer?</p>
<p>— Sim, embora gostasse de esperar, para ouvir o que for dito em oposição a isso, antes de decidir-me definitivamente. De que lado você está?</p>
<p>Houve uma pausa perceptível e então Hardy respondeu:</p>
<p>— Provavelmente votarei contra, a não ser que alguém expresse a extrema relutância do Conselho de votar em favor da seca.</p>
<p>— Por que é que não o faz, George?</p>
<p>— Talvez o faça. Obrigado Jonathan — disse, cortando o circuito.</p>
<p>Wilburn olhou em volta do enorme recinto e, como sempre, sentiu-se um pouco espantado pelo que via. Era mais do que a impressionante disposição das duzentas grandes mesas, a cadeira elevada do Presidente, o enorme painel que mostrava o tempo, no momento, em cada parte da superfície da Terra e a sala de comunicações adjacente à sala principal. Havia uma aura neste grande salão que era sentida por todos os homens e mulheres que entravam nele, fosse para trabalhar ou simplesmente para visitá-lo. O destino da Terra estava centralizado ali e ali estivera nos últimos cinqüenta anos. Deste recinto emanavam as decisões que controlavam o mundo.</p>
<p>O Congresso de Meteorologia era o poder supremo da Terra, capaz de dobrar Estados, nações, continentes e hemisférios à sua vontade. Que ditador, que país poderia sobreviver quando não caía uma gota de chuva durante um ano? Ou que ditador, ou país poderia sobreviver quando estivesse sob uma espessa camada de quinze metros de neve e gelo? O Congresso de Meteorologia podia congelar o rio Congo ou secar o Amazonas. Podia inundar o Saara ou a Terra do Fogo. Podia degelar a tundra e elevar ou descer os níveis dos oceanos à vontade. E aqui, neste Plenário, todas as decisões políticas eram tomadas e o Plenário parecia adquirir um pouco do sentimento que fora expresso durante o último meio século, depois dos primeiros dias tormentosos até o presente mais estável e ponderado. Era uma assembléia poderosa e fazia sentir o seu poder através daqueles que tinham assento nela.</p>
<p>Um grande número dos Conselheiros já chegara ao seu lugar. Outro carrilhão tocou e os pedidos meteorológicos começaram a ser entregues aos Conselheiros. O Relator leu-os e sua voz chegava a cada mesa através de um pequeno receptor. Ao mesmo tempo os pedidos escritos apareciam no grande painel. Deste modo os Conselheiros podiam trabalhar em outras tarefas enquanto mantinham um olho nas solicitações.</p>
<p>O primeiro pedido, como sempre, veio dos Amantes do Humilde Cacto e queriam menos chuva e mais desolação no Vale da Morte para salvar os suculentos cactos da extinção.</p>
<p>Wilburn chamou a mesa de Tongareva e disse:</p>
<p>— Com quantos você já falou, Gardner?</p>
<p>— Com uns quarenta, Jonathan. Peguei um grupo grande, tomando uma xícara de café.</p>
<p>— Já falou com Maitland?</p>
<p>Seguiu-se uma pausa perceptível. Maitland parecia sempre estar contra qualquer coisa que Wilburn defendesse. Seu distrito era 60-75 longitude oeste e 30-45 latitude norte, adjacente ao Distrito de Wilburn e incluindo a Cidade de Nova York e Boston.. Maitland sempre deixava claro que considerava Wilburn incompetente para a posição de influência que exercia no Conselho: — Não — disse Tongareva, e Wilburn podia vê-lo sacudir sua grande cabeça —, não, não falei com Maitland.</p>
<p>Wilburn desligou, escutou e observou. O presidente da Bolívia queixava-se de que a região que circundava Cochabamba estava recebendo mais frio do que ele achava conveniente. O prefeito de Avigait, na Groenlândia, afirmava que a colheita de milho era dez por cento menor naquele ano, devido a cinco centímetros de chuva extra e cobertura excessiva de nuvens. Wilburn balançou a cabeça; esse era um pedido que devia ser atendido com urgência. Apertou um botão na sua mesa, marcado "favorável" para assegurar-se que seria considerado por todo o Conselho.</p>
<p>O telefone tocou. Era um eleitor, pedindo-lhe para dirigir algumas palavras ao Rotary Clube Combinado, na sua reunião anual, no próximo dia 27 de outubro. Uma luz acendeu-se no painel, pois a assessoria de Wilburn, controlando e checando tudo, indicava que nesse dia ele estaria livre. — Sim, muito obrigado, sim — disse Wilburn, aceitando o convite. — Terei muito prazer com essa oportunidade de falar ao seu grupo. — Sabia que não havia feito nenhuma palestra nessa região há mais de um ano e já era tempo de fazê-lo. Sua assessoria talvez até tivesse engendrado toda a coisa, sutilmente.</p>
<p>Um fazendeiro de Gatrum, Líbia, queria que diminuíssem a água do seu vizinho de modo que todas suas colheitas fossem da mesma altura.</p>
<p>Logo, uma conferência entre uma meia dúzia de Conselheiros foi organizada para discutir a ordem de pronunciamentos sobre a situação australiana. Enquanto se tratava disso, Wilburn anotou um pedido do Ceilão para que lhe fosse permitido mudar sua colheita de arroz para milho nas seções insulares, com uma correspondente redução pluviométrica e temperatura média. Apertou o botão de "favorável".</p>
<p>Foi decidido que Georges DuBois, da Europa Central, introduzisse a proposta de seca, em linguagem apropriadamente relutante.</p>
<p>Um certo George Andrews, de Holtville, Califórnia, queria ver neve cair novamente antes de morrer — o que se daria em poucas semanas agora — não importava que fosse julho. Tampouco podia deixar o clima semitropical de Holtville.</p>
<p>Tongareva apoiaria a proposta, e então ouviriam o Conselheiro dos Distritos australianos apresentar suas razões para que a punição não devesse ser aplicada. Depois disso tocariam de ouvido.</p>
<p>A cidade portuária de Estocolmo solicitou um acréscimo de quinze centímetros de elevação no Mar Báltico. Kobdo, Mongólia, queixou-se que havia ocorrido duas avalanchas desastrosas devido à carga excessiva de neve. E foi ali que os cabelos na nuca de Wilburn começaram a formigar.</p>
<p>Ficou rígido e olhou em volta, para ver a origem dessa estranha sensação. O Plenário fervilhava de atividade. Tudo estava normal. Ficou de pé, mas não podia ver mais nada. Viu Tongareva olhar para ele. Deu de ombros e sentou-se novamente, fitando a bateria de luzes da sua mesa. Sentia a pele fervilhar à medida que a adrenalina se despejava nas veias, fazendo-o sentir-se imoderadamente excitado. O que era? Agarrou as beiradas da mesa de trabalho, fechou os olhos e forçou-se a pensar. Isolou toda atividade à sua volta, obrigando sua mente a relaxar e encontrar a fonte daquele estímulo. O problema australiano? Não, isso não. Era... era alguma coisa relacionada com os pedidos meteorológicos. Abriu os olhos, apertou o botão de "playback" e estudou novamente os pedidos.</p>
<p>Um após outro, agora com mais rapidez, apareciam fugazmente na tela minúscula da sua mesa. Avalanchas, o nível do Mar Báltico, neve no sul da Califórnia, a mudança de arroz para trigo, no Ceilão, o fazendeiro líbio, o... espere. Descobrira agora, voltou para o pedido e leu-o lentamente.</p>
<p>George Andrews, de Holtville, Califórnia, queria ver neve cair, novamente, antes de sua morte próxima e estava impossibilitado de deixar o clima semitropical da Califórnia do Sul. Quanto mais Wilburn olhava, mais certeza tinha de que aquilo parecia ter tudo do que ele precisava. Tinha um apelo universal: um moribundo com um último pedido. Seria difícil: neve caindo em julho, no sul da Califórnia, era coisa desconhecida; nem tinha certeza de que pudesse ser feito. Era quase completamente irracional; o Conselho nunca dera importância a tais pedidos no passado. Quanto mais Wilburn olhava para aquilo tanto mais ficava convencido de que encontrara a verdadeira causa onde pudesse arriscar sua carreira. Todas as pessoas do mundo estariam por trás dele, apoiando-o, se conseguisse realizá-lo. Lembrou-se de como fora tradição dos presidentes americanos mostrar, ocasionalmente, grande interesse por um indivíduo sem importância. Se falhasse, provavelmente estaria acabado para a política, mas essa era uma oportunidade que não devia desperdiçar. E havia alguma coisa com respeito ao nome George Andrews, alguma coisa que tocava, perturbando, vagamente, o fundo de sua mente, alguma coisa que o atraíra para o pedido em primeiro lugar. Não tinha importância. Estava na hora de chamar à ação todas as forças que pudesse reunir.</p>
<p>Pôs toda sua assessoria no circuito e cortou todos os outros contatos. Disse: — Estou considerando apoiar o pedido de George Andrews. Fez uma pausa para permitir que a declaração fosse bem compreendida, sorrindo para si mesmo do choque do seu pessoal; nunca tinham ouvido algo tão inusitado da parte dele. — Verifiquem tudo o que puderem sobre George Andrews. Assegurem-se de que esse pedido é verdadeiro e não uma cilada para um conselheiro inocente como eu. Particularmente, certifiquem-se que não existe nenhuma ligação entre George Andrews e o Conselheiro Maitland. Chequem com Greenberg, da Consultoria, quais são as chances de encontrar uma solução do problema de neve em julho no sul da Califórnia, numa área muito restrita. De posse da resposta, entrem em contato com o Instituto, provavelmente com Hechmer — ele está no sol neste momento — e verifiquem quais são as chances de se levar isto a cabo. Deverá ser completado em... um momento. — Wilburn olhou em volta. Os pedidos meteorológicos haviam terminado, o Conselheiro Yardley deixara sua mesa e andava em direção à frente do Plenário para tomar seu lugar de presidente. — Vocês têm quatro horas para conseguir toda a informação. Vão em frente e boa sorte. Desta vez vamos precisar dela. E Wilburn recostou-se na cadeira. Mas não havia tempo para relaxar.</p>
<p>Enquanto pusera a investigação em andamento, as chamadas haviam se acumulado. Começou a respondê-las, enquanto o Presidente Yardley impunha ordem no Conselho, dando solução rápida aos casos antigos, e depois abordou a matéria da sanção australiana. Wilburn mantinha um ouvido atento nas transações do Plenário, enquanto dava conta das chamadas e outros pedidos durante esse tempo. O Presidente anunciou a ordem dos pronunciamentos a favor e contra a resolução da seca. O Conselho acomodou-se para escutar. O Conselheiro DuBois fez as observações preliminares, expressando o profundo e permanente pesar, coisa que o Conselho considerava necessário fazer desta maneira, para sustentar os princípios do Congresso de Meteorologia. Foi um bom discurso, pensou Wilburn. Não poderia restar dúvidas da sinceridade de DuBois — tinha lágrimas nos olhos e sua voz tremia. Então, o primeiro Conselheiro da Austrália levantou-se e argumentou contra a medida.</p>
<p>Wilburn enfiou o receptor portátil no bolso, apertou o botão indicador de que estava escutando via receptor e deixou o recinto. Muitos dos outros Conselheiros fizeram o mesmo, a maioria dirigiu-se ao Restaurante Privativo dos Conselheiros, onde era possível tomar uma xícara de café sem ser necessário misturar-se com eleitores, imprensa, intermediários ou qualquer outra da enorme quantidade de organizações. Tomavam o café lentamente, mordis-cavam bolinhos doces e falavam. A conversa girava em torno da próxima votação e era fácil notar que as opiniões se firmavam cada vez mais a favor da resolução. Os Conselheiros falavam em voz baixa para poder seguir a tendência dos argumentos apresentados no Plenário; cada Conselheiro tinha seu receptor portátil consigo e todos ouviam pelo microfone implantado no osso atrás de uma orelha. As vozes no Plenário tornaram-se mais altas, quando se tornou claro que o Conselheiro australiano não apresentava mais do que os velhos argumentos: "não-nos-façam-sofrer" e "dêem-nos-outra-chance". O resultado da votação a favor da estiagem era agora quase uma certeza.</p>
<p>Wilburn voltou, lentamente, para o Plenário e despachou mais um pouco do trabalho do dia, acumulado na sua mesa. Saiu para tomar mais café e voltou. Levantou-se para fazer uma breve exposição a favor da resolução, expressando ao mesmo tempo seu pesar em considerá-la necessária. Então, à medida que argumentos pró e contra chegavam ao fim, as informações sobre George Andrews começaram a chegar.</p>
<p>George Andrews tinha cento e vinte e seis anos, uma cardiopatia e os médicos haviam lhe dado mais seis semanas de vida. Não existia nenhuma ligação aparente entre Andrews e o Conselheiro Maitland. Wilburn interrompeu para perguntar: — Quem verificou isso?</p>
<p>— Jack Parker — foi a resposta e Wilburn ouviu uma risadinha, que perdoou. Jack Parker era um dos mais sutis e agudos investigadores no seu setor e Wilburn, mentalmente, tomou nota de que o membro de sua equipe que tivera a idéia de pôr Parker naquele trabalho merecia uma gratificação. Pelo menos Wilburn podia agora tomar uma decisão sem perigo de cair numa cilada política de qualquer espécie. Mas o relatório continuava.</p>
<p>— Como o senhor sabe, Andrews esteve próximo de ser um dos homens mais famosos do mundo há uns cem anos atrás. Durante algum tempo parecia que Andrews receberia todo o crédito de ter inventado as barcas sésseis, mas foi finalmente vencido por Hans Daggensnurf. Houve algumas poucas pessoas, na época, que insistiram em que Andrews sempre fora o inventor e que a política suja, advogados astutos, corporações sem ética e dinheiro sujo haviam-se combinado para fazê-lo de trouxa. O termo "barcas sésseis" era o nome que Andrews dera às barcas do sol, e o nome ficara. Mas, de qualquer forma, nunca poderiam ter sido chamadas de barcas Daggensnurf.</p>
<p>Wilburn lembrava-se agora, espantado, que o seu subconsciente, de alguma forma, o alertara para a necessidade de descobrir quem era George Andrews. Andrews fora o George Seldon da indústria automobilística, o William Kelly do chamado processo de aço Bessemer. Todos eram homens esquecidos; um outro colhera os louros da imortalidade. No caso de Andrews, de acordo com algumas pessoas, fora ele o homem que inventara as barcas do sol, aqueles aparelhos maravilhosos que tornavam todo o Congresso de Meteorologia possível. Deslizando numa fina película de carbono gasoso, as barcas sésseis percorriam com segurança o inferno da superfície do sol, movimentando-se de local para local para excitar a atividade necessária que produziria o clima desejado. Sem as barcas sésseis não haveria Instituto de Meteorologia, composto de homens esguios e olhar duro, que trabalhavam no sol para produzir os resultados solicitados pelo Conselho de Meteorologia. Sim, Wilburn tivera sorte, realmente, em ter desenterrado esse pedaço de história antiga quando precisou.</p>
<p>O relatório continuava: — Checamos com os Consultores de Meteorologia, principalmente com Bob Greenberg. Ele diz que há uma forte possibilidade de encontrar um meio de fazer cair neve no sul da Califórnia nesta época do ano, mas não garante nada. Um dos membros da sua equipe tem os rudimentos de uma nova teoria, que talvez funcione, e o nosso pedido poderá ser o que esperavam para testá-la. Mas não quer ser citado neste particular. Tem um problema pessoal com o gênio que faria o trabalho se o nosso pedido for oficial. O que depreendi foi que ele gostaria que forçássemos o pedido para que pudesse resolver esse caso de um modo ou de outro com seu gênio-problema.</p>
<p>Wilburn perguntou: — E quanto ao Instituto?</p>
<p>— Bem, falamos com Hechmer como o senhor sugeriu. É o seu turno no sol neste momento, por isso está em constante comunicação direta. Diz ele que só têm um Mestre de Barcas em todo o Instituto com suficiente coragem e imaginação, mas que no momento está tendo problemas em casa. Mas Hechmer diz que se aparecermos com alguma coisa especial ele achará um meio de fazer esse seu homem produzir.</p>
<p>Wilburn escutou muitos outros detalhes relacionados com a situação de Andrews. Seu primeiro assistente acrescentara os detalhes de suas próprias investigações, o que demonstrou por que motivo era um membro tão bem pago da assessoria de Wilburn. Supervisionara um levantamento discreto, para saber como os eleitores de Wilburn reagiriam ao seu apoio à moção de atender ao pedido de Andrews. O resultado era previsível: se o pedido passasse rapidamente e sem problemas e se neve caísse, Wilburn seria um homem que cometera um grave erro.</p>
<p>O relatório terminou. Wilburn desligou sua mesa de qualquer outra atividade e lançou um rápido olhar pelo Plenário. Os debates chegavam ao fim. Todos os Conselheiros estavam visivelmente impacientes para começar a votação e era claro agora que o voto seria esmagadoramente a favor da resolução da estiagem. Wilburn recostou-se na cadeira para pensar.</p>
<p>Mas, mesmo assim, já sabia a resposta. Na verdade, não havia nenhuma necessidade de tomar uma decisão. Iria fazê-lo. A única pergunta era: Como? E, enquanto ele voltava a atenção para a oportunidade de apresentar sua resolução, compreendeu que o momento chegara — aqui e agora. Que melhor oportunidade do que o momento em que o Conselho estava terminando um assunto desagradável? Talvez pudesse introduzir sua moção e ela fosse aprovada para tirar o gosto desagradável da boca dos Conselheiros. Era isso. Wilburn acomodou-se para esperar pela votação. Dez minutos depois começou.</p>
<p>Em vinte minutos havia terminado. A votação em favor da resolução de estiagem fora 192 contra 8. O Presidente levantou o martelo para dar por encerrada a sessão. Wilburn ficou de pé.</p>
<p>— Sr. Presidente — disse —, acabamos de cumprir um dever desagradável, mas necessário. Agora, chamo a atenção dos honoráveis membros para a Solicitação Meteorológica Número 18, datada de hoje.</p>
<p>Fez uma pausa, enquanto os membros, demonstrando sua perplexidade, apertavam o botão em suas mesas, que traria de volta o pedido de Andrews. Wilburn esperou até ver todos os rostos virados para ele com expressão de incredulidade. Então falou:</p>
<p>— Eu apenas disse que nosso dever nesta matéria era desnecessário, mas, num sentido mais amplo, nunca tivemos um dever mais necessário na consciência para assegurar-nos que justiça seja... — e Wilburn expôs seu caso. Traçou uma breve biografia de George Andrews e falou sobre a dívida que a raça humana tinha para com ele, uma dívida que nunca fora paga. Enquanto falava, Wilburn sorriu para si mesmo ao pensar nos telefonemas que estariam sendo feitos no Plenário, nesse momento, de mesa para mesa: "O que é que deu em Jonathan?" "Será que Wilburn ficou louco?" "Cuidado com ele; deve estar tramando alguma coisa."</p>
<p>Wilburn falou da dificuldade em saber com certeza se o pedido estava ao menos dentro da esfera das possibilidades tecnológicas. Somente os Consultores de Meteorologia poderiam dizer. E mesmo se fosse possível, o Instituto talvez não pudesse levar a cabo a tarefa. Porém, tais considerações não deveriam impedir ao Conselho de tentar. E concluiu com uma exortação veemente por este ato de benevolência, para mostrar ao mundo que o Conselho era constituído de homens que nunca perdiam de vista o indivíduo.</p>
<p>Sentou-se em meio ao silêncio. Então, Tongareva levantou-se e, com palavras suaves e maneiras gentis, apoiou a resolução, enfatizando o calor e o humanismo da moção, numa ocasião em que muitos estariam pensando que o Conselho fora muito severo. Sentou-se e Maitland levantou-se no Plenário. Para surpresa de Wilburn, Maitland também apoiava a resolução. Mas, enquanto escutava, foi compreendendo que Maitland apoiava a resolução somente porque via nela desastre para Wilburn. Precisou de muita presença de espírito e coragem para Maitland fazer aquilo. Não podia saber o que Wilburn tinha em mente, mas Maitland estava disposto a confiar no seu próprio julgamento de que um erro fora cometido e tentaria tirar vantagem daquilo.</p>
<p>Wilburn respondeu todos os chamados telefônicos que lhe chegaram à mesa. Eram dos seus colegas do Conselho, querendo saber de que forma Wilburn desejava que apoiassem a moção. Alguns deles eram seus amigos, outros eram aqueles que lhe deviam algum favor. A todos Wilburn pediu que fizessem curtos pronunciamentos de apoio. Durante quarenta minutos os Conselheiros levantavam-se, falavam por alguns minutos e logo sentavam-se. Quando a votação terminou viu-se que foi uma das poucas votações unânimes na história do Conselho. A estiagem australiana foi esquecida, tanto no Plenário como no vídeo dos receptores de todo o mundo. Todas as atenções estavam voltadas para a pequena cidade de Holtville, Califórnia.</p>
<p>Wilburn. ouviu o martelo do Presidente encerrar a sessão e teve a consciência de que estava inteiramente comprometido. Seu destino estava nas mãos de outros; seu trabalho terminara por ora, possivelmente para sempre.</p>
<p>Mas, afinal de contas, se a gente quiser alcançar o topo na política, tem de se arriscar.
<hr/>
<p>Anna Brackney subia lentamente os degraus da larga escadaria do Edifício dos Consultores de Meteorologia, meia hora adiantada, como sempre. Parou no alto e olhou para a cidade de Estocolmo. Era uma linda cidade, cheia de vida, sob seus pesados telhados brilhando à luz calma e repousante da manhã. Estocolmo era um ótimo lugar para os Consultores. De fato, tinha sido uma escolha tão boa para a espécie de trabalho que os Consultores faziam, que Anna maravilhou-se novamente, imaginando como era possível que homens a tivessem escolhido. Voltou-se novamente, e entrou.</p>
<p>O Supervisor de Manutenção, Hjalmar Froding, dirigia sua Máquina de Polir em volta do saguão. Viu Anna Brackney e, imediatamente, guiou a Máquina para formar um desenho de jogo-da-velha em cera no piso e, então, fez-lhe uma reverência. Ela parou, meteu o dedo na boca, apontou para a casa superior da direita. A Máquina fez um "O" sobre ela e então colocou um "X" na casa do meio para Froding. O jogo continuou até que Froding fez três "X" enfileirados e a Máquina, triunfante, riscou uma linha reta, unindo os três "X". Hjalmar Froding inclinou-se novamente para Anna Brackney, que respondeu à reverência e seguiu seu caminho. Não fez caso das escadas rolantes e subiu pela escada comum, sentindo-se contente por ter podido, novamente, deixar Froding ganhar sem que percebesse. Anna Brackney gostava de Froding; ele falava ou sorria raramente e a tratava como se ela fosse a rainha da Suécia. Era uma pena que alguns dos outros homens dali não pudessem ser tão facilmente conduzidos.</p>
<p>Tinha de passar pela Sala de Meteorologia principal para alcançar seu gabinete. Um grande globo terrestre ocupava o centro da sala e mostrava a situação meteorológica, no momento, de cada parte da Terra. O globo era semelhante, na intenção, ao mapa no Plenário do Conselho de Meteorologia, mas possuía alguns aspectos adicionais. Cada fluxo de jato, variação de densidade, inversão, frente, isóbara, isalóbara, curva isotérmica, área de precipitação, área nublada e massa de ar apareciam no globo. Era uma massa de cores cambiantes, indecifrável para o olho não treinado; fazia sentido apenas para os matemeteorologistas que compunham a equipe técnica dos Consultores. As paredes curvas da sala pareciam algo saído de um pesadelo, com seu globo em constante agitação, luzes dançantes e mostradores tremeluzentes. Anna passou sem notar nada, com a insensibilidade da longa intimidade. Dirigiu-se ao telégrafo particular do Conselho de Meteorologia para ver se aquele estranho pedido já havia chegado.</p>
<p>O guarda da Sala de Comunicações do Conselho fez continência e afastou-se para deixá-la passar. Entrou, sentou-se e começou a folhear as mensagens do Conselho, chegadas durante a noite. Apanhou a que se referia à imposição de estiagem no norte da Austrália e leu-a. Fungou quando terminou a leitura e disse para si mesma em voz alta: "Nada, nenhum problema. Uma criança poderia fazer os cálculos para que isso acontecesse." Continuou folheando a pilha de mensagens.</p>
<p>Achou a que queria e leu-a com atenção. Leu-a mais uma vez. Era como o noticiário dissera: neve em julho sobre uma área de dois e meio quilômetros quadrados no sul da Califórnia. A latitude e a longitude da área eram indicadas, e era só isso o que estava escrito. Mas Anna Brackney sentiu a excitação crescer dentro dela. Aí estava o problema que, provavelmente, não podia ser solucionado com as técnicas comuns.</p>
<p>Enfiou o dedo na boca. Eis o que ela esperava há tanto tempo, a oportunidade de provar sua teoria. Agora, restava apenas convencer Greenberg a dar-lhe o problema. Endireitou a pilha de mensagens e foi para o seu gabinete.</p>
<p>Era uma sala pequena, medindo dois e meio por dois e meio metros, mas Anna Brackney ainda a considerava grande demais. Sua mesa situava-se a um canto, de frente para uma das paredes, a fim de lhe dar a ilusão de ser mais apertada do que o era de fato. Anna não podia suportar a sensação de espaços abertos quando trabalhava. Não havia uma janela sequer, nenhum quadro, nada para desviar-lhe a atenção das paredes cinza-escuro. Outros Consultores tinham idéias diferentes sobre um ambiente de trabalho adequado. Alguns gostavam de manchas de cores brilhantes, outros de vistas de florestas ou marinha, Greenberg tinha suas paredes cobertas de um emaranhado branco e preto e as paredes de Hiromaka estavam cobertas de nus artísticos. Anna teve um arrepio de asco ao se lembrar daquilo.</p>
<p>Em vez de sentar-se à mesa, ficou parada no meio da pequena sala, pensando como poderia persuadir Greenberg a confiar-lhe o problema Andrews. Seria difícil. Sabia que Greenberg não gostava dela, e que isso se devia unicamente ao fato dele 'ser um homem e ela uma mulher. Nenhum dos homens gostava dela e, como resultado, seu trabalho nunca recebia o crédito merecido. Num mundo de homens, nunca era permitido julgar uma mulher apenas com base no seu trabalho. Mas, se pudesse pegar o problema Andrews, ela lhes mostraria. Ela mostraria a todos eles.</p>
<p>O tempo era curto. O problema Andrews tinha de ser solucionado imediatamente. Às vezes, os programas meteorológicos dos Consultores levavam semanas para serem postos em prática e, se esse fosse o caso, então seria tarde demais. Tinha de ser trabalhado e solucionado agora para ver se havia tempo suficiente. Girou nos saltos e saiu correndo do gabinete, desceu as escadas rolantes e depois os largos degraus da escadaria da porta da frente do edifício. Não perderia tempo. Encontrar-se-ia com Greenberg quando ele chegasse.</p>
<p>Teve uma espera de dez minutos, e isso porque Greenberg estava adiantado. Disse: — Dr. Greenberg, estou pronta para começar a trabalhar imediatamente no problema Andrews, sinto que...</p>
<p>— Estava esperando por mim? — perguntou Greenberg.</p>
<p>— Sinto que sou a mais bem qualificada para resolver o problema Andrews, visto que exigirá novos procedimentos...</p>
<p>— Que diabo é o problema Andrews?</p>
<p>Olhou para ele sem entender e respondeu: — Ora, é o problema que chegou durante a noite e quero ser a pessoa que...</p>
<p>— Mas, a senhora alcançou-me aqui nos degraus antes de eu poder entrar. Como vou saber quais problemas chegaram durante a noite? Ainda não estive lá em cima.</p>
<p>— Mas o senhor deve saber... o senhor ouviu falar nele, saiu no noticiário.</p>
<p>— Saem muitas tolices no noticiário com respeito ao nosso trabalho, a maior parte inverídica. Por que não espera até que eu dê uma olhada nisso para saber do que está falando?</p>
<p>Subiram nas escadas rolantes em silêncio, ele aborrecido de ter sido abordado desse modo e ela aborrecida com o seu esforço óbvio de adiar o que ela queria.</p>
<p>Ele dirigiu-se para o seu gabinete, e Anna falou: — Está na Sala de Comunicações do Conselho, não no seu gabinete.</p>
<p>Ia responder, mas pensou melhor, entrou na Sala de Comunicações e leu a mensagem. Ela falou: — Agora, posso tê-lo?</p>
<p>— Olhe, que diabo. Este pedido será atendido como qualquer outro até que compreendamos suas ramificações. Vou dá-lo a Upton, como faço com todos os outros, para uma opinião preliminar e a recomendação de quem deva se ocupar dele. Depois que tiver essa recomendação decidirei o que fazer. Agora, não me incomode até que Upton tenha dado uma olhada nisto. — Viu sua boca curvar-se para baixo e seus olhos ficarem cheios de lágrimas. Já passara por estas crises de choro antes e não gostava. — Vejo-a mais tarde — disse, e afastou-se quase correndo, entrou no seu gabinete e trancou a porta. Isso era uma coisa boa no Edifício dos Consultores. Uma porta trancada era inviolável. Significava que a pessoa que se encontrava do outro lado não queria ser importunada, e tamanho o volume do trabalho que o desejo era respeitado.</p>
<p>Anna Brackney voltou furiosa para a sua sala de trabalho. Lá estava outra vez. Uma mulher não tinha nem uma chance por aqui; recusavam-se a tratá-la como a um homem. Depois, foi esperar na sala de Upton para explicar a coisa toda para ele.</p>
<p>Upton era um homem corpulento, de gênio agradável e inteligência afiada. E, mais ainda, compreendia o funcionamento de uma mente com idéias fixas. Anna contara apenas pouco mais da metade de sua história triste, quando ele percebeu que o único modo de tirá-la de suas costas, pelo resto do dia, seria estudar o pedido Andrews. Mandou buscar a mensagem, examinou-a, assobiou e sentou-se em frente do computador 2.650. Durante meia hora alimentou-o com dados e recostou-se na cadeira enquanto o computador os mastigava e depois cuspiu os resultados. O problema crescia, por isso pediu ajuda e logo havia três homens trabalhando nos computadores. Três horas mais tarde, Upton virou-se para Anna, que estivera parada atrás dele o tempo todo.</p>
<p>— Tem algumas idéias sobre isto? — perguntou. Ela assentiu com a cabeça.</p>
<p>— Pode me dizer alguma coisa sobre elas?</p>
<p>Anna hesitou, e depois disse: — Bem, ainda não tenho tudo. Mas acho que pode ser feito por... — ela parou, olhando desconfiada para ele, tentando descobrir de antemão se estava rindo dela — uma frente vertical.</p>
<p>O queixo de Upton caiu. — Uma frente ver... Você quer dizer uma frente verdadeira, inclinada verticalmente em relação à superfície da Terra?</p>
<p>Ela balançou a cabeça e meteu o dedo na boca. Longe de rir, Upton fitou o chão por uns momentos e depois dirigiu-se para a sala de Greenberg. Entrou sem bater e disse para o chefe: — Há uns quarenta e seis por cento de chance de realizar este pedido de Andrews, por meio de técnicas convencionais. E por falar nisso, o que há com o Conselho? Nunca os vi fazer uma coisa tão idiota antes. O que é que estão tentando fazer?</p>
<p>Greenberg sacudiu a cabeça. — Não sei — respondeu. — Recebi uma chamada de Wilburn, perguntando-me sobre isto. Tive a desagradável impressão de que eles estão tentando saber, exatamente, o que podemos fazer por aqui, uma espécie de teste para nós, antes de confrontar-nos com um problema realmente grande. Ontem votaram a seca para o norte da Austrália, talvez estejam se aprontando para, realmente, apertar alguma região e querem saber primeiro o que podemos fazer.</p>
<p>Upton comentou: — Seca na Austrália? Puxa, estão ficando um pouco durões, não? Não está parecendo o bom e indulgente Conselho que conheço. Há alguma dificuldade com a estiagem australiana?</p>
<p>— Não. É um problema tão comum que nem me dei ao trabalho de submetê-lo a você para triagem. Dei-o diretamente a Hiromaka. Mas há qualquer coisa por trás deste negócio de Andrews e não estou gostando. É melhor encontrar uma maneira de realizá-lo.</p>
<p>— Bem, a Brackney tem uma abordagem do problema que é suficientemente maluca para funcionar. Deixemos que ela tente achar uma solução e depois verificaremos se esta solução tem melhor chance de funcionar do que as técnicas convencionais.</p>
<p>Anna Brackney estivera parada perto da porta. Chegou perto e disse, com raiva: — O que quer dizer com "maluca"? Não há nada errado com a idéia. Apenas não querem que eu seja a pessoa a solucionar o problema. Vocês só...</p>
<p>— Não, não, Anna — disse Greenberg —, não é isso. Você é quem vai trabalhar nisto, por isso não...</p>
<p>— Muito bem, começarei agora mesmo — respondeu Anna, virando as costas e saindo.</p>
<p>Os dois homens olharam-se. Upton deu de ombros e Greenberg levantou os olhos para o teto, sacudiu a cabeça e suspirou.</p>
<p>Anna Brackney sentou-se no seu canto e fitou a parede. Passaram-se dez minutos antes que ela metesse o dedo na boca e outros vinte antes que ela tirasse um bloco e lápis e começasse a rabiscar. Trabalhou com rapidez. Com sua primeira equação, escrita numa pequena folha de papel, ela deixou sua sala à procura de um matemeteorologista residente. Anna recusou-se a usar o microfone da sua mesa para chamar um deles.</p>
<p>Todos os residentes estavam sentados às suas mesas, numa grande sala e, quando Anna entrou, todos se curvaram como se estivessem muito atarefados. Sem prestar atenção ao seu comportamento, Anna foi até a mesa de Betty Jepson e colocou a folha de papel na sua frente. Disse sem rodeios: — Faça uma análise de regressão nisto — e o seu dedo traçou a equação na fórmula y = a1X1 + a2x2 + ... anxn — anotando que n é igual a 46, neste caso. Tome os dados observacionais dos bancos do computador Número Oitenta-e-três. Quero uma ajustagem melhor do que noventa por cento. — Girou nos calcanhares e voltou para a sua sala.</p>
<p>Meia hora depois estava de volta com outra equação, para Charles Bankhead, depois outra para Joseph Pechio. Com o modelo estabelecido, ela pediu a ajuda de um matemeteorologista formado, e Greenberg designou Albert Kropa. Kropa escutou a descrição, um tanto incoerente, do que ela tentava fazer, e então começou a percorrer a sala, olhando por cima dos ombros dos residentes, para ver o que eles faziam. Aos poucos, foi compreendendo e, finalmente, saiu correndo para a sua sala de trabalho e começou a produzir suas próprias relações polinômicas.</p>
<p>Cada equação exigia o uso pleno de um computador 1.650 e sua própria equipe, sob a direção de um residente, e mais seis horas para chegar a um ajustamento — mesmo um ajustamento preliminar. À medida que Anna e Kropa produziam mais das equações básicas necessárias, tornou-se evidente que tempo demais estava sendo gasto para desenvolver cada uma individualmente. Anna interrompeu o trabalho e passou duas horas elaborando um método de programação num 2.230 para explorar os fatores necessários em cada análise de regressão. O computador começou a produzir as equações necessárias, na razão de uma a cada dez minutos, e então Anna e Kropa voltaram sua atenção para o método de correlacionar o fluxo de dados que cairia sobre eles quando cada análise estivesse completa. Depois de meia hora, ficou claro que não poderiam terminar aquela fase do programa antes que os dados começassem a chegar. Pediram e conseguiram mais dois matemeteorologistas formados.</p>
<p>Os quatro dirigiram-se para a Sala de Meteorologia, para poderem estar juntos enquanto trabalhavam. A matemática correlativa começou a desdobrar-se e todos os residentes restantes iam sendo chamados, um a um, para ajudar. Meia hora depois, todos os 1.650 estavam ocupados e Greenberg telefonou para a Universidade de Estocolmo, solicitando a utilização dos computadores deles. Esses foram suficientes por vinte minutos e, então, Greenberg solicitou meia dúzia de computadores industriais da cidade. Mas ainda não foi o suficiente. A rede de computadores começou a se alargar, progressivamente, por todo o Continente, alcançando, em duas horas, cidades costeiras do leste dos Estados Unidos. A autoridade suprema dos Consultores para resolver um problema era absoluta.</p>
<p>Tornou-se necessário que Upton se juntasse ao grupo e, quando o próprio Greenberg tomou um lugar no grande círculo, na Sala de Meteorologia, seguiu-se uma breve pausa no trabalho para algumas vaias e alguns carinhosos comentários irônicos. O compromisso dos Consultores era total.</p>
<p>Anna Brackney parecia não notar. Seus olhos estavam vidrados e falava em curtas frases secas, em contraste com aquelas vagas e confusas que costumava proferir. Parecia saber, uns momentos antes, quando aconteceria uma interrupção no crescente fluxo de dados, e intervinha, suprindo a continuidade necessária. Eram quinze horas quando Hiromaka percebeu que ninguém almoçara. Greenberg mandou buscar comida; novamente às vinte e três horas e também às nove horas da manhã do dia seguinte.</p>
<p>Todos tinham uma aparência horrível, com as faces encovadas, as roupas amarrotadas e profundas olheiras. Mas havia fogo nos olhos de cada um, mesmo nos do residente mais novo. Um fogo nascido da participação no problema de meteorologia mais complexo já enfrentado pelos Consultores.</p>
<p>Upton encarregou-se da tarefa de coordenar os padrões matemáticos relacionados com o planeta Terra. Manteve sob seu controle os resultados das análises regressivas, resultantes de variáveis tais como as diversas distâncias possíveis da Terra ao sol; as posições rotacionais da Terra com relação ao sol; a forma, posição, densidade, variações e carga de ambos os cinturões magnéticos Van Allen; a velocidade, temperatura, direção e largura de quatrocentas correntes de jato; o fluxo de calor das correntes marítimas mais importantes; o efeito da deriva de ar, causado por cada grande massa de terra; o conteúdo calórico das massas telúricas; o efeito Coriolis e, sobreposto a todos esses fatores e muitos outros, o efeito dos programas meteorológicos já existentes por toda a superfície da Terra.</p>
<p>Greenberg tomou o sol e trabalhou com os resultados das análises do movimento de cada mancha solar; as rotações do sol, temperaturas e pressões flutuantes da fotosfera, a camada reversível, a cromosfera e a coroa solar; variações do espectro e a potência útil emanada do ciclo de carbono e da cadeia próton-próton.</p>
<p>Anna andava por toda parte, ora olhando por cima do ombro de Upton, ora telefonando para os computadores em Washington, ora dirigindo um residente na sua tarefa seguinte, ora inventando um novo sistema notacional para simplificar a alimentação de modelos matemáticos, recém-derivados, aos computadores. Andava como num sonho, mas quando uma pergunta lhe era feita ou quando alguma coisa tornava-se mais lenta, suas respostas estavam longe de ser sonhadoras. Muitos dos residentes, vários operadores de computador e o próprio Upton sentiram-se fustigados por uma das suas frases secas, apontando o que podia ter sido um erro óbvio. À medida que o tempo passava, o trabalho tornava-se mais frenético, as linhas, normalmente severas, do rosto de Anna foram se suavizando e agora caminhava ereta em vez de andar com o corpo largado. Diversos matemeteorologistas, que antes nem teriam se dignado a falar com ela, a não ser que fosse absolutamente necessário, encontraram-se pedindo, por iniciativa própria, instruções para suas partes do problema.</p>
<p>A primeira solução parcial foi inteiramente resolvida, pela primeira vez, às onze horas da manhã seguinte. Tinha uma ajustagem de apenas oitenta por cento, mas era boa para ser a primeira; mais viriam a seguir. Mas Upton encontrou uma falha. — Nada bom — disse ele. — Esta solução também aumentaria aquela estiagem proposta para a Austrália em doze por cento. Isso seria uma beleza! Façamos uma coisa dessas e vamos nos encontrar lendo medidores de eletricidade.</p>
<p>O comentário tocou uma corda sensível no grupo e o riso espalhou-se, crescendo em intensidade. Em poucos instantes todo o pessoal do Edifício dos Consultores era sacudido por violentas gargalhadas, devido à longa tensão que já cobrara o seu tributo. Passaram-se vários minutos antes que olhos fossem enxugados e que as pessoas se acomodassem novamente para trabalhar melhor. Greenberg falou:</p>
<p>— Bem, isso é onde estará o nosso perigo. Não necessariamente na Austrália, mas, em toda parte. Precisamos ter certeza de não provocar uma reação drástica em algum lugar.</p>
<p>Anna Brackney ouviu-o e disse: — DePinza está trabalhando numa análise definitiva para assegurar-se de que não haja nenhuma reação indesejável. Ele terá o resultado em uma hora. — Anna afastou-se, deixando Greenberg boquiaberto atrás dela.</p>
<p>Eram quinze horas quando o conjunto final de equações foi terminado. A ajustagem era de noventa por cento e a verificação, comparada com a análise de DePinza, foi de cem por cento. Os residentes e os matemeteorologistas agruparam-se em redor da grande mesa, enquanto Greenberg estudava os resultados. Haviam terminado bem na hora. Os procedimentos que calcularam haviam exigido operações do lado da Terra onde bate o sol, começando três horas depois do segundo turno e continuando por mais quatro horas. Greenberg esfregou a barba, de mais de vinte e quatro horas, e disse:</p>
<p>— Não sei se deixo isto tudo ou não. Poderíamos mandar um relatório, comunicando que nossos processos nunca foram experimentados e não deveriam ser usados todos de uma só vez.</p>
<p>Os olhos do grupo voltaram-se para Anna Brackney, mas ela parecia soberbamente indiferente. Upton falou o que estava na mente de todos. — Há um pouquinho do coração de cada um aqui. — Ele inclinou a cabeça para as equações. — Visto que elas representam o melhor que podemos fazer, não vejo como podemos recomendar que não deveriam ser usadas. Neste exato momento, essas equações representam a melhor produção dos Consultores; nesse sentido elas são os Consultores. Tanto nós como as pessoas que nos colocaram neste lugar devem vencer ou cair com os nossos melhores desempenhos.</p>
<p>Greenberg assentiu com a cabeça e entregou duas folhas de papel a uma residente e disse:</p>
<p>— Decomponha isto do lado do comportamento do sol e depois mande tudo para mim, lá no Instituto de Meteorologia. Espero que não tenham que quebrar a cabeça como eu fiz. — Esfregou o rosto e acrescentou: — Bem, é para isso que somos pagos.</p>
<p>A residente apanhou as folhas e saiu. Os outros foram se dispersando até que somente Greenberg e Upton ficaram sozinhos. Upton então falou:</p>
<p>— Isto vai ser uma grande pena no chapéu de Anna Brackney. Não sei de onde ela tirou a inspiração.</p>
<p>— Nem eu tampouco — disse Greenberg. — Mas se ela botar o dedo na boca outra vez, sou capaz de me demitir.</p>
<p>Upton deu uma risadinha. — Se ela conseguir realizar isto, é melhor que todos nós aprendamos a meter os dedos na boca.</p>
<hr/>
<p>James Éden rolou para fora do beliche e se ergueu na ponta dos pés. Sim, havia um murmúrio de conversa, apenas audível no convés. Éden sacudiu a cabeça; o sol estava agitado e ia ser um dia ruim. Se a Base estivesse murmurando, então as barcas sésseis seriam difíceis de controlar. Isso nunca falhara. Tente uma manobra complicada e manhosa, e trabalhará, então, nas piores condições possíveis; trabalhe dentro da rotina e as condições serão perfeitas. Mas isso é o que se devia esperar do Instituto. Mesmo os manuais mencionavam isso — uma variação da velha lei de <span title="Finagle: dar um jeito, trapacear (N. do T.)" style="color:blue">Finagle</span>.</p>
<p>Éden fez a barba e vestiu a roupa, imaginando como seria a tarefa que o esperava. Eles sempre eram os últimos a saber das coisas e, no entanto, sempre os que deviam fazer o trabalho sujo. O Congresso de Meteorologia dependia inteiramente do Instituto. O Conselho não passava de um monte de velhos políticos ricos e gordos, que cocavam as costas uns dos outros e passavam os dias inventando Grandes Transações. Os Consultores eram um bando de doidos que, sentados no seu traseiro, liam em voz alta todo troço que os computadores resolviam. Mas o Instituto era diferente, um excelente grupo de homens dedicados, que faziam o seu trabalho para que o planeta Terra florescesse. Era bom estar no Instituto de Meteorologia — e, novamente, aquele pensamento.</p>
<p>Éden não podia manter os pensamentos afastados do problema que o estivera incomodando durante todo o turno. Esfregou a testa e perguntou-se outra vez sobre a perversidade das mulheres. Rebeca de cabelos e olhos negros, pele branca e morna, esperava-o quando terminasse o seu turno, mas só se ele deixasse o Instituto. Podia vê-la agora, junto a ele, olhando profundamente para dentro de seus olhos, com a suave palma da mão contra sua face, dizendo: — Não vou dividir você com nenhuma pessoa ou coisa, mesmo com seu querido Instituto. Quero um marido completo. Você tem que decidir. — Com outras mulheres ele teria dado uma risada, tê-las-ia erguido e rodopiado com elas até que tivessem mudado de idéia, mas não com Rebecca, não a Rebecca de longos cabelos negros, maldição!</p>
<p>Deu meia volta, saiu da sua diminuta cabina e dirigiu-se para o refeitório. Uma meia dúzia de homens já se encontrava lá quando entrou. Falavam e riam. No entanto, pararam o que estavam fazendo e olharam para ele, saudando-o quando apareceu na porta: "Olá, Jim." — "Já era hora de você levantar." — "É bom vê-lo, rapaz!"</p>
<p>Éden reconheceu os sintomas. Estavam tensos e falavam, rindo alto demais. Sentiram-se aliviados quando Jim se juntou a eles. Precisavam de alguém em quem se apoiar e Éden sentia um pouco de pena deles por causa disso. Agora não precisariam fazer tanto esforço para parecerem normais. Os outros também tinham escutado os murmúrios no convés.</p>
<p>Éden sentou-se e disse: — Bom dia. Alguma coisa no Quadro de Avisos, sobre o trabalho do turno?</p>
<p>Os outros sacudiram a cabeça e Pisca disse: — Nenhuma palavra. Sempre esperam, informando-nos por último. Todo mundo no planeta sabe o que está acontecendo, mas nós não. Tudo o que nos chega são rumores, até o momento de sairmos e realizarmos a tarefa.</p>
<p>— Bem — disse Éden —, a comunicação com o Instituto não é a coisa mais fácil deste mundo, não se esqueçam. Não podemos saber de tudo logo que acontece. Mas, em parte, concordo com vocês; parece-me que poderiam manter-nos mais bem informados, à medida que as coisas vão se desenvolvendo lá na Terra.</p>
<p>Todos balançaram a cabeça e voltaram ao seu desjejum. Conversaram durante a refeição até que um carrilhão suave soou por toda a Base. Levantaram-se. Era hora de receber as instruções, por isso dirigiram-se para a sala de instrução no alto da Base. O Comandante Hechmer já estava lá quando entraram e tomaram seus lugares. Éden observava atentamente, enquanto procurava um lugar para sentar-se. No passado, já se perguntara se Hechmer o havia notado particularmente — um olhar extra, maior atenção quando ele fazia alguma pergunta, falando mais com ele do que com os outros durante as instruções; pequenas coisas, mas mesmo assim importantes.</p>
<p>O Comandante John H. Hechmer, de quarenta e cinco anos, era uma lenda no Instituto de Meteorologia. Fora ele que desenvolvera e aperfeiçoara a técnica de Jato de Extrema Precisão, em que um fino jato de prótons podia ser extraído do nível de 4.500 graus de uma mancha solar e dirigido contra um determinado local da Terra voltado para o sol. Nos dias em que Hechmer era Mestre Superior de Barcas do Instituto, grandes passos foram dados no controle da meteorologia. Um excelente e detalhado padrão meteorológico, que deixara os experts atônitos. Hechmer havia mesmo dirigido os Conselheiros, mostrando-lhes o alcance mais amplo das capacidades do Instituto. Sua direção de uma barca solar nunca fora igualada e era uma das metas da carreira de Éden — se decidisse permanecer — ser considerado como o homem que mais se aproximara de Hechmer.</p>
<p>Éden observava e, finalmente, quando Hechmer levantou a cabeça, pareceu a Éden que seus olhos varriam o grupo, pousando por alguns instantes nele, e depois se desviavam. Era como se Hechmer quisesse se certificar de que ele estava lá. Éden não podia ter tanta certeza disso, mas a possibilidade fez com que ele se empertigasse mais na cadeira.</p>
<p>Hechmer falava:</p>
<p>— Aqui está a Fase Um das operações do próximo turno, recebida dos Consultores. — Iluminou a parte mencionada, na folha vertical do painel que se encontrava às suas costas. Éden, apenas com um relance, percebeu que aquilo representava um afastamento substancial dos processos costumeiros. Imediatamente, começou a afundar-se na cadeira à medida que se perdia no estudo da questão e de como lidar com ela. Não percebeu que Hechmer vira sua imediata compreensão do problema. Demorou mais alguns instantes até se ouvirem alguns assobios baixos, anunciando que todos os outros também tinham compreendido.</p>
<p>Hechmer ficou quieto, enquanto os companheiros estudavam a página. Todos estavam pensando como o relatório deveria ser modificado para deixá-lo em condições viáveis e poder ser utilizado pelo Instituto. Os Conselheiros sempre se orgulhavam de dizer que suas soluções eram expostas em terminologia clara e explícita. Mas, do ponto de vista prático, suas soluções eram inteiramente inexeqüíveis na forma em que eram recebidas, pois não mencionavam muitas das condições do sol que o Instituto deveria enfrentar. Estas condições não eram explicadas pela matemática. Era uma das piadas discretas do Instituto escutar a falação de um Consultor sobre a perfeição de suas soluções e do pouco trabalho que tinha o Instituto, e depois perguntar ao Consultor o que sabia sobre "granulação inversora". Ninguém, a não ser um membro ativo do Instituto, podia experimentar o estranho movimento ondulante encontrado nas regiões inferiores da camada inversora.</p>
<p>O silêncio estendeu-se. A testa de Éden estava franzida pela concentração, enquanto tentava encontrar uma maneira de enfronhar-se no problema. Finalmente, viu uma entrada, então apanhou um bloco de papel e começou a tentar um método de decompor o problema. Hechmer começou a revisar seus próprios cálculos, enquanto os outros fitavam a página no painel, como se estivessem hipnotizados. Passaram-se uns dez minutos até que um dos outros homens começasse a escrever no papel suas próprias anotações.</p>
<p>Éden recostou-se na cadeira e olhou para o que escrevera. Com excitação crescente, percebeu que sua possível resposta nunca fora experimentada antes. Entretanto, à medida que olhava para ela com mais atenção, foi compreendendo que talvez nunca pudesse ser realizada; era uma abordagem radical, exigindo um comportamento da Barca não mencionado nas Especificações das Barcas.</p>
<p>Hechmer, finalmente, falou:</p>
<p>— Senhores, precisamos começar. Para dar início aos trabalhos, eis aqui a minha resposta para o problema. Equacionem-na se puderem.</p>
<p>Éden olhou para o papel. Também era diferente, mas, com a diferença de que esta exigia o uso de todas as Barcas no sol, coisa que nunca fora necessária. A resposta de Hechmer era efetuar a missão pelo simples peso dos números e, por este meio, arrancar dos vários níveis da atmosfera do sol o total dos jatos e lençóis necessários para produzir o clima desejado na Terra. Mas, à medida que Éden o estudava, começou a perceber falhas no plano. Os jatos, sendo tirados de diferentes partes da superfície do sol, atingiriam a Terra e seus arredores em ângulos ligeiramente diferentes do que aqueles exigidos. A resposta de Hechmer poderia funcionar, mas parecia não ter tão boa chance como a de Éden.</p>
<p>Hechmer dizia:</p>
<p>— O fator principal deste plano é a larga dispersão do encontro dos jatos. Podem pensar em alguma coisa para superar isso?</p>
<p>Éden não podia, pois sua mente estava mais ocupada com seu próprio plano. Se ele pudesse certificar-se de que as Barcas podiam suportar a submersão na superfície do sol, por um período determinado de tempo, haveria poucos problemas. Ora, as comunicações poderiam ser mais difíceis, mas, com somente uma Barca lá, a necessidade de comunicação seria muito reduzida; a Barca seria bem-sucedida ou não e nenhuma instrução, de parte alguma, poderia ajudar.</p>
<p>Um dos outros homens começava a sugerir a modificação impraticável de ter todas as Barcas trabalhando bem próximas umas das outras, um grave erro, visto que as Barcas não podiam controlar seus tórulos com a necessária destreza. Éden interrompeu-o sem pensar. — Aqui está uma possível resposta — disse, deixando cair sua página escrita sobre a mesa.</p>
<p>Hechmer continuou a olhar para o homem que estava falando, esperando, polidamente, que ele terminasse. O homem evitou uma situação embaraçosa, dizendo: — Vamos ver o que é que Jim tem a oferecer, antes de terminar com esta.</p>
<p>Hechmer colocou a página de Éden dentro do visor e todos a estudaram. Tinha a vantagem de, pelo menos, ser facilmente compreendida e todos começaram a falar ao mesmo tempo, a maioria dizendo que não podia ser feito. "Você vai perder a Barca." "Sim, e os homens que estão nela." "Não vai funcionar mesmo que a Barca agüente." "Você não pode levar uma Barca a tal profundidade", diziam.</p>
<p>Éden observava atentamente o rosto de Hechmer, enquanto estudava o plano. Viu os olhos do chefe se esbugalharem e, outra vez, se estreitarem. Ao mesmo tempo, Hechmer percebeu que Éden o observava intensamente. Durante alguns momentos, a sala sumiu na mente de Hechmer, sendo substituída por outra sala idêntica, há muitos anos atrás, quando um Hechmer mais moço e mais atirado observava ansiosamente os olhos do seu superior, enquanto este estudava um plano novo. Hechmer disse, sem tirar os olhos da página projetada: — Supondo que a Barca pudesse chegar lá embaixo, por que este plano não funcionará?</p>
<p>— Ora — disse o homem que declarara o plano inviável —, os jatos e os lençóis não emergirão, necessariamente, na direção... — Mas, enquanto falava, percebeu que a energia do campo das manchas solares estava canalizada para que funcionassem como uma lente de focalização e suas palavras foram sumindo.</p>
<p>Hechmer balançou a cabeça, aprovando. — Estou contente que tenha visto isso. Mais alguém? Alguma falha, uma vez que a Barca tenha chegado lá no fundo e ficado o tempo suficiente? — Os homens concentraram-se, novamente, no problema, mas, não puderam achar nada errado com ele, dada a hipótese exposta. Hechmer continuou: — Muito bem, agora, por que uma Barca não suportará esse tipo de submersão?</p>
<p>Um deles respondeu: — O efeito séssil não é muito forte na parte superior do tórulo. Queimará completamente.</p>
<p>Éden saltou: — Não. Duplique-se a alimentação de carbono na parte superior do tórulo. Isso resolverá tudo.</p>
<p>Discutiram durante meia hora, Éden e dois outros, defendendo o conceito e no fim não havia mais oposição. Todos trabalhavam para dar acabamento ao plano, removendo o máximo de risco possível. Quando terminaram, já não havia, realmente, nenhuma decisão para Hechmer tomar. O grupo de capitães de Barcas aceitava o plano e não era necessário dizer que a Barca de Éden seria a Barca de profundidade. Faltava apenas meia hora para o começo do turno, por isso foram se aprontar.</p>
<hr/>
<p>Éden meteu-se, com dificuldade, dentro da roupa de chumbo, soltando as mesmas pragas que todo Barqueiro, desde o primeiro, soltara. A Barca possuía ampla proteção e os trajes eram fornecidos para dar proteção somente no caso em que um vazamento deixasse penetrar alguma radiação. Mas no sol era improvável que algum vazamento deixasse entrar um pouquinho de radiação ... Muito mais certo seria que um vazamento deixasse tanto da atmosfera solar penetrar na Barca que os homens dentro dela nunca saberiam o que lhes acontecera. Uma roupa de chumbo, então, seria como querer represar um vulcão com uma pena. Não obstante, os trajes de chumbo eram obrigatórios.</p>
<p>A entrada na Barca desde a Base era sempre uma manobra perigosa e cheia de truques. O tórulo acima do compartimento de ligação entre ambas não era uma parte fixa do compartimento e se se movesse, todo o campo gravitacional do sol podia puxar um homem, fazendo seu corpo enterrar-se completamente nos seus sapatos. Éden deslizou para o interior da Barca, deu uma volta de inspeção, como era de praxe o capitão fazer antes de ir para o seu assento e começar os procedimentos de subida.</p>
<p>Notou que a atividade do sol continuava agitada. Primeiramente verificou o suprimento de carbono, o material que se vaporizava e então, na forma de uma fina película, protegia toda a Barca do calor infernal da superfície solar. As Barcas deslizavam na camada de carbono vaporizado, assim como uma gota de água se move numa camada de água vaporizada em cima de uma chapa de metal esquentada até ficar rubra; este era o efeito séssil. Depois checou o tórulo da parte superior. Aqui, numa rota circular, viajavam alguns gramas de prótons, a uma velocidade próxima à da luz. A essa velocidade, alguns gramas de prótons pesavam incalculáveis toneladas e, desse modo, anulavam a enorme atração gravitacional do próprio sol. A mesma fita magnética que supria o campo para manter os prótons no seu estado de massa-pesada servia também para manter a polaridade igual à da superfície adjacente do sol. Portanto, o tórulo e o sol repeliam-se mutuamente. Os objetos sob o tórulo estavam sujeitos a dois campos gravitacionais: o do tórulo — quase, mas não completamente — cancelando o do sol. Como resultado, os homens trabalhavam dentro das Barcas e na Base num campo de 1-G.</p>
<p>Éden terminou a lista de checagem, item por item, nas diversas partes em funcionamento da Barca. Sua tripulação de quatro homens trabalhava junto com ele, cada membro responsável por uma seção da Barca. Cinco minutos antes do lançamento, o painel estava verde e, quando a contagem regressiva chegou a zero, eles partiram.</p>
<p>A Barca portava-se bem sob o seu comando. Subia e descia, ao passo que a superfície solar fervia turbulentamente, mas ele mantinha a Barca firmemente no rumo, deslizando sobre sua fina película de vapor de carbono.</p>
<p>— Como vão indo? — perguntou pelo comunicador interno.</p>
<p>Um coro de "muito bem" chegou, como resposta, de modo que Éden inclinou a Barca mais um pouco para aumentar a velocidade. Estavam numa tabela de tempo apertada e tinham uma boa distância a percorrer. Como sempre acontecia, Éden sentiu uma sensação de embriaguez à medida que a velocidade aumentava e fez o que sempre fazia quando se sentia assim.</p>
<p>Com muito cuidado, foi correndo um após outro os painéis que amorteciam o som, na antepara do lado do assento do piloto. Quando o oitavo painel correu para trás, podia ouvi-lo fracamente, então puxou para trás, lentamente, o nono painel e no décimo o rugido encheu o cubículo do piloto. Éden foi inundado pelo rugido tonitruante que invadia a cabina, sacudindo-lhe o corpo com sua fúria, retirando-lhe da mente tudo menos a necessidade de lutar, concentrar-se e revidar. Este era o rugido direto e puro do próprio sol, que o atingia; a trovejante concatenação de milhões de bombas atômicas detonando a cada fração infinitesimal de cada segundo. O som e a fúria eram de fazer vacilar a mente e um homem só podia deixar entrar apenas um pouquinho e ainda manter sua sanidade mental. Mas, esse pouquinho era um som terrível, purificador, que produzia humildade, focalizando a atenção do homem nos poderes que ele controlava, advertindo-o de não se meter onde não devia.</p>
<p>Isto era algo que Éden nunca contara a ninguém, e que ninguém jamais lhe contara. Era seu segredo, seu modo próprio de refrescar e realimentar o que quer que fosse que o tornava o homem que era. Supunha que era o único dos pilotos a fazer isto e, visto que neste exato ponto ele não pensava com clareza, nunca lhe ocorreu imaginar por que é que os painéis móveis, à prova de som, de toda Barca, estavam situados, por acaso, do lado direito do assento do piloto.</p>
<p>Durante meia hora Éden dirigiu a Barca em direção ao seu primeiro ponto de ação, lidando facilmente com a violência normal da superfície do sol. Verificou o funcionamento do sistema direcional de inércia, duas vezes além do exigido pelos procedimentos de operação comuns, para certificar-se de que a agitação extra não afetaria o desempenho perfeito de sua operação. Quando se aproximavam do ponto de ação, Éden fechou os painéis de som e checou com sua tripulação: — Quatro minutos até a operação. Que cor têm vocês?</p>
<p>As respostas chegaram dos quatro cantos da Barca: — Tudo verde, Mestre. — As formalidades a bordo das barcas sésseis haviam começado. Cada homem observava o seu próprio programa, os dedos nos botões e os pés nos pedais, esperando pela luz do painel que indicava a posição. Finalmente, ela piscou.</p>
<p>As cápsulas, como torpedos, dispararam para dentro das entranhas do sol, onde o ciclo nitrogênio-carbono se agitava com fúria indizível. A uma temperatura de 3,5 milhões de graus a cabeça ablativa desintegrou-se e desprendeu para dentro do inferno uma carga de nitrogênio pesado. O nitrogênio pesado, aparecendo, como sempre, no fim do ciclo nitrogênio-carbono, rompia as condições estáveis, produzindo uma camada de hélio que servia para umedecer e resfriar as reações de fusão em toda a área daquela região. O choque térmico resultante no interior causava um colapso imediato, seguido de um incrível aumento da pressão com um aumento correspondente de temperatura. A vasta explosão abria caminho até a superfície, tornando-se uma enorme protuberância que se dirigia para a Terra, canalizando enormes massas de prótons em direção a um local pré-selecionado na vizinhança da Terra. A fase inicial da operação parecia ser bem-sucedida.</p>
<p>A hora seguinte passou-se em ir de ponto de ação para ponto de ação, plantando as cargas apropriadas, ora para efetuar a vasta descarga de elétrons no ângulo certo, ora para acalmar uma turbulência, ora para mudar a localização de um ponto. Em duas ocasiões os instrumentos registraram que as detonações não haviam acontecido nos locais, com suficiente precisão para obedecer as exigências de praxe, de modo que foi necessário efetuar detonações complementares. Estavam em constante, embora difícil, comunicação com as outras três Barcas e com a Base. Nenhuma das Barcas era especificamente consciente do fato, mas os começos da estiagem da Austrália haviam sido postos em curso durante a segunda hora de trabalho.</p>
<p>A bordo da Barca de Éden não havia nenhuma tensão, enquanto o tempo para a operação de profundidade se aproximava; todos estavam ocupados demais. Quando chegou a hora, Éden apenas fez uma checagem, através da rede de comunicações, e reduziu a polaridade do campo magnético na parte superior do tórulo. A Barca desceu rapidamente, deixando para trás a fotos-fera. À medida que caíam, Éden mantinha constante checagem na queda da temperatura das paredes da Barca. Queria estar ciente, de imediato, quando o efeito séssil começasse a diminuir. As paredes internas principiaram a aquecer antes do tempo esperado e, quando isso acontecia, o processo de aquecimento se efetuava com mais rapidez. Uma verificação imediata mostrou que a proporção de aumento de calor era mais rápida do que a proporção de descida; não podiam alcançar a profundidade exigida sem sofrer um excesso de aquecimento. A Barca não suportaria as temperaturas que Éden calculara. — Quente demais, quente demais — disse em voz alta. Verificou a profundidade; restavam ainda oitocentos metros para descer. Não valia a pena soltar a água onde estavam. Eram mais aqueles oitocentos metros ou nada. O plano estava em perigo.</p>
<p>Éden, na realidade, não fez uma pausa para tomar uma decisão. Simples e drasticamente cortou a força dos geradores de controle de polaridade ao tórulo e a Barca caiu como uma pedra, em direção ao centro do sol. Caiu os oitocentos metros em quarenta segundos, os últimos noventa metros em violenta desaceleração, quando Éden levantou o nível da força. A queda foi tão rápida que houve apenas pequeno aquecimento adicional. Acionou a ejeção da água e jogou a Barca no padrão que fora determinado e em dez segundos a disjunção estava completa, e um jato de oxigênio-15 começou sua trajetória em direção à Terra. O plano, ao menos, fora consumado.</p>
<p>Éden aumentou a força do tórulo para um nível alto e a Barca começou a subir até a segurança relativa da superfície. O tempo no nível mais profundo fora suficientemente curto para que a temperatura interna da Barca estivesse a uns toleráveis 49 graus Centígrados. O painel de controle não mostrava nenhum sinal de perturbação até que chegaram a uns noventa metros da superfície.</p>
<p>A subida foi diminuindo até parar. A Barca afundou um pouco e depois começou a quicar como uma bola até que finalmente encontrou um nível, ficando então imóvel. Não havia meio de reforçar a polaridade no tórulo. Os instrumentos mostravam que a força total fluía para dentro das serpentinas, mas não era suficiente. Éden começou a verificação de tudo. Apenas iniciara quando uma voz falou pelo comunicador interno: — Uma parte da nossa serpentina da parte externa da Barca não está funcionando, Mestre. Possivelmente foi queimada, mas vou dar outra checada.</p>
<p>Éden voltou sua atenção para as serpentinas e logo percebeu a causa evidente da potência reduzida. Ativou todos os termelementos e outros transdutores nas vizinhanças da serpentina e em dois minutos compreendeu o que acontecera. A queimadura dera-se onde a serpentina fazia uma volta fechada. O efeito séssil ali devia ter sido ligeiramente menor do que nas outras partes. O enorme calor inesperado atravessara a película de vapor de carbono e destruíra uma parte dos fios feitos da amálgama de titânio e molibdênio. A força total nas serpentinas não era o suficiente para aumentar a polaridade da Barca.</p>
<p>Éden falou no comunicador interno para explicar a situação à tripulação. Uma voz alegre respondeu: — Então estou contente em saber que não há nada realmente sério. Só quer dizer que não podemos subir. É isso que o senhor calcula, Mestre?</p>
<p>— Por enquanto sim. Alguém tem alguma sugestão?</p>
<p>— Sim, Mestre. Quero pedir uma licença.</p>
<p>— Concedida — disse Éden. — Agora concentrem-se nisto: temos que subir.</p>
<p>Fez-se silêncio a bordo da Barca, um silêncio que durou vinte minutos.</p>
<p>Éden falou: — Tentarei alcançar a Base.</p>
<p>Durante dez minutos Éden tentou contato com a Base ou outra Barca com seu rádio de ondas longas-longas. Estava a ponto de desistir, quando escutou uma resposta fraca e indistinta. Através do barulho, apenas pôde reconhecer o chamado da Barca comandada por Dobzhansky. Transmitiu sua situação repetidas vezes para que a outra Barca pudesse preencher as lacunas de uma das mensagens. Ficou na escuta e então soube que haviam compreendido e que notificariam a Base. Mas enquanto escutavam a fraca retransmissão todo som cessou. Uma verificação de sua posição mostrou que haviam sido levados à deriva, fora do alcance do rádio, e então Éden inclinou a Barca e começou a fazer um círculo. A três quartos do trajeto do círculo, captou de novo o sinal e ficou na escuta. Não ouviu nada a não ser comunicações de rotina.</p>
<p>Um dos homens disse: — Que bonito! Podemos nos movimentar, com a maior facilidade, em qualquer direção, exceto na única direção que queremos ir.</p>
<p>A Base estava chegando agora, através da outra Barca, e o próprio Hechmer falava. A única coisa que disse foi: — Fiquem firmes, enquanto estudamos o que podemos fazer.</p>
<p>Agora, já não havia mais despreocupação a bordo. A Barca flutuava a novecentos metros abaixo da superfície do sol e começaram a perceber que não havia nada que alguém pudesse fazer a respeito. Uma volta mais fechada da serpentina e a Barca ficara indefesa e impossibilitada de voltar à superfície. Cada homem ficou sentado, fitando seus instrumentos.</p>
<p>Uma visão de cabelos escuros flutuou em frente do painel de Éden e na sua mente podia ver a expressão acusadora no seu rosto. Era a isto que ela se referia, a Rebecca de negros cabelos, quando disse: "Não vou compartilhar você com coisa alguma." Ele compreendeu, pois agora ela teria pena dele, encurralado num lugar onde homem nenhum estivera.</p>
<p>— Perdemos a Barca novamente, Mestre. — As palavras o abalaram. Inclinou a Barca e começou a circular novamente. A sombra de Rebecca estava ainda sobre ele, mas, subitamente, sentiu-se muito irritado. O que era isto? As preocupações de uma mulher atrapalhando o seu trabalho? Isto não era para ele; isto não era para o Instituto. ÍNão podia haver turvação da mente, nenhuma dicotomia de lealdade — e, então, ele viu o caminho para a ascensão.</p>
<p>Quando completava o círculo, checou seus mapas e encontrou a mancha solar mais próxima. Estava a uma hora de distância. Voltou até o alcance de rádio e disse a Dobzhansky que estava se dirigindo para a mancha solar e que, por meio dela, chegaria à superfície. Dizendo isto rumou para lá. Com uma operação mais cuidadosa diminuíram o tempo do trajeto para cinqüenta minutos. Os últimos dez minutos do caminho foram passados em aumentar a velocidade da Barca para o máximo possível.</p>
<p>A novecentos metros abaixo da superfície do sol, entraram numa descontinuidade magnética, que definia a mancha solar.</p>
<p>Penetraram na mancha em direção oposta à sua rotação e as grandes serpentinas da Barca atravessaram as linhas de enorme força magnética. O movimento gerou força e essa força adicional fluiu para o tórulo e a Barca começou a subir. Era uma boa mancha solar, de oito mil quilômetros de diâmetro — ainda uma criança. A Barca andou em direção contrária à direção da rotação da mancha e subiu lentamente, fazendo espirais. Foi preciso muita paciência para notar que a Barca estava subindo, mas hora após hora continuaram a ascensão até que, finalmente, alcançaram a superfície indefinida do sol. Contornaram as bordas da mancha solar até que a Base os resgatou. Atracaram a Barca e entraram na Base.</p>
<p>Éden fez o relatório para Hechmer e tomaram medidas para arredondar mais as curvas fechadas de todas as serpentinas. O mais importante de tudo é que a técnica de profundidade fora um sucesso; foi acrescentada à lista de técnicas utilizáveis.</p>
<p>— Bem — disse Éden, quase no fim do relatório, esticando seus músculos cansados: — Vejo que estou escalado para outro turno daqui a uma hora. Isso não me dá muito tempo para descansar.</p>
<p>Então Hechmer disse aquilo que fez com que Éden ficasse satisfeito de ter decidido permanecer no Instituto: — Hm-m-m... é verdade — disse ele, dando uma olhada no seu cronômetro —, vou lhe dizer o que fazer. Pode chegar uma hora atrasado para o seu turno.</p>
<hr/>
<p>George Andrews, muito cansado, precisava fazer muito esforço para aspirar o ar para dentro dos pulmões. Deitado numa cama macia, escorado por travesseiros sob o sol quente da Califórnia, seus dedos puxavam a fina colcha que o cobria. Estava no alto de uma colina. Então viu uma nuvem esquisita, de forma cilíndrica, que parecia subir da planície, chegar muito alto, por entre as nuvens altos-cúmulos que salpicavam o céu. George Andrews sorriu, pois podia agora ver claramente que ela se aproximava. O cilindro vertical de nuvens brancas como espuma deslocava-se em sua direção e sentiu o frio quando a frente da massa gélida da nuvem o tocou. Jogou as cobertas para trás, quando os flocos de neve começaram a descer para que caíssem em cima dele. Levantou o rosto para a nevada e estava frio e era bom. Mas, mais do que isso, sentia-se feliz.</p>
<p>Aqui estava a neve, que ele tanto amava quando era menino. E o fato de que estava caindo, demonstrou-lhe que os homens, afinal de contas, não haviam mudado muito, pois isto era uma coisa tola. Não tinha mais problemas com o ar agora; não precisava dele. Jazia sob o cobertor de neve e era um bom cobertor.</p>
<p>FIM</p>
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